Com 85 mil empregados, segmento de terceirização cresce até 40% no Ceará
Antes dominado pelo setor público, mercado tem crescido especialmente com a demanda do setor privado durante a pandemia
Com 150 empresas atuantes e empregando cerca de 85 mil cearenses, o segmento de terceirização acelerou o crescimento em 2021, tendo sido influenciado pela pandemia da Covid-19. Em algumas empresas, o cenário favorável já é realidade.
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Com maior flexibilidade de contratação, substituição de colaboradores e redução da burocracia, a modalidade deve encerrar o ano com crescimento de até 40% no número de contratos e de trabalhadores.
É o caso, por exemplo, da Atitude Serviços. No mercado há mais de 14 anos, a empresa conta com cerca de 1,7 mil funcionários e registra incrementos na demanda neste ano.
Conforme a diretora de gestão e relacionamento da empresa, Laís Soares, a pandemia gerou oportunidades que impulsionaram a busca por terceirização.
Ela explica que empresas que possuem todos os funcionários contratados diretamente ficaram desfalcados quando membros do quadro pegaram Covid-19 e precisaram ser afastados de suas atividades.
Com a terceirização, funcionários que não se apresentarem em até duas horas são repostos pela Atitude.
"A terceirização já está em uma crescente há muitos anos. Esse tipo de prestação de serviço é bem antigo. Mas as oportunidades têm crescido na pandemia", afirma.
Diversidade de clientes e serviços
Soares detalha que a empresa atende clientes do setor público e privado, além de condomínios, por exemplo.
Serviços procurados
- Auxiliar de serviços gerais
- Motorista
- Recepcionista
- Auxiliar administrativo
- Gerente
- Gestores e diretores
“A gente trabalha muito na dor do cliente, onde ele está perdendo tempo e sem foco. Uma das premissas da terceirização é a facilidade, de forma que a empresa consiga focar nas demais atividades e entrega do produto ou serviço final".
Quando contratada, a Atitude fica responsável desde o recrutamento dos trabalhadores, ao treinamento, ao gerenciamento da folha de pagamento e pagamento de impostos, à substituição durante as férias ou afastamento por doença.
Outro motivo que tem despertado as empresas para a terceirização é a flexibilidade no número de contratados inclusos.
"Temos essa facilidade. Se a empresa não tiver condições de manter a mão de obra, pode reduzir a contratação ou cancelar e não ter nenhum custo ou burocracia com o desligamento", explica Soares.
Neste fim de ano, ela acrescenta que, com a retomada da economia e o número de vacinados, a demanda está ainda maior, ritmo que deve acelerar ainda mais em 2022, especialmente para os serviços de segurança privada, portaria, zeladoria e administração de condomínios.
Custo-benefício
Síndico de um condomínio localizado no bairro Passaré, em Fortaleza, Kilmmer Matos (44) é um dos clientes mais novos da terceirização.
Na função desde 27 de outubro, uma das primeiras medidas do morador do residencial foi a contratação da terceirizada para cuidar da portaria e zeladoria do local.
Após algumas cotações com empresas locais e assinatura do contrato, os onze colaboradores recrutados pela Atitude iniciaram os trabalhos em 1º de novembro.
Kilmmer explica que, pela atividade de síndico não ser sua principal fonte de renda e atuar como especialista em gestão pública, a gestão de funcionários contratados diretamente ficaria comprometida.
“Acho que a maioria dos síndicos não vive do trabalho de síndico. Eu não tinha como ter alguém perto de mim para administrar. Como leigo no assunto, resolvi ir atrás de uma empresa para ser ajudado em tudo isso”, afirma.
Antes de fechar o contrato, o síndico também avaliou o custo financeiro da contratação direta em comparação com a indireta, fator que o fez decidir de vez pela terceirização.
A experiência de quase dois meses tem sido melhor que a esperada pelos moradores, segundo ele, tanto no serviço prestado como no acompanhamento da empresa contratada, que forma uma administração conjunta em parceria com o condomínio.
“Preferi deixar na mão de uma empresa especializada, que já tenha know-how. Pra gente, está sendo uma experiência ótima, não tem porque mudar não só da empresa, mas do sistema de terceirização”
Saúde puxa alta
Atuante em todo o Nordeste, o Grupo Serval também registrou crescimento da demanda durante a pandemia, especialmente na área da saúde, cujo volume de contratos e profissionais aumentou em 10%.
Fabiano Barreira da Ponte, sócio-diretor da empresa e presidente do Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Estado do Ceará (Seacec), reforça que o segmento já vinha avançando mesmo antes da pandemia.
No caso dos serviços relacionados à saúde, a crise sanitária foi o que puxou a demanda, tendo em vista que a equipe de profissionais para atender as pessoas acometidas pela Covid-19 teve que ser expandida fortemente.
“Por conta da pandemia, a saúde foi a mais afetada e os profissionais desse segmento, tais como: maqueiros, enfermeiros, motoristas de ambulâncias e afins foram os mais contratados”, detalha.
A Serval possui quatro principais grupos de serviços disponíveis para contratação: higiene e limpeza, incluindo higienizações especializadas, como hospitalar, industrial e de áreas verdes; segurança patrimonial, com rondas motorizadas, portaria, segurança pessoal, brigada de incêndio, entre outros.
A empresa também oferece facilities, como motorista, copeira e garçom, recepcionista, médicos, etc; e logística, como carga e descarga de mercadorias, operação de empilhadeira, controle de estoque, entre outros.
Ponte espera que, caso o mercado continue estável e os clientes cumpram os acordos firmados em convenção coletiva, o ritmo de crescimento permaneça em 2022.
3,5 mil contratações em um ano e meio
Em operação em Fortaleza desde 2017, a multinacional Concentrix prevê encerrar o ano com um crescimento de 25% a 30% em todo o País.
Claudia Gimenez, vice-presidente e gerente geral da Concentrix Brasil, revela que, após os meses iniciais de adaptação à nova realidade imposta pela pandemia, a empresa retomou o ritmo de expansão.
Especializada na área de suporte técnico e interação com o cliente, a companhia passou de 7,5 mil para 11 mil funcionários em um ano e meio em todo o Brasil.
Das novas vagas, pelo menos 200 delas foram abertas na Capital cearense, de forma que 20% de todo o quadro está locado em Fortaleza.
Conforme Gimenez, um dos diferenciais que fez a empresa permanecer forte mesmo durante a crise sanitária foi a experiência internacional com o regime de home office.
“No exterior, já trabalhávamos com muito com funcionários de maneira remota. Nós trabalhamos com serviços terceirizados para as melhores marcas do mundo e como temos isso (home office) em vários outros países, onde já é normal, conseguimos manter a produtividade e eficiência e mostrar isso para os nossos clientes”, explica.
No início da pandemia, 99% do quadro de funcionários migrou para o trabalho remoto e a expectativa é que parte deles continue mesmo com o controle da disseminação do vírus.
E-commerce e serviços online
Gimenez relata que o e-commerce e demais serviços online, como streamings de música, games e bancos digitais são os maiores responsáveis pela nova demanda que está surgindo.
Além disso, o segmento de logística, que também está relacionado ao comércio digital, também tem puxado o crescimento.
A executiva pontua que a expansão deve continuar no próximo ano, com previsão de abertura de mais 200 vagas em Fortaleza nos primeiros quatro meses de 2022.
“Esses números (de contratações) são referentes a crescimento puro, porque houve mais contratações, mas algumas foram de reposição de alguns funcionários que saíram”, acrescenta.
Por atender clientes de diversos segmentos, os recém-contratados da Concentrix passam por dois processos de treinamento iniciais, de acordo com Gimenez.
O primeiro é para integrar o colaborador à empresa, para o funcionário entender a companhia como um todo e conhecer a cultura da empresa.
O segundo é um treinamento técnico específico para a função que será desempenhada acompanhado de uma monitoria de um funcionário mais experiência até que o trabalhador novato consiga realizar o trabalho sem supervisão.
Contratação direta x indireta
Vanessa Oliveira, membro da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE) lembra que a terceirização foi regulamentada em 2017 e permitiu que empresas contratem outras empresas para intermediação de mão de obra, inclusive para a atividade-fim.
Ou seja, uma loja pode contratar vendedores terceirizados, embora o mais comum seja a terceirização de atividades meio, como limpeza, zeladoria, segurança e saúde.
“Basicamente, a diferença é que o empregador, no momento que contrata uma empresa de terceirização, já vai contratar profissionais, em tese, mais capacitados e ele não vai se responsabilizar diretamente pelas obrigações trabalhistas dos empregados", esclarece.
Ela acrescenta que a empresa contratante só precisa realizar o pagamento do contrato conforme acordado e a terceirizada fica encarregada pelas obrigações trabalhistas do vínculo de emprego celetista.
Em relação aos direitos dos trabalhadores, Oliveira pontua que são praticamente os mesmos de um funcionário contratado diretamente.
A única diferença está para os colaboradores terceirizados temporários. Nesse caso, eles podem ser contratados por até nove meses. Após esse período, caso a empresa não queria efetivá-los, esses trabalhadores podem ser dispensados sem aviso prévio e sem a multa rescisória de 40%.
Ainda assim, ela admite ser uma classe mais fragilizada e que sofre mais com o descumprimento da legislação.
“Os empregados terceirizados são mais fragilizados ou precarizados tendo em vista não haver uma unidade sindical. Por esses empregados não serem contratados diretamente pelo seu empregador, eles perdem um pouco essa identidade”, afirma a especialista.
Ela pontua que, em geral, os funcionários indiretos estão sujeitos a um número maior de horas extras e, portanto, à situações de acidente de trabalho, por exemplo.
Oliveira ainda critica a legislação que autorizou a terceirização para as atividades-fim. Para ela, essa modalidade deveria ser limitada às atividades-meio.
Mas diante do nosso ordenamento jurídico, o que deve ser observado tanto pelo poder público quanto pelas empresas contratantes é uma real isonomia entre empregados terceirizados ou não, de forma que esses terceirizados possam ter não apenas os mesmos direitos trabalhistas, mas também receber os mesmos benefícios que todos os empregados de uma mesma empresa"
Ela também pontua que quanto mais o empregado tiver os direitos respeitados, maior vai ser sua produtividade e a contribuição para a empresa.
Precarização do trabalho
O presidente do Sindicato dos Empregados em Empresas de Asseio e Conservação, Locação e Administração de Imóveis Comerciais, Condomínios e Limpeza Pública do Estado do Ceará (Seeaconce), Josenias Gomes Pereira, reconhece o crescimento da tercerização mesmo antes da pandemia e confirma que, desde o ano passado, esse ritmo de expansão vem aumentando.
Ele pontua que cada vez mais as empresas privadas estão despertando para a modalidade e fechando contratos, elevando a participação entre os clientes, antes dominada pelo setor público.
Apesar de ter cerca de 150 empresas atuantes na modalidade que empregam de 80 a 85 mil cearenses, Pereira revela que problemas trabalhistas são recorrentes.
Um dos gargalos apontados por ele é a permissão para que empresas de outros estados participem de licitações para prestação local de serviço.
"Por exemplo, uma empresa de Minas Gerais ganha, vai prestar o serviço apenas com uma representação aqui e não tem autonomia para resolver os problemas que são gerados"
Outra situação frequente diz respeito ao desligamento dos colaboradores. Ao encerrar um contrato, a empresa contratante realiza o pagamento devido à terceirizada, que não repassa as verbas para os trabalhadores.
Um terceiro problema é o cumprimento dos benefícios acordados em convenção coletiva, como piso salarial, vale alimentação, disponibilização de EPIs, entre outros.
"Hoje, temos contratos tanto com o Estado quanto com empresas privadas. Com as empresas, o sindicato enfrenta maior dificuldade em conseguir que os trabalhadores recebam esses benefícios", afirma.
Com tantos desrespeitos à legislação trabalhista, ele revela que cerca de duas a três paralisações por mês são realizadas como forma de protesto e de pressionar a empresa a se regularizar.
Fiscalização contínua
Tendo em vista os diversos descumprimentos legais e a possibilidade de responsabilização do contratante em casos judiciais, as empresas estão investindo em consultorias que fiscalizem e acompanhem se as terceirizadas contratadas estão cumprindo suas obrigações.
A BMS Projetos & Consultoria é uma das empresas que gerenciam esses riscos de terceiros. Ou seja, avaliam se as terceirizadas estão pagando corretamente os salários, recolhendo impostos e contribuições, mantendo a folha de pessoal em dia.
A procura por esse serviço cresceu juntamente com a maior demanda pela terceirização, conforme Bruno Avila, advogado da BMS.
Ele explica que caso a prestadora não esteja pagando o salário em dia e um empregado ingressar com ação judicial, o contratante da terceirizada também pode acabar respondendo, mesmo sem estar a par do problema.
"Se essa empresa tomadora não fizer uma fiscalização contínua, pode acontecer esse passivo trabalhista. A terceirização acabou sendo uma estratégia para reduzir custos, mas em alguns casos acaba saindo mais caro", alerta.
Ele explica que, após a ampliação do leque de atividades regulamentadas na terceirização, uma janela enorme de oportunidades se abriu no mercado e foi diputada pelas empresas do segmento, que por vezes acabaram oferecendo preços que não era suficientes para manter as obrigações.
No Ceará, Avila revela que cerca de 20 grandes empresas já são atendidas pela BMS dos mais diversos segmentos, como alimentação, eletrodomésticos, supermercados, transportadoras, entre outros.
Além dessas, outras negociações estão em andamento.
A consultoria também atende empresas dos mais diversos portes desde que esteja nos regimes de lucro real ou pressumido.
"Nosso negócio é oferecer soluções para otimizar o caixa. Em um momento exaustivo como a pandemia, empresas que ficaram mais abertas a ouvir esse tipo de solução cresceram como nunca", destaca.