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Operação da PF contra Cid e Ciro se baseia em delações de 2017 e "indícios razoáveis", segundo juíz

Deflagração da Polícia Federal investiga supostas vantagens indevidas a construtora responsável pela reforma da Arena Castelão

Escrito por Wagner Mendes ,
Sede da Polícia Federal
Legenda: Sede da Polícia Federal durante operação que atinge os irmãos Cid e Ciro Gomes
Foto: Divulgação/PF

Operação da Polícia Federal que vasculhou endereços dos ex-governadores cearenses, Cid e Ciro Gomes (PDT), é baseada em acordo de leniência de 2016 e delações premiadas de 2017 — prática comum na extinta Operação Lava Jato. O objeto de investigação, vinculado à reforma da Arena Castelão, completou nove anos em 2021.

Decisão judicial, à qual o Diário do Nordeste teve acesso, detalha que o processo, que ganhou as ruas na manhã da quarta-feira (15), apura o pagamento de propinas a servidores públicos e agentes políticos do Governo do Estado, "decorrentes de procedimento de licitação para obras no estádio Castelão, em Fortaleza/CE, entre os anos de 2010 e 2013", segundo a PF. 

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A Polícia Federal apresentou pedido de busca e apreensão e de quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático de pessoas físicas e jurídicas, somando 17 processos. Entre eles, estão os ex-governadores e o atual secretário estadual de Infraestrutura, Lúcio Ferreira Gomes. A assessoria de imprensa do secretário, no entanto, disse ontem que ele não vai se pronunciar sobre o assunto.

Colaborações

As delações premiadas para fundamentar o processo são de 2017, do então presidente da Galvão Engenharia e membro do conselho de administração do Grupo Galvão, Dario de Queiroz Galvão Filho; do ex-executivo da construtora, Jorge Henrique Marques Valença; do então diretor corporativo da Galvão Investimentos, José Ubiratan Ferreira de Queiroz e do Mário de Queiroz Galvão, um dos sócios da empresa.

Consta ainda o depoimento de Benedicto Barbosa da Silva Júnior, de 2017, ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, o BJ, que comandava o Setor de Operações Estruturadas da empresa, o chamado “departamento da propina”; e o acordo de leniência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) com a Andrade Gutierrez, anunciado no final de 2016.

De acordo com o processo, está sendo investigado o possível pagamento de vantagem indevida para que a empresa Galvão engenharia S.A. conseguisse facilidades no processo licitatório da Arena Castelão para a participação na Copa do Mundo de 2014. 

Conforme os autos, os empresários teriam realizado pagamentos sistemáticos de propinas, inclusive disfarçadas de doações eleitorais, ao então governador do Estado, Cid Gomes, e aos irmãos Lúcio e Ciro Gomes. Cid e Ciro negam as acusações e dizem que tomarão providências legais. Lúcio não se pronunciou.

Na decisão, consta que o Ministério Público Federal se manifestou pelo deferimento parcial da representação policial. A decisão mostra, no entanto, que o MPF foi favorável às quebras de sigilo e apontou existência de indícios de crimes de corrupção. "Da análise dos autos, muito embora tenha havido doações para campanhas eleitorais, o que se tem bem claro é o cometimento de crimes funcionais previsto no Código Penal, como os tipificados no art. 317 (corrupção passiva) e no art. 333 (corrupção ativa)", diz a Procuradoria no texto.

Cruzamento de informações

Para fundamentar o caso, foi anexado ao inquérito, constituído inicialmente por delações, medidas articuladas pelos investigadores.

A primeira delas foi realizar batimentos dos fluxos dos pagamentos de propinas com as datas dos desembolsos efetuados pelo Governo do Estado pela execução das obras contratadas, entre elas a de construção e reforma da Arena Castelão.

Em seguida, foi feito exame do teor dos e-mails apresentados pelos executivos da empresa no contexto das negociações dos supostos pagamentos de propinas, nos quais se reportam, à importância daqueles repasses como forma de assegurar o desembaraço dos pagamentos das obras que estariam represadas pelo governo.

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Na sequência foi realizada uma análise minuciosa de todos os atos que compuseram o procedimento licitatório deflagrado pelo Governo do Estado e que culminou com a contratação do consórcio liderado pela empresa para construção e reforma da Arena Castelão. 

Por fim, uma análise das vinculações existentes entre os apontados agentes públicos supostamente corrompidos que teriam proporcionado a vitória da construtora no certame da Arena Castelão e suas ligações com os irmãos Cid, Ciro e Lúcio.

O caso, tocado pelo juiz federal Danilo Dias Vasconcelos de Almeida, envolve um montante de R$ 518 milhões reservado para a concorrência pública internacional que tinha como objetivo a reforma e operação da Arena Castelão.

Defesa

Ciro Gomes publicou nota logo depois do episódio negando as acusações. "Chega a ser pitoresco. O Brasil todo sabe que o Castelão foi o estádio da Copa com  maior concorrência, o primeiro a ser entregue e o mais barato construído para Copas do Mundo desde 2002. Ou seja, foi o estádio mais econômico e transparente já feito para a Copa do Mundo", escreveu.

Ainda segundo o ex-ministro da Fazenda, ele sequer encontrou os delatores. "E sejamos claros. Não tenho nenhuma ligação com os supostos fatos apurados. Não exerci nenhum cargo público relacionados com eles. Nunca mantive nenhum tipo de contato com os delatores. O que, aliás, o próprio delator reconhece quando diz que NUNCA me encontrou", afirmou.

Cid Gomes em coletiva de imprensa para se defender sobre acusações
Legenda: Cid Gomes em coletiva de imprensa para se defender sobre acusações
Foto: Wagner Mendes

Em coletiva de imprensa, Cid prestou esclarecimentos e também negou qualquer irregularidade. O ex-governador reforçou a transparência nos procedimentos licitatórios e disse que economizou recurso público antes do início da obra.

O senador fez ainda críticas ao que estaria por trás da deflagração da operação policial. "A Polícia Federal é uma instituição ultrarrespeitada, ultrarreconhecida, tem ao longo da sua história prestado relevantes serviços ao país, mas, lamentavelmente, e isso tem que ser denunciado, ela está sendo por sua direção completamente aparelhada", afirmou.

Veja a coletiva completa de Cid Gomes

Próximos passos

Cid Gomes disse em coletiva que vai recorrer do episódio ao próprio juiz sobre os procedimentos adotados na operação policial e também acionar a Justiça alegando abuso de autoridade — já que sequer foi intimado a prestar depoimento envolvendo os processos que estão sendo investigados em âmbito da Justiça federal.

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