Legislativo Judiciário Executivo

O que diz a PEC sobre drogas e por que ela coloca Legislativo e Judiciário em conflito

Tramitação da matéria no Senado amplia rol de assuntos que encontram divergências entre os Poderes da República

Escrito por Bruno Leite , bruno.leite@svm.com.br
Marcha da Maconha, em Fortaleza
Legenda: Marcha da Maconha de Fortaleza, em 2016
Foto: Fernanda Siebra

O Plenário do Senado Federal aprecia, nesta terça-feira (19), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa tornar crime a posse e o porte de drogas. Para ser promulgada, ela deverá receber o aval de 49 dos 81 senadores. A matéria, apresentada pelo presidente da Casa, o senador Rodrigo Pacheco (PSD), tramita "a toque de caixa" e foi formulada como uma reação institucional ao Supremo Tribunal Federal (STF), que está a um voto para formar maioria pela descriminalização do porte da maconha para consumo pessoal.

A proposição, na prática, inclui um trecho no Artigo 5º da Constituição Federal, a fim de expressar a prática como crime. Atualmente, a votação no Supremo está suspensa, por força de um pedido de vistas do ministro Dias Toffoli. Apesar do magistrado poder ficar com o processo por até 90 dias, ainda não há data para o caso ser retomado. Uma nova sessão para que o quadro de membros da Corte avaliem o tema - nas dependências do Tribunal deste 2015 - ainda deverá ser marcada pelo ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF. 

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A PEC em questão foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na última quarta-feira (13). Na oportunidade, os parlamentares acataram o relatório do senador Efraim Filho (União), que é favorável à medida. Apenas quatro senadores (Jaques Wagner, do PT; Fabiano Contarato, do PT; Humberto Costa, do PT; e Marcelo Castro, do MDB) se opuseram ao texto de forma simbólica, pois não houve contagem nominal dos votos. 

Os legisladores do Senado que defendem a atuação frente ao assunto alegam que esta seria uma prerrogativa do Legislativo e não do Judiciário. Assim, a temática é mais uma a entrar no raio de disputa entre os dois poderes da República brasileira. Embates quanto ao Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas, a legalização do aborto, a limitação dos poderes do STF e a punição de congressistas envolvidos em crimes são algumas demonstrações que dão corpo para a relação conflituosa.

O que diz a proposta

O texto-base que irá ao Plenário do Senado nesta terça argumenta que a ideia da PEC é prevenir e combater o abuso de drogas, já que "a saúde é um direito de todos e dever do Estado". A medida, pelo que justifica o conteúdo, seria "uma política pública essencial para a preservação e a saúde dos brasileiros". 

Foram expostos no decorrer da justificação pontos da Carta Magna que versam sobre o tráfico. Dentre outros trechos, foram destacados os que tratam da comercialização de drogas como um crime hediondo, a participação da Polícia Federal na repressão do tráfico ilícito de entorpecentes e outras drogas, e a possibilidade de expropriação de terras utilizadas para o plantio de drogas.

A PEC menciona ainda Lei de Drogas, de 2006, que versa sobre a prática de tráfico e porte para consumo pessoal como infrações passíveis de penalização (com a aplicação de medidas educativas, advertência e prestação de serviço), mas não de encarceramento. A ideia, segundo explicou um fragmento da proposta de emenda, é tornar a legislação mais dura.

"Esta Proposta de Emenda à Constituição visa a conferir maior robustez à vontade do constituinte originário, na esteira dos dispositivos anteriormente elencados, ao prever um mandado de criminalização constitucional para as condutas de portar ou possuir entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar", explicitou o texto.

Sessão da CCJ
Legenda: Sessão da CCJ do dia 13 de março.
Foto: Lula Marques / Agência Brasil

A Lei de Drogas, citada na parte reservada para a justificativa, é a mesma que está sob análise do STF, que poderá decretar uma parte dela como inconstitucional, caso a maioria seja formada com a retomada do julgamento. 

No entendimento do Senado, a tramitação da PEC não desrespeita a jurisdição do Supremo. "A posição do Congresso Nacional, externada por esta proposta de emenda à Constituição, objetiva, pois, dialogar institucionalmente com os demais Poderes da República, de forma harmônica, nos termos do art. 2º da Constituição Federal de 1988", sustentou. 

Inicialmente, pelo que noticiou o UOL, havia um acordo para o assunto só entrar na pauta dos congressistas depois da definição do Supremo. A pressão da oposição fez com que houvesse uma pressa na tramitação.

Interpretações do Senado e do STF

Após a aprovação na CCJ, à Agência Senado, o senador pelo Ceará, Eduardo Girão (Novo) comentou que, embora chegue ao Plenário, a proposição irá passar por cinco sessões regimentais para ser promulgada. "Esperamos entregar essa medida que é a favor do povo brasileiro, a favor da saúde, a favor da segurança pública e que vai colocar na Constituição Federal a criminalização de qualquer quantidade de droga", declarou. 

Procurado pelo Diário do Nordeste para dar detalhes sobre sua defesa, Girão, por intermédio da sua assessoria de imprensa, declarou não ser possível atender a reportagem na ocasião. Outros dois cearenses compõem o time de senadores da República: Cid Gomes (PSB) e Augusta Brito (PT). Tanto Gomes quanto Brito foram acionados, mas não deram nenhuma resposta até o fechamento desta matéria. 

Girão, Gomes e Brito integram a Comissão de Constituição e Justiça, por onde a PEC passou na última quarta-feira. O membro do Novo e a petista estiveram presentes na reunião, conforme apontou o registro de presença disponibilizado no site da Casa Legislativa. Ele, como citado anteriormente, falou abertamente sobre ser favorável à criminalização a qual a matéria se objetiva, mas ela não votou simbolicamente contra e não se manifestou publicamente sobre a questão.

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A ideia de que o Legislativo é o responsável por opinar acerca da descriminalização encontra apoio em dois ministros do STF, André Mendonça e Nunes Marques. Ao expor seu voto, Mendonça opinou que a maconha faz mal, gera dependência, contribui para o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos e estabeleceu que os critérios entre usuário e traficante devem ser fixados pelo Congresso em até 180 dias. Marques reforçou a prerrogativa dos congressistas em deliberarem sobre o assunto.

O ministro Cristiano Zanin, do Supremo, é um dos três que a consideraram a criminalização como válida. Na compreensão dele, a Lei de Drogas fala da despenalização, mas mantém a criminalização do porte e da posse. Conforme discorreu, não caberia ao Judiciário alterar o que está escrito na legislação competente.

Tal manobra só seria possível, de acordo com Zanin, se fossem definidas regras de como a droga, legalizada, seria ofertada aos consumidores. Para ele, a descriminalização poderia agravar problemas de saúde e segurança na população.

Até agora, cinco membros da Suprema Corte favoráveis à descriminalização da maconha já foram computados, sendo que quatro dos magistrados (Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso) fixaram como critério o consumo pessoal em 60 gramas da erva ou seis plantas fêmeas. O ministro Edson Fachin, apesar de votar pela inconstitucionalidade da criminalização, não fixou um quantitativo, por entender que os limites devem ser estabelecidos pelo Legislativo.

Ao defenderem a descriminalização, os ministros apresentaram justificativas diversas, a exemplo do reflexo da proibição na autonomia privada, o caráter dúbio das regras atuais na definição de quem é traficante ou usuário e o critério racial na aplicação de penalidades mais brandas ou mais pesadas aos que são apreendidos com porções de cannabis. Outros três (Cármen Lúcia, Luiz Fux e Toffoli) ainda vão votar.

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