Pelo menos 22 pacientes que podem ter sofrido abusos sexuais de médicos no CE são acompanhados no MP

Vítimas são acolhidas para a busca de responsabilização dos agressores na Justiça e recebem apoio psicológico

Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br
Médicos abusam de pacientes no Ceará
Legenda: Vítimas passam por processo de adoecimento mental após episódios de violência sexual cometida por médicos
Foto: Pexels

Consultas, exames ou procedimentos acabaram se tornando motivos de denúncias para, pelo menos, 22 pacientes no Ceará que alegam ter sido abusados sexualmente por médicos. O número pode ser ainda maior, já que cada processo pode ainda ter mais de uma vítima agredida.

Os casos são acompanhados pelo Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência (NUAVV) do Ministério Público do Ceará (MPCE) e ocorreram em diferentes cidades do Ceará, entre 2019 e 2022. 

As agressões envolvem toque em partes íntimas, comentários maliciosos até a conjunção carnal. Os pacientes compartilham a dor, o adoecimento mental e, por vezes, o medo de denunciar. As penalidades variam, conforme o crime, entre importunação sexual e estupro - com prisão prevista de até 15 anos.

São histórias de violência como a da mulher estuprada por um médico anestesista, no último dia 10 de julho, durante um parto no Rio de Janeiro, que espantou todo o País. Casos também semelhantes ao que ocorreu, nseta semana, no Ceará, quando um médico de 45 anos foi preso sob suspeita de estupro contra uma jovem de 18 anos, que buscava ajuda por um problema decorrente da amamentação, em Hidrolândia.

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As histórias acompanhadas atualmente pelo Ministério Público do Ceará chegaram por meio de denúncias das próprias vítimas, que procuraram o órgão em busca tanto da responsabilização criminal dos agressores, assim como acolhimentos psicológicos para tentarem superar as sequelas físicas e emocionais originadas pelos episódios de violência. 

“Atender uma vítima de crime sexual requer um trato diferenciado. Então, a gente colhe esse depoimento dentro do próprio NUAVV, acompanhados de uma psicóloga, tem início o inquérito policial e fazemos o acompanhamento dessa vítima”, explica a Coordenadora NUAVV, promotora Joseana França Pinto.

Diante das denúncias, que são tanto de mulheres como de homens, o MP procura formalizar a denúncia à Polícia e mantém o acompanhamento judicial do caso. No NUAVV, pacientes são recebidos por busca espontânea, encaminhamentos de hospitais ou mesmo na procura feita pelos promotores. A partir daí, é aberto um procedimento conhecido como notícia de fato.

Esse é o termo para a demanda enviada pelo Ministério Público para outros órgãos no processo de apuração dos crimes. Nos casos das vítimas de violência sexual cometidas por médicos, isso acontece em segredo de Justiça.

Uma dimensão do contexto de violência contra mulheres no Ceará: 9.132 notificações sobre vítimas que sofreram algum tipo de violência, da física a sexual, e foram atendidas em unidades de saúde, em 2021. Naquele ano, também foram registrados 215 episódios violentos, de tortura a violência sexual, contra o público feminino no Ceará

Medo de denunciar 

O número de casos de violência ocorridos em unidades de saúde pode ser ainda maior. Um dos casos acompanhados pelo MP é o denunciado pelo Diário do Nordeste em 2019, sobre a série de abusos cometidos pelo médico José Hilson de Paiva.

Conhecido nacionalmente como Dr. Assédio, José Hilson, com atuação em Uruburetama e Cruz, fez 46 gravações, nas quais ele é visto realizando atendimentos invasivos e com evidente conotação sexual. O receio de denunciar, inclusive, foi a realidade de muitas das vítimas do médico. 

Quando chegam ao Núcleo, os profissionais evitam a revitimização dos pacientes, que é o processo degradante vivenciado durante o processo necessário para penalização dos agressores.

As vítimas têm demandas diferentes, como explica a coordenadora do Núcleo, que podem ser da responsabilização penal dos agressores a somente suporte psicológico.

“O sistema de Justiça tem que estar sensível, tem todo um contexto que tem de ser avaliado. A palavra da vítima tem que ter um peso nesse aspecto e (é preciso) entender como a pessoa foi envolvida naquela situação”, reflete.

O caso de Uruburetama foi muito grave, foram várias mulheres, e ele usava além da condição de médico a de prefeito. Por conta disso, abusou de muitas pessoas e nós percebemos como a vítima tem medo, vergonha e silencia
Joseana França Pinto
Coordenadora NUAVV

O NUAVV possui parceria com unidades hospitalares para oferecer serviço de atendimento psicológico e também evitar que os pacientes tenham infecções sexualmente transmissíveis.

“Nós temos atendimento psicológico breve e focal em algumas sessões, temos um convênio com o Hospital Mental de Messejana, que criou dois ambulatórios - um para atender adultos e outro crianças e adolescentes vítimas de violência”, completa.

Processo criminal

A denúncia dos crimes sexuais, principalmente quando envolve violência física, ainda é um desafio para as vítimas, como observa a delegada Arlete Silveira, diretora do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPGV) da Polícia Civil.

"As vítimas sentem uma série de receios e medos e por isso elas precisam primeiro de acolhimento especial. Isso faz parte do trabalho policial, porque muitas vítimas são revitimizadas por conta do atendimento", reflete. E essa etapa pode ser decisiva para evitar novas agressões.

"É importante destacar que uma vítima de violência sexual, principalmente envolvendo violência, tem que procurar imediatamente a autoridade policial, tanto para a preservação da prova como a integridade física", completa.

A Casa da Mulher Brasileira, em Fortaleza, e as Casas da Mulher Cearense, em Juazeiro do Norte e Sobral, são possibilidades para as mulheres vítimas de violência sexual, bem como as 10 unidades de delegacia da mulher espalhadas pelo Estado.

"São equipamentos integrativos, que além te ter escopo para enfrentar a violência doméstica e familiar, também realiza a investigação de crimes sexuais quando a vítima é mulher", reforça. Além disso, é feito atendimento de saúde para evitar infecções sexuais e gravidez.

A pessoa que está em um consultório médico, necessitando de um cuidado, e sofre uma situação dessa, está em uma situação de extrema vulnerabilidade. Por isso, podemos falar em situações que envolvem violência presumida e até estupro de vulnerável
Arlete Silveira
Diretora do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis

Os casos de estupro de vulnerável, casos mais graves, podem ter penalidade de 8 a 15 anos de prisão, como detalha Arlete Silveira.

O que está previsto na Lei Nº 12.015:

Estupro 

  • Art. 213.  Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: 
  • Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. 
  • § 1o  Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: 
  • Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. 
  • § 2o  Se da conduta resulta morte: 
  • Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.” (NR) 

A delegada recomenda medidas de segurança como levar acompanhante em consultas médicas e manter a porta do consultório aberta. "É interessante a gente ampliar esse debate com os profissionais da saúde e Conselho de Medicina para que esses protocolos sejam mais transparentes entre a população, principalmente a feminina, que é mais vulnerável", completa.

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O que acontece com esses médicos?

A reportagem solicitou ao Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará (Cremec) o número de médicos punidos, seja com afastamento ou suspensão do registro, mas o órgão não repassou esse detalhamento. Em entrevista, foi dito que um médico teve o registro cassado nos últimos dois anos.

Os médicos denunciados ao, ou casos de repercussão pública, devem ser analisados por uma comissão, como explicou o presidente Helvécio Neves Feitosa.“Nós instalamos um procedimento, inicialmente, de sindicância que visa detectar os indícios do que aconteceu. Se confirmando, é instalado o Processo Ético Profissional (PEP), quem é acusado tem direito a ampla defesa e quem acusa direito de (apresentar) provas”, detalha.

O desfecho da apuração é levado para um julgamento com base no que está previsto na Lei 3268/57. A punição pode ser desde uma advertência até a suspensão do exercício profissional.

 

Onde buscar ajuda 

Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência (NUAVV)

Telefone fixo: (85) 3218-7630

Celular institucional: (85) 98563-4067 (Atendimento por Whatsapp para todo o Estado)

E-mail: nuavv@mpce.mp.br

Casa da Mulher da Mulher Brasileira

Endereço: Rua Tabuleiro do Norte com Rua Teles de Sousa – Couto Fernandes – Fortaleza

Telefone: (85) 3108-2999

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