Futuro presente: "Sem a ciência e a cultura, é impossível pensar as civilizações", diz Albio Sales

Na terceira e última matéria da série Futuro presente, o professor e arquiteto Albio Sales discute algumas soluções urbanas para o dito "mundo pós-pandemia"

Escrito por Roberta Souza , roberta.souza@svm.com.br
Legenda: Albio Sales é professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da UECE e do Programa de Pós-Graduação em Artes do IFCE
Foto: Foto: Zezé de Sales

O significado do isolamento social imposto pelo novo coronavírus difere se você mora com poucas pessoas, num apartamento com vista para o mar, ou com vários familiares, numa casa pequena em Fortaleza. Considerando quem está em situação de rua, então, esse conceito é dificilmente aplicável. A pandemia ajuda a escancarar essas desigualdades e convoca a todos a pensar mudanças urgentes, que garantam o direito básico à moradia, previsto em Constituição, a partir de uma política urbana integrada com a ambiental.

Sem esse investimento, o arquiteto e professor Albio Sales acredita que a tendência é o agravamento de algumas situações, tendo em vista o fato de elas também estarem associadas a problemas de emprego e renda. Apesar de ainda considerar cedo para se falar de um mundo pós-pandemia, pois ainda não se sabe o saldo positivo e negativo que ela deixará para a economia nem como isso poderá afetar as relações entres os grandes blocos econômicos da atualidade, Albio arrisca apontar medidas necessárias, desde já, para melhor vivermos neste cenário.

Minha sugestão continua sendo o aumento de investimentos na habitação popular e nos espaços urbanos, bem como no saneamento básico, para promover acesso ao maior número possível da população. Outra sugestão pouco original é acreditar na ciência e na cultura. Sem elas, não é possível se pensar em futuro das civilizações”.

Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco, com tese sobre História da Arte e Cidade, Albio tem tentado ao máximo reestabelecer uma rotina nesse período de quarentena, conciliando suas atividades de ensino e pesquisa com os afazeres domésticos e a fruição cultural por meio da internet.

“Penso que para algumas pessoas, dentre elas me incluo, esse significado da palavra casa não mudou, já que posso dispor de cômodos privados e coletivos, onde alterno atividades de convivência familiar e de trabalho. Infelizmente, esta não é a realidade da maioria da nossa população que mora nas grandes cidades. Para as que moram em imóveis pequenos e com pouca divisão, talvez o significado seja de reclusão”, alerta.

O trabalho em casa dá a sensação ao professor de que não há fim de expediente, o que tem provocado um sentimento de fadiga e até de baixa produtividade, segundo ele.

Neste momento, infelizmente não temos muita coisa a fazer senão tentar nos adaptar aos espaços onde vivemos. Como arquiteto, minha sugestão é que possamos otimizar o uso do espaço doméstico, por meio de pequenos rearranjos e deslocamentos de objetos e móveis. Entendo também que é um momento que não foi planejado e, portanto, para algumas pessoas é praticamente impossível modificação em seus espaços de habitação, pois já vivem em condições precárias com um mínimo de possibilidades”.

Virtual e sustentável

Ainda do ponto de vista comportamental, Albio acredita que o isolamento, como é involuntário, não veio para ficar, mas aposta numa cidade cada vez mais virtual daqui para frente. “O ser humano é gregário e continuará sendo. Embora o comportamento de viver em habitações individuais, já seja uma tendência das grandes metrópoles nos países de economia forte. Acredito que o que veio para ficar foi a intensificação de relações e comunicações no espaço virtual. O mundo dos negócios já experimentava esse tipo de relação por questões de custo, e agora percebeu que é possível uma ampliação deste modo de operar”, projeta.

Entre os principais desafios do futuro, na visão de Albio, está a adaptação às novas exigências de convivência social nos primeiros meses. Com a globalização, porém, ele acredita que pouca coisa mudará, exceto o fechamento de fronteiras e as restrições ao mundo do trabalho, pelo aumento do desemprego e, portanto, os maiores requisitos para se continuar no mercado.

Independentemente da pandemia, o pesquisador considera que Fortaleza, assim como outras metrópoles do Brasil, precisam ainda de um redesenho, visto que o seu desenho atual, no que pese os esforços dos urbanistas que a planejaram em diferentes épocas, reflete a profunda desigualdade social em que vivemos, e pouco dialoga com a preservação do ambiente que nos rodeia.

A grande dificuldade encontrada, do ponto de vista do urbanismo, para atender a uma dinâmica que respeite a relação de seus moradores com o mar, os parques e as praças é o financiamento de projetos e obras estruturantes para as áreas mais carentes. O que vemos com frequência é que os governos municipais priorizam soluções para as áreas consideradas setores turísticos, pois para estas há mais facilidades de financiamento de setores governamentais e empresariais”, critica.

Albio defende que a arquitetura, como ciência do urbano, já vem implementando projetos de melhoria no equilíbrio entre desenvolvimento e sustentabilidade para uma convivência mais harmoniosa com a natureza. 

“Arquitetos podem dar a sua contribuição mas dependem de decisões políticas, porque a melhoria da qualidade dos espaços urbanos não depende apenas de criatividade. Elas têm custo e todo planejamento urbano responde a perguntas como: por que planejar e para quem planejar”. Investimentos em habitações populares na Zona Central de Fortaleza, por meio da adaptação e recuperação de imóveis em desuso, poderiam ser uma boa iniciativa, na visão do arquiteto. Para ele, não é possível pensar um modelo de desenvolvimento que deixe de fora a população de baixa renda, porque este grupo é maioria e sem ele não é possível pensar um projeto de nação.

“Penso que é urgente a criação e o fortalecimento do que existe em termos de órgão e equipes de pesquisa multidisciplinares de planejamento de soluções para a produção de habitação de baixo custo e de reengenharia de espaços urbanos de comunidades periféricas. O momento pós-pandemia será de agravamento das condições da moradia popular. A saída possível é a criação de programas de desenvolvimento que possam atrelar a construção, habitação popular, emprego e renda numa perspectiva local e nacional”.

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