De tortura a feminicídio: 215 casos de violência contra mulher são registrados em 2021 no Ceará

O dado da Rede de Observatórios da Segurança indica queda de 20% nos episódios de violência. No entanto, os crimes acontecem de forma mais brutal, englobando tortura, assassinatos, cárcere privado e violência sexual

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
violencia contra mulher
Legenda: Os pesquisadores apontam que em 64% dos casos de agressão, os criminosos eram companheiros da vítima.
Foto: Unidade de Arte/ SVM

Por trás dos registros de violência contra a mulher que repercutem na mídia, há tantos outros que compõem este preocupante cenário mostrando que a questão não se trata de caso isolado. Em 2021, foram registrados pelo menos 215 episódios violentos contra o público feminino no Ceará.

De acordo com o levantamento divulgado pela Rede de Observatórios da Segurança, as ocorrências caíram, se comparado o ano de 2020. No entanto, os crimes percebidos acontecem de forma cada vez mais brutal, englobando tortura, assassinatos, cárcere privado e violência sexual, por exemplo.

Os pesquisadores apontam que em 64% dos casos de agressão, os criminosos eram companheiros da vítima. São mulheres convivendo com o inimigo dentro do próprio lar e agredidas até mesmo na frente do filho do casal, como no caso de maior repercussão nacional registrado no ano passado, entre DJ Ivis e Pamella Holanda.

A socióloga e pesquisadora da Rede, Ana Letícia Lins, destaca o ciclo de violência contra a mulher. A especialista lembra que é preciso ter entendimento que o feminicídio é o último ponto e, muitas vezes, anunciado durante anos por meio de outras ações dos agressores.

Cotidiano violento

DJ Ivis bate na esposa Pamella Holanda
Legenda: As agressões sofridas por Pamella Holanda pelo então marido, o DJ Ivis, foram filmadas por câmeras de segurança e o caso ganhou repercussão nacional
Foto: Reprodução/Instagram

"Geralmente, as mulheres são assassinadas por pessoas dentro do círculo familiar. Isso difere o crime de tantos outros. São homens que elas confiaram em algum momento da vida. Nós não podemos só olhar a redução como uma coisa boa, porque existe até mesmo a dificuldade em denunciar. A relação de homens e mulheres no Ceará é muito cercada de machismo", pontua Ana Letícia.

Quando a motivação dessas agressões e mortes são informadas, as três maiores causas apontadas são brigas (28%), término de relacionamentos (9%) e ciúmes (8%).
Rede de Observatórios da Segurança

A Rede ainda ressalta o número de mulheres vítimas de bala perdida no Ceará em 2021. Segundo a pesquisa foram constatados oito casos, o que ainda mostra a violência presente no cotidiano, que pode fazer vítimas independentemente de onde estejam.


"Como você deixou em fazer isso com você?"

Além do conflito entre DJ Ivis e Pamella, inclusas agressões filmadas, outro caso de repercussão no ano passado envolveu um político. Foram dez anos de um relacionamento amoroso até uma agressão quase fatal. Dois meses antes da tentativa de feminicídio, o vereador Ronivaldo Maia e a namorada romperam, mas mantiveram o contato por "questões práticas da vida, como exemplo, dívidas em comum".

No dia 29 de novembro de 2021, o casal começou a discutir dentro do carro. "Ele falava muito alto, estava ficando nervoso", disse à vítima em testemunho à Polícia. Consta nos autos que Ronivaldo teria pedido duas vezes para a ex sair do carro, mas ela insistiu em ficar e se fazer ouvida. Em determinado momento, o vereador a teria retirado a força do veículo e a mulher caído no chão.

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"Fiquei com raiva e quanto me levantei fui em direção ao para-brisa do carro. Dei a volta para quebrar o outro para-brisa e foi aí que ele me arrastou. Tudo foi muito rápido, quando vi já estava no chão. Em seguida fui para casa, tonta e com dor", contou aos policiais.


Para as autoridades, o episódio se tratou de uma tentativa de feminicídio.

Ronivaldo ainda teria retornado à casa da vítima, aparentemente arrependido. Lá ele se deu conta do ato e chegou a questionar: "Como você deixou eu fazer isso com você?", como se a culpa pelo fato fosse da mulher. A situação só se tornou pública porque teve testemunhas. Pela vítima, ela não teria prestado queixa.

"Se fosse por mim, ia a um hospital dizer que tinha sido atropelada por um desconhecido. Eu sei que não deveria fazer isso, mas era para evitar transtorno para a minha vida", pensou ela, assim como tantas outras já chegaram a pensar quando foram alvos de agressão.

Atualmente, o caso tramita no Judiciário. Para a defesa do réu, em nenhum momento houve tentativa de assassinato. Em comum, DJ Ivis e Ronivaldo Maia voltaram à liberdade poucos meses após detidos.

Atendimento às vítimas

Por nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) destacou que nessa terça-feira (8) o Governo do Ceará inaugurou a Casa da Mulher Cearense, que se soma a outros equipamentos já existentes no Estado à serviço das vítimas de violência doméstica. Há Delegacias de Defesa da Mulher em Fortaleza, Pacatuba, Caucaia, Maracanaú, Crato, Iguatu, Juazeiro do Norte, Icó, Sobral e Quixadá.


"A SSPDS destaca ainda o resultado de um trabalho integrado entre as Forças de Segurança do Ceará, que resultou, no balanço de 30 dias, nas capturas de 350 pessoas envolvidas em crimes de violência doméstica e sexual contra mulheres. O expressivo número de capturas deixou o Ceará em 1º lugar no número de prisões em todo o Nordeste durante a operação nacional que teve o nome de "Operação Resguardo"
SSPDS

A Pasta acrescenta que as vítimas que solicitam medida protetiva nas delegacias desses municípios contam com a assistência do Grupo de Apoio às Vítimas de Violência (GAVV) enquanto aguardam decisão do Poder Judiciário sobre a medida e após a concessão.

 

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