Mistério dos prefeitos 'sumidos': impasse em Tianguá e Limoeiro se arrasta há meses e gera crise
As investigações que ocorrem em duas esferas impactam, de diferentes formas, o campo político no município
O suposto "sumiço", no primeiro semestre, dos prefeitos de Limoeiro do Norte e de Tianguá ainda gera repercussões políticas entre os vereadores. Enquanto no primeiro caso se observam queixas na base, sobretudo com o avanço das investigações, o arco de aliança parece se fortalecer cada vez mais no segundo, apesar da reação da oposição.
O Ministério Público do Ceará (MPCE) quer que o gestor de Limoeiro, José Maria Lucena (PT), preste novo depoimento sobre a atuação na Prefeitura, que pode estar sob administração de terceiros, diz denúncia.
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Já em Tianguá, o órgão arquivou o processo contra Luiz Menezes (PSD). Um inquérito com o mesmo tema, mas focando em um suposto caso de falsificação de documento público, corre na Polícia Civil do Estado.
Como está sob segredo de Justiça, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) não dará mais detalhes, informou.
As gestões seguem com impasses no campo jurídico que impactam, de diferentes formas, no trato político com aliados.
Em Limoeiro, o que se comenta nos bastidores é que vereadores da base estão insatisfeitos com a falta de transparência sobre a situação e com a falta de diálogo direto com o gestor, já que, de certa forma, são pressionados pela população. Apesar disso, evitam externar o descontentamento.
Já em Tianguá, a oposição afirma que a sustentação do governo na Câmara Municipal, que é quem analisa e vota processos contra o prefeito, deve-se à acomodação de aliados na gestão.
Limoeiro do Norte
O MPCE investiga uma denúncia de que José Maria Lucena estaria ausente das funções desde o ano passado devido a um tratamento de saúde. No seu lugar, os despachos que deviam ser feitos pela vice Dilmara Amaral (PDT), segundo as regras de vacância, estariam sendo feitos por terceiros.
Apesar disso, o prefeito continua com maioria na Câmara, ainda que alguns nomes da base mostrem insatisfação sobre o impasse. Um deles, sob condição de anonimato, disse ao Diário do Nordeste que espera “apreensivo” um desfecho sobre o caso.
O vereador informa que ele particularmente e a própria Câmara têm feito um trabalho de tentar se aproximar, com pedidos de visita ao prefeito feitos, mas não atendidos.
“Nosso município está sem comando, que devia ser do gestor (Lucena). Como nós não temos prefeito, não temos a vice assumindo, então fica entregue aí aos secretários, que é quem estão dando as ordens, resolvendo alguma coisa, por isso é que nós estamos preocupados”, afirma.
Do outro lado, o vereador de oposição Rubem Sérgio de Araújo (PL) reforça as queixas do colega. “Tenho respeito pelo prefeito, mas os problemas estão sendo causados não só à população, mas à administração pública e ao próprio prefeito”, diz.
O Diário do Nordeste tentou contato com outros vereadores da base do prefeito para que comentassem sobre o clima político na Casa, incluindo o líder do governo na Câmara, Domingos Bezerra (PSB), e o presidente da Casa, Darlyson Mendes (ou Paxá, do PSB), mas sem sucesso.
A reportagem também acionou a gestão sobre a queixa dos vereadores, mas não obteve resposta. Além disso, uma das filhas do prefeito, Juliana Lucena (que foi sua secretária de Gestão até 2022, e é atualmente deputada estadual), foi procurada para comentar o caso via assessoria de imprensa. Não houve resposta até o momento.
Vacância
Como citado acima, o Ministério Público investiga se a vice Dilmara Amaral (PDT) teria sido impedida de assumir o comando da Prefeitura.
Um afastamento do prefeito por período superior a 15 dias corridos deve ser autorizado pela Câmara Municipal. Nesse caso, quem assume é a vice. É o que diz a Lei Orgânica de Limoeiro.
Contudo, como afirma a denúncia, a ausência de José Maria Lucena das funções para um suposto tratamento de saúde dura meses sem o aval dos vereadores. É daí que vem o problema.
Com essa espécie de suposta “licença não-oficial”, o Ministério Público também investiga o uso da assinatura do gestor. Segundo a denúncia, o envio de projetos do Executivo à Casa durante esse período indicaria a execução dos atos de gestão por terceiros.
Por isso, o promotor Felipe Carvalho de Aguiar requisitou à Câmara Municipal o envio de cópia de todos os atos assinados e remetidos pelo prefeito no decorrer deste ano.
A suspeita é que secretários e assessores – entre eles a titular da Secretaria de Governo, Andrea Lucena, sua filha – estejam assumindo essa função, o que é considerado irregular.
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Enquanto isso, mesmo com a ausência do prefeito pendente de confirmação, a vice-prefeita afirma ter suas funções esvaziadas. Inclusive, segue sem gabinete, estrutura que perdeu em maio de 2021, primeiro ano do segundo mandato de José Maria Lucena.
Ao Diário do Nordeste, ela ponderou que aguarda uma conclusão do caso no Ministério Público para calcular os próximos passos.
“Entendo que já tem algumas linhas de investigação e vou aguardar porque já há muitos indícios, já é algo público e notório o estado de saúde dele. Como já tem uma linha bem reforçada, a gente vai ficar no aguardo”, afirmou.
“Eu, como vice-prefeita, tenho uma admiração e um respeito pelo prefeito. Essa situação é muito desgastante, inclusive para a imagem dele, para o homem público que foi toda a vida”, disse desejando melhoras.
Investigação no MPCE
Além das apurações específicas sobre secretários de governo, o Ministério Público demandou uma nova convocação de José Maria para esclarecimentos sobre o caso.
Isso porque, segundo o despacho da última semana, não existe "agenda pública, tampouco relatos de atendimento da população e de atos praticados de forma presencial e pública pelo prefeito, além dos atos existentes praticados por assinatura eletrônica".
Está marcada para 8 de agosto a audiência na sede da Promotoria. A notificação deve ser feita, também, pessoalmente, a fim de garantir a comunicação.
O Diário do Nordeste perguntou à gestão se já foi notificada. A matéria será atualizada quando houver resposta.
Após arquivamento, oposição mantém críticas em Tianguá
A denúncia que chegou ao MPCE sobre a Prefeitura de Tianguá é semelhante à de Limoeiro: o prefeito estaria afastado de forma irregular da função, sem autorização da Câmara e sem dar espaço ao vice, Alex Nunes (PL).
A suspeita era de que a gestão estaria sendo tocada por terceiros, principalmente pela primeira-dama Natália Félix, que deixou a chefia da Secretaria de Administração em abril deste ano. No mês anterior, o Ministério Público deu início à investigação.
Mesmo com o arquivamento do processo, a oposição reforça que o prefeito segue sem tratar diretamente com os atores políticos do município. O líder do governo, vereador Claudohelder (PSD), nega essa versão.
Ao Diário do Nordeste, ele diz que “sempre” conversa com o prefeito sobre projetos na cidade e lembra, ainda, que nessa quarta-feira (26), Menezes esteve no DNIT, em Sobral, para tratar sobre a instalação de semáforos na BR-222.
“O prefeito está bem de saúde. A oposição, por interesse, matava e assumia a Prefeitura. (As críticas) são questões políticas mesmo”, garante Claudohelder.
Ainda na avaliação de membros da oposição, diante das investigações, o governo se sustentou por acomodar seus familiares, além de parentes de vereadores da base, no primeiro escalão.
Foi com a base mantida até hoje que o prefeito conseguiu que a Câmara rejeitasse uma representação contra ele no início do ano.
Quanto ao secretariado, inclusive, a cunhada de Natália Félix, Monique Rodrigues Brondani, acumula duas pastas.
Está sob sua gerência a Secretaria de Administração e a Secretaria de Administração e de Indústria, Comércio, Desenvolvimento Econômico e Empreendedorismo. Um dos filhos do prefeito, Anderson Lima, também já compôs o governo.
A Prefeitura desmembrou a Secretaria de Meio Ambientes e Turismo, criando uma pasta para cuidar somente desta última temática e para acomodar a esposa de um aliado.
O próprio presidente da Câmara Municipal, Elves Lima (PSD), é parente do prefeito.
Veja outros:
- Procurador-Geral do Município: Leandro Lima Valencia, sobrinho de Luiz Menezes;
- Secretário de Saúde: Rejarley Vieira de Lima, sobrinho de Luiz Menezes;
- Secretária de Trabalho e Assistência Social: Emanuela de Aguiar Freitas, nora de Luiz Menezes e esposa de Anderson;
- Secretária de Educação: Ana Vládia Moreira Nunes Barbosa, filha do vereador Zé Bia (PSDB);
- Secretária de Juventude, Esporte e Lazer: Maria Jaqueline Freire Lima, esposa do vereador Kim Turismo (PSD);
- Secretária de Turismo: Keila Aragão Fernandes, esposa do vereador Marcondes Fernandes (PL).
Escanteado, o vice-prefeito Alex Nunes (PL), contudo, diz que a oposição não planeja novas investidas sobre o caso.
De sua parte, afirma, resta aguardar os trâmites legais, já que não espera “muita coisa” da Câmara. Ele teme que uma possível investida no Ministério Público com novas denúncias possa ser vista como um ato “em benefício próprio”.
“Hoje sou oposição, de forma alguma vou apoiar essa situação. [...] Tenho conversado com alguns vereadores, mas aqui ainda não temos uma linha de como será (o planejamento para os próximos passos da oposição)”, diz.
O vereador José Leôncio (PSB) reforçou o diálogo com o vice-prefeito. “Buscando fortalecer o grupo de oposição para 2024, caso não aconteça novidade (na Justiça). Se acontecer novidade, antecipa (a estratégia). Mas estamos aguardando o resultado disso da Polícia Civil”, informa.
O Diário do Nordeste procurou a Prefeitura de Tianguá para comentar as declarações dos membros da oposição e apresente a sua versão diante das críticas políticas. Não houve retorno.
O prefeito Luiz Menezes, por sua vez, segue compartilhando o cotidiano no Instagram, registrando visitas a obras e a eventos culturais e reuniões com secretários.