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Caso Dayany Bittencourt: como crimes com câmeras escondidas têm mobilizado mudanças na legislação

Ocorrência não é isolada e encontra no Congresso Nacional uma série de iniciativas que buscam legislar sobre o assunto

Escrito por Bruno Leite , bruno.leite@svm.com.br
Dayanny Bittencourt
Legenda: Parlamentar cearense falou abertamente sobre o caso na última quarta-feira (17).
Foto: Renato Araujo/Câmara dos Deputados

O direito à privacidade é uma premissa que atinge várias camadas da vida de qualquer cidadão. Na última quarta-feira (17), a descoberta de câmeras escondidas num imóvel alugado pela deputada federal Dayany Bittencourt (União) em Brasília veio à tona e reacendeu o debate em torno do tema. 

Pelo que esclareceu a parlamentar cearense, os equipamentos foram encontrados no imóvel no final de agosto do ano passado e o inquérito que investiga a denúncia, tocado pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), corria em segredo de justiça até a última semana.

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A situação foi objeto de uma solicitação do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL)para que a Polícia Federal (PF) passe a investigar a ocorrência.

O caso não é isolado. Em janeiro, dois hóspedes de São Paulo encontraram uma câmera espiã na frente da cama do quarto que estavam, num flat localizado na Praia de Muro Alto, em Porto de Galinhas, litoral de Pernambuco.

Notícias da época dão conta que o casal só descobriu o item depois da esposa ter ouvido um barulho próximo à televisão e, ao se aproximar, encontrou o que parecia ser um receptor de tomada, mas não conseguia colocar carregador no local. 

Após examinar o espaço com a lanterna do celular, ela percebeu que se tratava de uma câmera e chamou o marido, que pesquisou a foto do aparelho na Internet e descobriu que era uma “câmera espiã”.

Na 'letra da lei'

Mas quais são as punições possíveis para quem comete tal tipo de crime? Existe alguma previsão expressa no Código Penal que trate sobre a temática? Objetivamente, a resposta é sim. 

Pelo que prevê a legislação, “produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual, ou libidinoso de caráter íntimo e privado, sem autorização dos participantes”, é crime passível de detenção de 6 meses a 1 ano, além de multa.

A utilização de tais conteúdos para extorquir ou difamar pode incorrer em tipificações passíveis de penalidades ainda mais graves, como chantagem ou difamação.

Políticos querem enrijecer a lei

No Congresso Nacional, mais de uma dezena de proposições, todas elas originadas na Casa Baixa do Parlamento, tramitam em instâncias distintas e buscam legislar acerca do assunto. 

Uma delas é da própria Dayanny, que protocolou um projeto de lei em outubro do ano passado. A matéria propõe a alteração do Código Penal para criar o crime de violação virtual de domicílio, que abarcaria situações de monitoramento eletrônico sem autorização. A pena para este delito seria de 2 a 5 anos de reclusão.

A matéria, que ainda estabelece agravantes, podendo aumentar ainda mais o período recluso, aguarda designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara.

A mais avançada das propostas é a de autoria de outra cearense, mas que tem um mandato que representa o Distrito Federal, a deputada federal Érika Kokay (PT). Aprovado pelos deputados em dezembro do ano passado, o projeto de lei da petista agora está sob a responsabilidade do Senado Federal, que ainda deverá apreciá-lo.

A proposta de Kokay também tem o objetivo de mexer no Código Penal, para aumentar para 1 a 4 anos de prisão a pena prevista para quem cometer crimes como o denunciado pela sua colega de plenário.

Congresso nacional
Legenda: Mais de uma dezena de proposições tramitam no Parlamento.
Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

O deputado Luciano Galego (PL), do Maranhão, ingressou com uma medida semelhante no início de abril, antes do caso envolvendo Bittencourt se tornar público. Sua matéria versa especificamente sobre a “colocação de câmeras escondidas em quartos de hotéis, pousadas, motéis e quaisquer estabelecimentos de hospedagem, com o intuito de violar a privacidade dos hóspedes”.

Assim, pelo que diz o texto apresentado por Galego, o autor poderá ser sentenciado a uma pena de 3 a 6 anos, e pagar uma multa. O tempo recluso poderá ser ainda maior se o crime for cometido contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência física. Ele também está na CCJC, aguardando relator.

A regulamentação dos sistemas de monitoramento e vigilância por meio de câmeras e dispositivos de vídeo e áudio em acomodações disponíveis para aluguel por temporada foi a preocupação do ex-deputado Rafael Motta (PSB), do Rio Grande do Norte, quando deu entrada com uma ideia na Câmara em 2022. 

Na Comissão de Turismo (CTUR) da Casa Legislativa, a matéria difere das demais por não incidir no Código Penal. Ao invés disso, dente outras medidas, o projeto de lei veta a instalação de câmeras e dispositivos de vídeo e áudio na área privativa e garante o acesso ao material filmado nas zonas permitidas pelos clientes de estabelecimentos.

Projeto sobre extorsão condensa matérias

Outro projeto, protocolado em 2017 pelo ex-deputado Felipe Bornier (Pros), cujo intento não é diretamente legislar acerca das filmagens em locais privados, mas incluir no crime de extorsão a conduta de quem ameaça divulgar conteúdo íntimo de outro com o intuito de obter vantagens, apensou uma série de propostas que tratam das câmeras escondidas. Nesta listagem estão:

  • O PL 207/2023, de Lídice da Mata (PSB), que tipifica os crimes contra a inviolabilidade da intimidade e da vida privada;
  • O PL 3040/2022, de Lídice, para aumentar a pena do crime de registro não autorizado de intimidade sexual;
  • O PL 5677/2023, de Duda Ramos (MDB), que altera o Código Penal, para tipificar a violação de intimidade;
  • O PL 9717/2018, de Rafael Motta (PSB), para incluir no Código Penal o crime de violação de intimidade;
  • O PL 10151/2018, de Carlos Sampaio (PSDB), para tipificar a ação de se fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, em local público ou acessível ao público, as partes íntimas da vítima, sem o seu consentimento;
  • O PL 5492/2023, de Duda Salabert (PDT) e Tabata Amaral (PSB), para dispor sobre os crimes sexuais virtuais;
  • O PL 2898/2022, de Alex Manete (Cidadania), para majorar a pena do crime de registro não autorizado da intimidade sexual, quando praticado no âmbito de serviço de hotelaria e hospedagem;
  • O PL 3217/2023, de Fernando Máximo (União), para instituir o crime de “Upskirting” no Código Penal;
  • O PL 211/2024, de Júnior Ferrari (PSD), para adequar a pena do crime de registro não autorizado da intimidade sexual.

A matéria de Bornier, pelo que consta no sistema de acompanhamento disponibilizado pela Câmara de Deputados, está pronta para ser pautada na CCJC.

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