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Baú da Política: 1º deputado pedreiro da Alece era 'voz da comunidade' e foi cassado por ser comunista

José Marinho de Vasconcelos passou menos de um ano na Assembleia por ser de partido considerado ilegal

Escrito por
Marcos Moreira marcos.moreira@svm.com.br
(Atualizado às 09:23)
Ilustração mostra José Marinho de Vasconcelos à frente do Palácio Senador Alencar, sede do Legislativo do Ceará entre 1871 e 1977
Legenda: José Marinho de Vasconcelos foi deputado na época em que o Legislativo do Ceará ficava no Palácio Senador Alencar
Foto: Louise Dutra (Ilustração)

Em 1947, um operário entrou na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) como deputado pela 1ª vez na história: era José Marinho de Vasconcelos, pedreiro, sindicalista e filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). O parlamentar ficou conhecido como “porta-voz da população”, mas foi cassado com menos de um ano de mandato, após a legenda ser considerada ilegal no auge da Guerra Fria. 

José de Vasconcelos e o médico José Pontes Neto (PCB) formavam a bancada comunista da Alece após a eleição de 1946. A atuação da dupla era caracterizada por levar reivindicações da comunidade ao plenário, como melhorias salariais, reforma agrária e menores preços dos bens de consumo. Daí o reconhecimento como “voz” das camadas mais vulneráveis da sociedade.

Vasconcelos nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte, em 13 de junho de 1913. O pedreiro chegou à Alece a partir da trajetória ligada ao sindicato da construção civil em solo cearense, representando os trabalhadores do setor. O parlamentar tomou posse, inclusive, utilizando um chapéu de palha, que foi destaque na exposição de 190 anos na Alece. 

Montagem mostra José Marinho de Vasconcelos e chapéu de palha utilizado na posse
Legenda: José Marinho de Vasconcelos utilizou chapéu de palha na posse como deputado estadual do Ceará - Item foi destaque na exposição de 190 anos da Alece
Foto: Reprodução/Acervo do Malce | Thiago Gadelha/SVM

O "Baú da Política" é uma série de reportagens do Diário do Nordeste que explora a história política e social do Ceará. Nesta edição, o especial aborda figuras, eventos e processos marcantes dos 190 anos da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), celebrado em 2025.

Conhecido pela capacidade oratória, o deputado teve o mandato marcado por reforçar a participação popular na Casa. Foi ele que levou à tribuna, por exemplo, um apelo de vendedores ambulantes para que a categoria seguisse exercendo as atividades na rua Conde D'eu, em Fortaleza, ainda em 1947, como indicam informações do Memorial Deputado Pontes Neto da Alece (Malce).

CAÇA AOS COMUNISTAS

Em 1946, o militar Eurico Gaspar Dutra foi eleito presidente para o período de redemocratização. A eleição marcava o fim do chamado “Estado Novo”, no qual Getúlio Vargas governou o país por 15 anos. 

Contudo, a gestão de Dutra foi caracterizada por alinhamento da política externa aos Estados Unidos durante a Guerra Fria (1947-1991), marcada por conflito indireto e tensão geopolítica entre os EUA e a União Soviética (URSS). As nações buscavam aglutinar países entre os campos do capitalismo e do comunismo, respectivamente. 

Como um dos desdobramentos do período de rivalidade ideológica, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o registro do PCB em 7 de maio de 1947, colocando o partido comunista na ilegalidade. A partir disso, os membros da sigla ainda seguiram atuando até a cassação ser oficializada por suas respectivas casas legislativas. 

Foi com esse teor que, oito meses depois da decisão do TSE, em 12 de janeiro de 1948, a Assembleia cearense publicou a resolução que cassou os mandatos de José Marinho de Vasconcelos e José Pontes Neto de modo oficial:

"A Mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, dando execução ao disposto no artigo segundo da Lei n° 211, de 7 do vigente, e tomando conhecimento do telegrama 1º 30.100, de 9 do corrente mês, em que o Ministro Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, dr. Antonio Carlos Lafaele de Andrada, comunica-lhe haver cancelado pela resolução desse Tribunal, de 7 de Maio de 1947, o registro do Partido Comunista do Brasil, declara extintos os mandatos dos Deputados e Suplentes eleitos sob a legenda desse Partido, com assento nesta mesma Assembleia”
Resolução assinada pelo presidente da Alece, Waldemar Alcântara, em 12 de janeiro de 1948

O ADEUS NA DITADURA

Durante a Ditadura Civil Militar (1964-1985), o regime vigente voltou a perseguir políticos supostamente ligados a forças “subversivas”, principalmente por meio de atos institucionais que autorizavam cassações e destituições. Um desses casos foi o do próprio José Marinho de Vasconcelos, que foi preso e teve seus direitos políticos suspensos no período de exceção.

Em 1983, José chegou a ir até a União Soviética, em busca de um tratamento de saúde na capital Moscou. Ao retornar da URSS, ele afastou-se da política por questões de saúde, de acordo com informações do Memorial Deputado Pontes Neto da Alece (Malce).

José Marinho de Vasconcelos faleceu aos 71 anos, em 23 de junho de 1984, um ano antes do fim da Ditadura Militar. Ele foi vítima de embolia pulmonar.

Deputado operário foi destaque na exposição de 190 anos da Alece
Legenda: Deputado operário foi destaque na exposição de 190 anos da Alece
Foto: Thiago Gadelha/SVM

CASSAÇÃO ANULADA

Em 2014, a Assembleia Legislativa do Ceará foi palco de uma decisão simbólica para o legado político do deputado operário: um projeto anulou a resolução de 1948 que extinguiu os mandatos de José Marinho de Vasconcelos e de José Pontes Neto.

A proposta era de autoria do deputado Lula Morais (PCdoB), com coautoria de Paulo Facó (PTdoB), Antônio Carlos (PT) e Carlomano Marques (PMDB). A medida foi aprovada em abril de 2014, sendo sancionada em maio do mesmo ano. 

Montagem mostra trechos do projeto que anulou resolução de 1948 que extinguia mandatos de deputados do Partido Comunista (PCB)
Legenda: Projeto anulou resolução de 1948 que extinguia mandatos de deputados do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Foto: Reprodução/Alece

Na justificativa, os parlamentares argumentaram que o projeto foi inspirado em resoluções similares do Congresso Nacional. O Senado havia anulado a extinção dos mandatos de Luís Carlos Prestes e de seu suplente Abel Chermont. Por sua vez, a Câmara revogou a cassação do mandato de 14 deputados federais comunistas.

“Este projeto busca corrigir ato desta Casa Legislativa que extinguiu os mandatos dos deputados estaduais Pontes Neto e José Marinho de Vasconcelos, e de seus suplentes, restabelecendo seus mandatos, e reparando as arbitrariedades cometidas contra o povo do Ceará, que teve sua representação legislativa tolhida pela mão de ferro do Estado”
Justificativa do projeto de resolução

UM NOVO PEDREIRO NA ALECE

71 anos depois de José Marinho de Vasconcelos, foi a vez de Nestor Bezerra (Psol) se tornar o segundo pedreiro a tomar posse como deputado estadual do Ceará. Também sindicalista, o parlamentar assumiu a vaga em fevereiro de 2018 e passou 120 dias no cargo, durante o período de licença do titular Renato Roseno (Psol), para tratar de interesses particulares.

Classificando-se como “lutador socialista”, Nestor foi empossado com a promessa de lutar contra os efeitos das reformas implementadas pelo governo federal, como a trabalhista. À época, o Executivo era comandado por Michel Temer (MDB), após o impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016.

Foto mostra deputado Nestor Bezerra na tribuna da Alece utilizando capacete comum de profissionais da área da construção civil
Legenda: Nestor Bezerra foi o segundo pedreiro do Ceará a ocupar o cargo de deputado estadual
Foto: Máximo Moura/Alece

Utilizando um capacete comum de profissionais da área da construção civil, o deputado ressaltou o anseio de colocar as demandas dos movimentos sociais e da classe trabalhadora na ordem do dia da Casa, como a luta sindical. “Sou inimigo de todas as formas de exploração, e esse será o foco de minha luta”, frisou à época.

Atualmente, Nestor é coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Fortaleza. Em 2024, foi candidato a vereador pelo Psol na Capital, mas ficou na suplência. 

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