Para pesquisadora da USP, nova Lei Rouanet ainda mantém um “caráter de exclusão”

Inti Queiroz (SP) destaca que as polêmicas que envolveram a lei, desde 2006, não tocaram nos principais problemas da legislação 

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@diariodonordeste.com.br
Legenda: Para Inti Queiroz, "precisamos tirar o foco da Rouanet e apoiar outros tipos de mecanismos"

Após o anúncio das mudanças na Lei Federal de Incentivo à Cultura, a “Lei Rouanet”, por meio da publicação da Instrução Normativa nº 02/2019 no Diário Oficial da União, na última quarta (24), o debate a respeito do real impacto das modificações no mecanismo de financiamento da cultura continua. A medida foi encaminhada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério da Cidadania.   

Para a produtora cultural e pesquisadora em políticas culturais da Universidade de São Paulo (USP), Inti Queiroz, as mudanças na lei – como a redução do valor máximo dos projetos, de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão - não devem impactar tanto o cenário dos projetos culturais, pois a legislação ainda mantém, segundo ela, um “caráter de exclusão”. 

“Primeiro, ela é uma lei que visa apoiar mais as empresas do que a cultura em si, pois os patrocinadores escolhem quem merece receber patrocínio de acordo com a campanha de marketing de cada marca”, aponta.   

Ela complementa que “todas as leis de incentivo à cultura são extremamente difíceis de usar, e assim, os que mais precisam quase sempre ficam de fora disso, pois muitos não sabem nem como pleitear esses recursos, ou mesmo escrever um projeto cultural”, pondera a pesquisadora.  

A fala da produtora reforça que o debate sobre as políticas culturais ficou excessivamente voltado ao funcionamento da Lei Rouanet.

Temos muitos mecanismos de incentivo à cultura no País, não apenas a Rouanet. Grande parte deles apoia pequenos projetos e quem mais precisa. Precisamos tirar o foco da Rouanet e apoiar outros tipos de mecanismos, como os Pontos de Cultura, os editais e os pequenos fomentos municipais”, alerta Inti. 

O advogado Humberto Cunha, especialista em Direito Cultural e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), enfatiza que a legislação cuida apenas do chamado “Mecenato Federal”. Para que os fomentos sejam compatíveis com a realidade da atual indústria cultural, mecanismos como os FICATS (Fundos de Investimentos Culturais e Artísticos), cita ele, devem funcionar plenamente para consolidar a economia da cultura.  

Descentralização 

Como a definição final para liberar o patrocínio aos projetos cabe à iniciativa privada, especula-se que a concentração de recursos, regulamentados pela Lei Rouanet, deve se manter no eixo Rio-SP, mesmo depois do anúncio da IN nº 02/2019.  

“A concentração decorre não apenas das demandas dos proponentes, mas sobretudo dos interesses dos contribuintes que permanecem concentrados nos mercados mencionados. A tendência deles é investir onde atuam e onde consideram que terão mais retorno”, explica Humberto Cunha, reforçando como a Lei Rouanet se alinha à dinâmica de interesse do mercado.  

SNC 

Segundo a pesquisadora Inti Queiroz, como a lógica da Lei Rouanet se adequa aos interesses de marketing das empresas, é difícil mudar este ponto “dentro” da legislação. Ela recorda que a única proposta nesse sentido foi encaminhada pelo Projeto de lei Procultura 6722/2010. A PLS 93/2014 hoje tramita no Senado Federal.  

“Seria uma nova lei de incentivo à cultura. Prevê o Mecenato, mas também um mecanismo para a equiparação de fundos, revertendo pelo menos 30% dos recursos de isenção fiscal ao Sistema Nacional de Cultura (SNC), que tem uma proposta de democratizar a distribuição dos recursos pelo federalismo”, expõe Inti.  

A pesquisadora compara que o SNC “é como se fosse um SUS da cultura”. A partir dessa política, estados e municípios recebem recursos do Fundo Nacional de Cultura para aplicação em seus planos de cultura territoriais. Desta forma, os recursos podem, segundo ela, “chegar a todas as cidades e nos que mais precisam de apoio. O SNC está na Constituição Federal e precisa ser utilizado”, reforça.  

O advogado Humberto Cunha acrescenta que o fortalecimento do Fundo Nacional da Cultura impactaria no acesso aos recursos federais, favorecendo os proponentes situados fora do eixo dos estados mais ricos da nação. “O FNC, contudo, não foi objeto da regulamentação da IN nº 02/2019”, especifica ele.

Escassez 

Inti Queiroz alerta que, para além de todo o barulho feito pelo debate em torno da Lei Rouanet (com argumentos inflamados de que se trataria de uma “mamata” de artistas e produtores), os recursos para a cultura no Brasil são mínimos e não chegam nem a 0,3% do orçamento da União. 

Ela esclarece como “investir na cultura é importante, porque garante muitos empregos, gera renda para muitas famílias (não apenas de artistas, mas de toda a cadeia produtiva em torno do setor, inclusive de hotéis, restaurantes, gráficas, dentre outros serviços) e ainda fortalece a identidade nacional”.  

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