Coronavírus nos ensina: a fragilidade do 'eu posso, eu quero, eu consigo'

Opinião da psicóloga Maria Camila Moura, mestre em Psicologia e doutoranda em Saúde Pública.

Escrito por Redação ,

Diante do cenário atual, não restam dúvidas de que estamos enfrentando a maior pandemia global dos últimos cem anos e, além das cautelas que precisamos conservar para evitar o contágio, outras inúmeras questões foram suscitadas.

Dentro deste contexto, refleti sobre muitas coisas, mas pretendo acentuar, entre nós, uma dessas reflexões em especial: a conjuntura que estamos vivendo evidencia nossa impotência, deixa claro que não podemos tudo, nos mostra que não “basta querer” e nos aponta, claramente, que o céu não é o limite.

Há tempos defendo a opinião de que essa mentalidade de “alta performance”, de “o céu é o limite”, e suas variantes, tem um potencial bastante adoecedor.

Mas, afinal, por que trago isso agora?

Enquanto sociedade, naturalmente temos problemas estruturais, há determinantes sociais que impactam diretamente no sofrimento psíquico de um grupo A ou B e isto, muitas vezes, é ignorado.

Creio que muitos foram contaminados por um conceito de “alta performance” em tempo integral, iludidos por coachs medíocres (cabe lembrar: existem muitos coachs que não são medíocres), segundo os quais basta mentalizar coisas boas, basta não ler os jornais, basta se esforçar muito, e tudo magicamente “irá dar certo” - sempre reforçando uma ideia de meritocracia alienada do contexto social.

Estamos tão impregnados de um discurso de “eu posso, eu quero, eu consigo” que caímos em negação de coisas básicas: nossas limitações e o reconhecimento de contingências externas que influenciam diretamente na nossa maneira de ser no mundo.

Espero, de algum modo, que tudo isso que estamos passando em coletivo nos faça refletir sobre a fragilidade de certos discursos, sobre a falácia da meritocracia que anula as contingências. Espero que, estando todos em maior ou menor grau limitados, possamos entender como não basta só se “esforçar”, que, além disso, é preciso ter um contexto que acolha meu esforço.

Essa mentalidade atual, tão individualista em seu cerne, nos impede de cumprir pactos sociais simples, como nos colocar no lugar dos outros. Portanto, em tempos de Covid-19, eu proponho a todos os leitores: que a dor coletiva que estamos vivendo nos humanize, nos lembre de nossa pequenez e de que sozinhos não vamos a lugar nenhum.

Maria Camila Moura
Psicóloga, Mestre em Psicologia e Doutoranda em Saúde Pública.
CRP: 11/09333

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