Legislativo Judiciário Executivo

Como a bancada do PDT na Câmara Municipal de Fortaleza avalia a debandada de deputados

Membros da bancada pedetista opinam sobre o futuro partidário na maior cidade comandada pela sigla no País

Escrito por Bruno Leite , bruno.leite@svm.com.br
Plenário Fausto Arruda
Legenda: Pedetistas representam a maior parcela dos membros do parlamento municipal.
Foto: Érika Fonseca / CMFor

Em mais uma semana conturbada, um grupo de parlamentares que integra o diretório cearense do Partido Democrático Trabalhista (PDT), e que são aliados do senador Cid Gomes, anunciou o desejo de sair do quadro de filiados. 

O episódio, que aconteceu na última quarta-feira (8), foi marcado pela concessão de uma de mais de dezenas de anuência pela então executiva estadual para que os políticos desembarquem da legenda sem perder seus mandatos.

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Entre os prováveis dissidentes figuram dois vereadores da Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor), a Enfermeira Ana Paula e Júlio Brizzi. Ambos, apesar de serem correligionários do prefeito José Sarto, demarcam uma postura de oposição ao Governo Municipal desde o período pré-eleitoral do ano passado, quando as alas pedetistas deram os primeiros sinais de cisão. 

Agora, prestes a enfrentar outro pleito, desta vez para a eleição do cargo máximo do Paço Municipal da Capital e de uma nova composição para o Plenário Fausto Arruda, a maior bancada do Legislativo do Município segue rachada e envolta em um conflito que não apresenta sinais de que possa ter um fim tão breve.

A reportagem do Diário do Nordeste ouviu membros do PDT com mandato na Casa Legislativa alencarina às vésperas de um processo eleitoral que poderá ser afetado por uma crise grave no pedetismo local. 

Atos de perseguição

Uma das portadoras da autorização de desembarque, a vereadora Ana Paula alegou que não é "bem-vinda no PDT há bastante tempo". O motivo, ela indicou, seria a posição que mantém na CMFor: "Fui eleita por um segmento da sociedade que cobra muito minha independência e transparência nos atos. Muitas matérias oriundas do Governo Municipal, que é PDT, vieram para cá e eu, de fato, não concordei. Isso acabou resultando numa série de perseguições aqui".

Ao que disse a parlamentar, que também é suplente de deputada federal, uma das demonstrações mais evidentes dos tais atos persecutórios teria sido a sua exclusão do órgão partidário do trabalhismo em Fortaleza, quando da eleição da composição atual, em abril do ano passado. 

"Fui preterida, junto com o Júlio Brizzi, e mesmo a gente tendo mandato e a garantia de que faríamos parte da executiva municipal, dos dez vereadores, apenas eu e ele ficamos de fora. Isso me trouxe bastante transtorno psicológico, de tentar saber o que de fato estaria fazendo para ter sofrido essa segregação", revelou Ana.

Sua vontade em sair da sigla, segundo ela, não é recente, mas por orientação de Cid, acabou postergando a medida. A possibilidade de reenquadramento e de uma reconciliação entre os agrupamentos do partido foi o argumento usado pelo líder para que não houvesse uma desagregação anterior. 

Enfermeira Ana Paula
Legenda: Ana Paula acusa grupo opositor de perseguição.
Foto: Érika Fonseca / CMFor

Nas palavras de Ana Paula, este é "um dos piores momentos do PDT", uma vez que sua ala, que detém uma influência maior no estado, está sendo guiada pelo grupo liderado por André Figueiredo. Ela caracterizou os atos dos seus opositores de "arbitrários" e falou que eles "não são favoráveis ao que pensam os que são democraticamente eleitos para representar o povo". "Foi com muita tristeza que pedi minha carta de anuência, assim como os outros", pontuou.

Com o destino ainda incerto, a profissional disse que já recebeu convites de outras agremiações, a exemplo do Republicanos, do Partido dos Trabalhadores, do Partido Socialista Brasileiro, do Partido Social Democrata e do Podemos - este último teria convidando-a para exercer o cargo de presidente municipal em Fortaleza. "Estou analisando detalhadamente o partido para o qual vou seguir", completou.

Anuências são contestáveis

Aliado de Figueiredo, Iraguassu Filho parece não concordar com a visão da companheira de legenda. De acordo com ele, até a reunião que deliberou pela concessão das cartas estaria fadada ao descrédito, dado o formato com que foi convocado o encontro. 

"Foi chamada uma reunião, na véspera, na tarde do dia 7, assinado pelo senador Cid Gomes, convocando para a quarta-feira (8), pela manhã, 8h, descumprindo o regimento que ele tanto alegou em decisão judicial, quando questionou a mudança da presidência da executiva estadual", afirmou.

"Essas cartas de anuência foram dadas para alguns deputados estaduais, federais, alguns suplentes e vereadores. Elas já foram anuladas na reunião da executiva nacional porque não cabe. O mandato é do partido. E quem diz isso não sou eu, mas a legislação federal", continuou.

"Na questão política, acredito que não há mais clima para se conviver com o grupo liderado por Cid Gomes. E digo isso por tudo o que aconteceu no partido, pelo cenário que aconteceu na reunião da nacional", disse, mencionando a ocasião conflitante realizada na Fundação Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, no dia 27 de outubro.

Iraguassu Filho
Legenda: Iraguassu Filho contestou validade das autorizações para saída do partido sem perda dos mandatos.
Foto: Érika Fonseca / CMFor

O intento do irmão de Ciro Gomes, acusou Iraguassu, seria o de retirar o apoio do partido para a reeleição de Sarto. A ideia não é bem aceita, dada a representatividade da gestão fortalezense para o PDT, já que ela é a maior cidade comandada pela legenda em todo o país. 

Ele defendeu que, caso aconteça, a saída dos colegas não deve incorrer na manutenção dos mandatos. "Não existe justa causa, basta pegar a própria decisão judicial do TRE [Tribunal Regional Eleitoral do Ceará] para o deputado Evandro [Leitão], que falava que a única questão que eles colocaram foi a justa causa pela carta de anuência", argumentou, questionando também o documento, que seria vedado pelas regras estatutárias.

'Processo de depuração'

Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da CMFor, Lúcio Bruno ponderou que o desembarque dos que não se sentem como parte do quadro deve ocorrer, já que estes não nutriam o desejo de estar nas fileiras pedetistas e não estavam respeitando as decisões partidárias. 

Em sua análise, o ponto de partida para a situação em que se encontram foi a narrativa criada em torno da escolha de Roberto Cláudio para o posto de candidato ao Palácio da Abolição, referendada pela maior parte dos filiados. O contexto atual remonta essa disputa. 

"Não pode estar se criando uma narrativa, para justificar a saída, de que estão sendo perseguidos, que são vítimas de um processo. Pelo contrário, o que acontece é que os vilões estão querendo ser as vítimas e quem é realmente a vítima passa a ser vilão", contestou Bruno. 

"Acho que o PDT, depois de tudo isso, tem que focar nas eleições municipais. E, falando em Fortaleza, hoje o PDT é a maior bancada municipal. Temos que trabalhar para se manter desta maneira, se preocupar com o projeto que está aí, que está avançando e fazendo a cidade se transformar e esses assuntos a gente deixa para a nacional, para que ela resolva esse problema dos deputados e filiados que querem sair do partido", sugeriu o entrevistado.   

No seu ponto de vista, mesmo com a redução dos quadros, o que importa é a união do agrupamento que irá ficar. "Minha opinião é clara: é melhor eu estar em uma Kombi com todo mundo unido do que em um ônibus com todo mundo se cotovelando. Por mim, já tinha liberado todos os que não se sentem à vontade. Agora, o partido também tem que ter uma posição", contou.

Êxodo dos 'infiltrados'

Nessa quinta-feira (9), a executiva nacional do Partido Democrático Trabalhista agiu de maneira direta e destituiu de maneira definitiva Cid Gomes da presidência estadual. A atitude foi referendada pela maioria dos membros. Na sexta-feira (10), porém, a justiça devolveu o comando do partido a Cid Gomes.

No mesmo dia em que foi votado o processo disciplinar, o vereador Adail Júnior fez suas considerações sobre o assunto. "Acho que o PDT continua quase que normal. Quem está saindo é o povo do PT que está no PDT. Isso eu venho dizendo desde a eleição. E eu sempre digo que ninguém perdeu a eleição para Camilo, para Lula ou Elmano, mas para o PDT do estado do Ceará", indicou. 

Logo em seguida, o parlamentar continuou: "Quando me refiro a 'nós' estou falando do Roberto Cláudio. Perdemos a eleição para o senador Cid Gomes, para essa bancada estadual, para a bancada federal que apoiou o PT, para a grande bancada de prefeitos do Ceará, para os poderes do estado, para a ex-governadora Izolda Cela. Se todos nós estivéssemos unidos, estaríamos no segundo turno".

Adail questionou a conduta de Cid Gomes na direção cearense e as liberações dele ao longo dos últimos meses. Na interpretação dele, essas movimentações eram alheias aos interesses internos. "Você chegar a dar carta de anuência ao presidente do Legislativo do seu estado, dar cartas a quase todos os deputados estaduais e federais do seu estado... justifica isso? Isso é PDT? É ideologia partidária? Não tem como", concluiu.

Impacto mínimo

No mesmo fluxo de pensamento, minimizando o impacto da despedida de quadros, está o presidente do Legislativo municipal e chefe de uma comissão montada pelo partido para a disputa proporcional do ano que vem, Gardel Rolim. Durante entrevista coletiva concedida na manhã de sexta-feira (10), ele afirmou que "as forças da Câmara Municipal se reorganizam". 

"Nós já estamos com um planejamento claro para 2024 e tivemos a primeira reunião da comissão. Vamos buscar militantes de Fortaleza que não são do PDT, mas que têm afinidade com as nossas bandeiras, que defendem a educação, a melhoria da saúde pública, que compreendem o projeto que o prefeito Sarto defende. Vamos dialogar com esses atores", destacou. 

As saídas de vereadores do partido, para Gardel, não interrompe o fortalecimento almejado para a disputa eleitoral. "Nós, há duas eleições, somos a legenda que mais elege vereadores em Fortaleza e temos a meta clara de repetir esse feito no ano que vem. Nossa meta é eleger pelo menos 15 parlamentares e vamos perseguir isso", realçou.

Sarto e Gardel
Legenda: Chefes do Legislativo e do Executivo de Fortaleza estiveram juntos na manhã desta sexta-feira (10), durante evento na CMFor.
Foto: Thiago Gadelha

Vice-presidente da Casa, Paulo Martins concebeu que há uma união entre os integrantes da divisão municipal do PDT. Com exceção de Ana Paula e Júlio Brizzi, ele mencionou, não há outros vereadores ou suplentes desmotivados com as próximas eleições. 

"Esta semana nos reunimos para ver quem vai ser candidato, quem não irá ser... mas estamos bastante otimistas. Creio que temos condições de melhorar muito a meta que alcançamos na eleição passada, onde fizemos dez vereadores", observou ao conversar com a reportagem. 

Alcançar a meta dependeria somente de um bom trabalho com as bases. A atração de nomes viáveis é tida como certa por ele, já que, por critérios de quociente eleitoral, a sigla é um destino bem visto entre os que desejam ser candidatos em proporcionais. 

Alvo distante

Principal alvo da briga entre grupos, o prefeito José Sarto tem evitado entrar no conflito, postergando qualquer incidência para o ano que vem. Nesta sexta, quando perguntado sobre seu distanciamento, o gestor se absteve em enumerar os feitos à frente da administração pública do Município e parafraseou uma frase da canção "Chorando e Cantando", de Geraldo Azevedo. Os primeiros versos da música mencionam a chegada de fevereiro. Sarto deixou a entender que só neste período agiria de maneira direta na mobilização partidária. 

Especialista avalia cenário

Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professora de Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor), Mariana Andrade disse enxergar que o último revés, assim como os desdobramentos recentes da disputa interna pedetista, pode expor de forma pública a falta de coesão entre os membros e ocasionar na redução da credibilidade popular quanto aos personagens políticos para as próximas eleições. 

A especialista inferiu que a concessão das cartas de anuência, apesar da resposta judicial demorada, seria o caminho mais viável no momento para a resolução de um entrave como visto no seio do PDT. "Embora pareça uma tentativa desesperada de manter a integridade da sigla, é tecnicamente o caminho mais adequado", disse. 

Para Andrade, o simbolismo da despedida tem seu mérito eleitoral. "Ao arrastar nomes do partido para fora da legenda, Cid Gomes tem uma vitória interessante, porque dá a entender a existência de apoio à sua postura. Mas, para olhares um pouco mais aguçados em termos de estratégia política, essa movimentação parece muito menos uma sinalização de apoio ao senador, e muito mais uma tentativa dos dissidentes em alcançar um resultado ótimo específico", opinou.

A liberdade para apoiar lideranças mais influentes no próximo pleito eleitoral sem comprometimento do próprio capital político seria um efeito resultante deste esforço. A imagem independente passada hoje para o público poderia representar votos de grande parte do eleitorado.

O imaginário político dos players do próximo ano também é um condicionante para uma figura importante nesse percurso que antecede a eleição. Conforme explicou Mariana, o silêncio de Sarto não é gratuito: "Ele precisa recuperar o próprio capital eleitoral... e rápido".

O Diário do Nordeste não conseguiu contato com os demais parlamentares do PDT na Câmara de Fortaleza.

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