Apuração Eleições 2024 Legislativo Judiciário Executivo

Cid Gomes fora do PDT? Entenda os possíveis impactos eleitorais para 2024

Em meio à especulação sobre a saída do senador e seu grupo do Partido Democrático Trabalhista, o Diário do Nordeste conversou com especialistas que analisaram o cenário político que está desenhado

Escrito por Bruno Leite , bruno.leite@svm.com.br
Cid Gomes no Ponto Poder
Legenda: Destituído do cargo por decisão da executiva nacional do PDT, Cid busca caminhos para o cenário que está posto.
Foto: Ismael Soares

A disputa interna do Partido Democrático Trabalhista (PDT), protagonizada pelos grupos antagônicos liderados pelo senador Cid Gomes e pelo presidente nacional interino e deputado federal André Figueiredo, escalou um novo patamar na última sexta-feira (27), com a reunião da executiva nacional que determinou uma nova intervenção no diretório cearense.

A cúpula trabalhista esteve reunida na sede da Fundação Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, e decidiu pela destituição do ex-governador da chefia da divisão estadual da sigla - posto conquistado após a realização de um processo eleitoral repleto de reveses e ações judiciais.

Veja também

Com a movimentação, aliados passaram a cogitar o desembarque de membros da ala cidista do quadro do PDT. Ao jornal, o deputado federal Eduardo Bismark, que participou do encontro, foi um dos que confirmaram a possibilidade. 

"Foi aprovada essa intervenção, quando sair a ata, nós vamos nos reunir e avaliar o que será decidido. Se nós vamos sair do partido ou não", disse o parlamentar, se referindo ao documento que formaliza o ato da executiva.

Apesar de contestar a atitude dos correligionários e afirmar que não houve espaço para "ampla defesa" durante o processo que culminou na sua retirada da presidência estadual, Cid ainda não trata sobre sua provável saída de maneira pública. 

Considerando o apoio de nomes importantes do PDT Ceará no decorrer dos últimos capítulos, uma parcela expressiva de pedetistas pode integrar o êxodo aventado. No início de outubro, por exemplo, 49 dos 84 integrantes do diretório assinaram a convocação de nova eleição para a presidência com objetivo de destituir o então dirigente estadual, André Figueiredo.

Como resposta, Figueiredo desativou o órgão partidário e nomeou uma comissão provisória para assumir as atribuições que seriam de responsabilidade do presidente. Com o intuito de reverter a medida, numa nova demonstração de força, Cid e mais 17 deputados estaduais e federais assinaram um pedido de liminar para a reversão da inativação realizada pelo seu opositor.

Nesta segunda-feira (30), o senador esteve com parlamentares, prefeitos e aliados para discutir o futuro da sua ala depois da intervenção. Juntos, deliberaram pela convocação do diretório estadual para ser discutida coletivamente a situação.

Na nota que comunicou a resolução, o senador disse que a última decisão judicial da briga travada com André, a que validou a sua eleição, asseguraria a vigência do seu mandato e a legalidade das suas deliberações.

Êxodo com reflexos negativos

Ouvidos pelo Diário do Nordeste, especialistas opinam sobre o assunto. Todos eles concordam que a disputa traz uma série de impactos negativos para ambas as partes, e que a migração ventilada pelos cidistas é mesmo possível, mas não é algo imune a problemas como a própria relação da agremiação com outras instâncias políticas e partidárias. 

Para a advogada e mestra em Planejamento e Políticas Públicas, Adriana Alcântara, a migração é mesmo possível, caso não haja um consenso com a direção. Segundo ela, pela dimensão que o PDT tem, as consequências de episódios de divergências internas - como as que estão sendo vistas desde o ano passado - tomam proporções maiores do que as que poderiam ser observadas em outras legendas.

Foto de Cid Gomes
Legenda: Cid, quando da reunião que o elegeu como titular do diretório estadual.
Foto: Ismael Soares

Ela aponta que estes conflitos têm como intuito a demarcação de um território e podem ser resolvidos até o pleito do próximo ano. "É possível, mas a gente não pode assegurar, que elas tenham uma necessidade de se resolver para as eleições municipais. O cenário municipal de um grande município, como o de Fortaleza, ele interessa muito a qualquer partido.", alega.

Devido à proximidade da eleição, Alcântara levanta a possibilidade dos interesses prioritários superarem as demandas dos que estão inseridos nas disputas. "Numa disputa dessa, a gente tem que pensar muito para além dos nomes e entender o que o partido pretende. Ele pretende atuar de outra maneira que não seja condizente com o que o nacional pensa?", provoca.

"Esse desgaste mexe muito com a organização partidária e ele tem efeitos para além do partido. A gente está falando de chefes políticos", avalia a estudiosa sobre a "queda de braço" entre André e Cid. De acordo com Adriana, as negociações que estão sendo travadas vão para além da estrutura do partido.

Efeitos partidários

"A gente sabe que os efeitos podem atingir a movimentação no Ceará, até porque a saída do senador Cid dos quadros de filiação traria um prejuízo para ele, porque a gente observa que na convenção que ratifica a convenção como presidente, 48 votaram a favor, então há um grupo que está com ele e fecha com ele a necessidade dele ir para a presidência do partido", resume Adriana Alcântara, acrescentando que não se sabe qual partido receberia Gomes atualmente. 

O desgaste visto no PDT Ceará seria, na avaliação da pesquisadora, semelhante ao que atingiu o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) no período pré-eleitoral do ano passado, em que Tasso Jereissati e Chiquinho Feitosa, hoje no Republicanos, disputaram o controle pelas decisões da seção estadual do partido. "O conflito foi tão grande que teve um impacto também na participação do partido na disputa eleitoral. Fizeram duas convenções, foi para o Judiciário também", relembra. 

As implicações de situações como a vivida pelo PDT atingiriam até a opinião dos eleitores. "Esse desgaste, ele leva para o eleitorado a ideia que o partido não está bem, que as disputas retratam um tipo de conflito, que as questões não são unânimes. Então isso tudo leva para o eleitorado uma opinião negativa sobre uma organização partidária. E traz uma desconfiança também sobre os processos eleitorais que vão que estão começando a se organizar", analisa.

Independência partidária

A professora da Universidade de Fortaleza (Unifor) e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mariana Andrade acredita que dois pontos são importantes para entender o confronto pedetista: "a sobrevivência política do partido como oposição ao governo estadual" e "o controle da diretoria executiva".

À reportagem, ela conta que a possível aliança entre o PDT Ceará e o Partido dos Trabalhadores (PT) é um ponto de atenção do diretório nacional. Essa é uma das maiores preocupações do diretório nacional, justamente porque o Ceará tem um grande eleitorado favorável ao PT, o que não faz parte dos interesses do PDT", pontua.

Reunião do PDT
Legenda: Reunião da executiva nacional do PDT, no Rio de Janeiro, na última sexta-feira (27).
Foto: Arquivo pessoal / Diário do Nordeste

Conforme explica Mariana, já dois desdobramentos de impacto nesse aspecto: "Primeiro, além de numericamente muito relevante, o PT tem conseguido agregar nomes que há alguns meses faziam parte da oposição – e isso demonstra forte capacidade de articulação. Segundo, porque o PDT está fragmentado, e precisa achar um caminho seguro para garantir a oposição, o que definitivamente não seria viável com a presença de Cid Gomes como liderança no diretório".

Força x enfraquecimento

Ao que conclui a entrevistada, a correlação de forças explicita atributos distintos dos dois grupos. No entanto, o agrupamento de André Figueiredo, teria mais vigor. "Cid Gomes tem um bom capital eleitoral, sem dúvidas, sobretudo pelo claro interesse em renovar a aliança com o PT, que está mais fortalecido que nunca. Mas as divergências familiares com Ciro Gomes, a resistência a alguns nomes do partido, a série de ações judiciais e, principalmente, o derretimento das relações depois da falta de apoio à candidatura do candidato Roberto Cláudio, evidenciou uma instabilidade perigosa para a continuidade política", salienta.

A saída ensaiada, ela acredita, não seria um fenômeno imprevisível na conjuntura atual. Nas palavras dela, a consequência imediata da despedida dos cidistas seria o fortalecimento do PT, uma vez que a sigla tem se mostrado como um caminho viável para a projeção de personalidades políticas e um terreno "fértil" para dissidentes partidários. A aproximação de Evandro Leitão (PDT) seria um exemplo dessa estratégia, que poderá ser uma tendência seguida por outras figuras.

Diferente do que pondera Adriana Alcântara, a docente da Unifor não vislumbra um enfraquecimento do PDT a longo prazo com a saída dos membros, apesar da crise interna já estar instalada e da vulnerabilidade das tensões para o partido. "O PDT é maioria nas casas legislativas. Só em 2020, foram 66 prefeitos eleitos, uma maioria que não se pode desconsiderar", argumenta. 

O que está colocado no cenário, para ela, é uma debandada de pedetistas antes das eleições municipais de 2024. E isso não seria necessariamente com o lançamento de candidaturas, mas na demonstração de apoios. "E essa sangria tem custos políticos altos, porque expõe as inconsistências internas que deveriam ser pauta principal apenas nas discussões dos diretórios", finaliza.

Migração pela perda de controle

Professor de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (Uece), André Lima, atribui a "confusão interna" do PDT a um desgaste anterior, provocado por toda a movimentação em prol de uma candidatura própria do partido no pleito de 2022. "Está em jogo, mais uma vez, é a avaliação e a relação que o PDT vai estabelecer com o governo". No imbróglio, pelo que analisa, o grande perdedor do "cabo de guerra" entre André e Cid é o próprio Partido Democrático Trabalhista. 

Ele compara a postura de independência que o grupo liderado por Figueredo busca para o diretório estadual com relação ao governo Elmano com a observada no contexto do governo Lula, que não é a mesma. Recentemente houve uma tratativa dos pedetistas para tentar emplacar um nome na vice-presidência da Caixa Econômica Federal, chefiada agora por aliados do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP). 

A possível saída de Cid não é bem uma novidade para o entrevistado, que também não vê maiores desdobramentos: "A meu ver não muda muita coisa, a relação dos Ferreira Gomes frente aos vários partidos pelos quais já passaram demonstra que eles não costumam permanecer onde não têm o controle da legenda, dando preferência às suas próprias táticas em detrimento de apoio a projetos outros". 

A única distinção, segundo Lima, estaria em um elemento bem específico. "Ocorre que atualmente há, pelo menos na aparência, uma diferença em relação ao posicionamento político a ser adotado no momento", acrescenta, alertando que a saída não é vista por ele como algo certo, porque dependeria de "muita coisa".

Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados