Dylan influenciou artistas brasileiros; conheça seus seguidores do Nordeste em quatro canções

Ídolo norte-americano serviu de referência musical e poética figurões da MPB como Zé Ramalho e Belchior

Escrito por Dellano Rios , dellano.rios@svm.com.br
Belchior foi um dos artistas influenciados por Bob Dylan
Legenda: Ecos de Bob Dylan podem ser ouvidos na obra de Belchior, da estreia aos últimos discos que gravou
Foto: Cid Barbosa

Bob Dylan não fez a cabeça da juventude pelos lados de cá, como Elvis Presley, nos anos 1950, e os Beatles, na década seguinte. Contudo, suas canções exerceram uma forte influência entre músicos e compositores brasileiros. Ecos dylanescos se fizeram ouvir, sobretudo, a partir dos anos 1970 e foi no Nordeste que encontrou seus seguidores mais inspirados. 

A herança de Dylan se manifestou ora de formas mais sutis (o baiano Caetano Veloso reconhece a influência do trovador norte-americano em suas letras quilométricas), ora explícitas (caso do cearense Belchior e do paraibano Zé Ramalho, trovadores das angústias do presente e das dores do homem comum). Em “Eu também foi reclamar”, o também baiano Raul Seixas ironizou falando a verdade: “Imitei Mr. Bob Dylan I know”. A confissão pareceu ser uma referência à sua canção “As minas do Rei Salomão”, bem ao estilo Dylan. 

De lá para cá, o número de devotos só cresceu, incluindo Marcelo Nova (gravou "Ainda Não Está Escuro", versão de "Not Dark Yet"), a turma do Skank ("Tanto" transcriou "I want you") e a geração independente que celebrou o folk no começo deste século, caso da cantora Mallu Magalhães, que incluia músicas de Dylan em seus primeiros shows, e da banda Vanguart (que lançou o álbum "Vanguart Sings Bob Dylan", em 2019).   

Nas quatro canções aqui seguidas, é possível ouvir Dylan em sotaques do Nordeste, bem-adaptado ao imaginário brasileiro.

1. Romance no Deserto - Fagner 

A canção-título do álbum “Romance no Deserto”, de Raimundo Fagner, é uma versão de Dylan. Foi Fausto Nilo quem recriou “Romance in Durango”, do disco “Desire” (1976). A aventura da fuga dos amantes fora-da-lei deixa as areias do deserto gringo e ganha toques sertanejos. É uma recriação pop, mas fiel ao espírito da canção matriz. Fagner e Fausto não foram os únicos a se encantarem pela música, que também teve versões de sucesso em italiano e em espanhol. 

 

2. Batendo na porta do céu - Zé Ramalho 

O paraibano Zé Ramalho é que rezou na Igreja de Bob Dylan. Como Belchior, a referência está lá, no jeito de cantar, no uso marcante do violão e nas letras populares e sábias. Foi com uma versão de “Knockin’ on heaven’s door” (1975), que o cantor tomou novo fôlego em sua carreira. “Batendo na Porta do Céu” apareceu na “Antologia Acústica” (1997). Onze anos depois, o cantor foi além, gravou um álbum inteiro com versões do ídolo - “Zé Ramalho Canta Bob Dylan - Tá Tudo Mudando”. 

 

3. Alucinação - Belchior 

Não haveria “Alucinação”, o melhor álbum de Belchior, sem Bob Dylan. Das letras longas ao cantar falado, das atenções aos ventos de mudanças ao sentimento de estar perdido no mundo. Tudo ali é dylanesco. O brasileiro nunca escondeu sua adoração pelo colega norte-americano. Suas referências nada têm de cópias: são reverências de um verdadeiro fã. Em 1990, ele conheceu o ídolo em um show no Brasil. Foi Gilberto Gil quem o apresentou: “Dylan, esse é Belchior, o Bob Dylan brasileiro”. 

 

4. Negro amor - Gal Costa 

Admirador de Dylan, Caetano pegou uns truques de composição e já interpretou “Hurricane” em shows. Sua versão de “It’s all over now, baby blue” (com Péricles Cavalcanti) foi gravada por Gal Costa no disco “Caras & Bocas” (1977). Na voz da baiana, a canção de Dylan ganhou uma de suas interpretações mais marcantes, tão boa quanto a do Then de Van Morrison ou mesmo a original do bardo. A cantora a revisitou em seu álbum mais recente, de 2021, num dueto com Jorge Drexler.