Quatro PMs são condenados a mais de 1.100 anos de prisão por participação na Chacina do Curió

Com a condenação, fica acolhida a tese de que os agentes de segurança estiveram na região da Grande Messejana e participaram da matança

Escrito por Beatriz Irineu, Emanoela Campelo de Melo, Matheus Facundo, Messias Borges e Nícolas Paulino ,
juri chacina curio
Legenda: Após quase 60 horas de julgamento, os policiais militares acusados de participar da Chacina do Curió foram condenados
Foto: Fabiane de Paula

Após seis dias de julgamento, o Tribunal do Júri condenou os primeiros quatro policias militares (PMs) réus pelas mortes de 11 pessoas na Chacina do Curió. A decisão dos jurados foi tomada no fim da noite desse sábado (24), após os debates entre a acusação e defesa, leitura de quesitos e votação, que durou 13 horas. Depois do veredito do júri, já na madrugada deste domingo (25), o Colegiado de juízes confeccionou a sentença estipulando as penas, que foram de mais de 1.100 anos no total, e o regime de cumprimento. Cabe recurso da decisão.

Veja as penas dos PMs: 

  • Wellington Veras Chaves: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura. Regime: inicialmente fechado. Prisão decretada: não poderá recorrer da decisão em liberdade. Condenado também a perda do cargo de policial militar
  • Ideraldo Amâncio: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura. Regime: inicialmente fechado. Prisão decretada: não poderá recorrer da decisão em liberdade. Condenado também a perda do cargo de policial militar
  • Antônio José de Abreu Vidal Filho: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura. Regime: inicialmente fechado. Prisão decretada: não poderá recorrer da decisão em liberdade. Condenado também a perda do cargo de policial militar. Caso tenha desertado, fica prejudicada essa decisão. Como está nos Estados Unidos com a esposa,  os juízes determinaram que ele seja incluído na lista de difusão vermelha da Interpol.
  • Marcus Vinícius Sousa da Costa: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura. Regime: inicialmente fechado. Prisão decretada: não poderá recorrer da decisão em liberdade. Condenado também a perda do cargo de policial militar

Os três foram levados para o Quartel da Polícia Militar no Centro de Fortaleza, onde aguardarão o recurso da decisão. Já Antônio Abreu está nos EUA e permanece solto.

PMs Marcus Vinícius, Antônio José de Abreu, Wellington e Ideraldo Amâncio
Legenda: Os PMs Marcus Vinicíus, Antônio José de Abreu, Wellington e Ideraldo Amâncio foram julgados neste domingo (25)
Foto: Divulgação

O veredito começou a ser dado após os jurados passarem parte da manhã, tarde e noite reunidos em uma sala secreta na qual responderam aos quesitos, que são as perguntas feitas sobre os fatos julgados. Ao todo, eram mais de 300 quesitos, já que havia perguntas sobre todos os réus, com questionamentos sobre a participação ou não de cada um. A votação terminou 23h55.

Após a votação, que durou 13 horas e as respostas a todos os quesitos, levou ao veredito de culpado que foi dado aos quatro militares pelos 11 homicídios, as três tentativas de homicídios e as quatro acusações de tortura. O Colegiado de juízes, formado pelos magistrados Marcos Aurélio Marques Nogueira, presidente do colegiado e titular da 1ª Vara Júri; Adriana da Cruz Dantas (da 17ª Vara Criminal) e Juliana Bragança Fernandes Lopes (Vara Única da Comarca de Guaraciaba do Norte) se reuniu para confeccionar a sentença e estipular as penas e o regime de cumprimento. Eles reabriram a sessão 1h10 do domingo.

Os juízes também informaram que o vizinho de um dos PMs, que prestou depoimento durante o júri, seja denunciado pelo Ministério Público do Ceará pelo crime de falso testemunho. 

Com a condenação, fica acolhida a tese de que os agentes de segurança estiveram na região da Grande Messejana e participaram da matança. Para acusação, provas "os colocaram no local dos fatos", apesar da negativa dos réus e da defesa. 

Defesa recorre

A defesa dos quatro policiais militares informou ainda no plenário que recorrerá da decisão. Os advogados pediram mais tempo para apelar por conta da extensão do processo.

No encerramento do julgamento, acusação e defesa elogiaram à atuação do Poder Judiciário na condução e organização do julgamento, em especial aos servidores e magistrados que integraram o colegiado de juízes que presidiu o júri. 

O colegiado de juízes agradeceu à diretoria do Fórum Clóvis Beviláqua e Presidência do Tribunal de Justiça do Ceará pela estrutura e logística disponibilizada para a realização do julgamento, além dos demais setores e servidores que atuaram. Também agradeceu aos integrantes da acusação e defesas pelo trabalho realizado.

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Investigação

Uma investigação criteriosa iniciada pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e posteriormente coordenada pela Delegacia de Assuntos Internos (DAI), vinculada à Controladoria Geral de Disciplina (CGD) e Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) coletou elementos como imagens de câmeras de segurança, sinais de torres de celular, depoimentos e laudos técnicos. Todo esse acervo probatório ajudou com que os jurados acatassem a tese da acusação. 

Segundo a denúncia do MPCE, assinada por 12 promotores de Justiça, os PMs Wellington Veras Chaves, Ideraldo Amâncio, Antônio José de Abreu Vidal Filho são acusados de participar dos crimes e ainda adulterar placas de seus veículos para não serem flagrados na região.  Já Marcus Vinícius, dirigia um veículo avistado nas imediações de onde um adolescente foi retirado de um ônibus e executado.

Os militares acabaram condenado por 11 homicídios qualificados, três tentativas de homicídios qualificados e quatro crimes de tortura, sendo três torturas físicas e uma psicológica. Enquanto os juízes liam a sentença, especificando cada crime e pena, muitas mães e pessoas da plateia choravam.

A denúncia do MPCE foi assinada pelos promotores de Justiça Marcus Renan Palácio, Joseana França, Marcos Willam de Oliveira, Eloílson Augusto Landim, Felipe Diogo Frota, Manoel Epaminondas, Rinaldo Janja, Alice Iracema Aragão, Humberto Ibiapina, André Clark, Márcia Pereira e Franke José Rosa.

AS VÍTIMAS MORTAS NA CHACINA

  • Álef Souza Cavalcante, 17 anos
  • Antônio Alisson Inácio Cardoso, 16 anos
  • Francisco Elenildo Pereira Chagas, 40 anos
  • Jardel Lima dos Santos, 17 anos
  • Jandson Alexandre de Sousa, 19 anos
  • José Gilvan Pinto Barbosa, 41 anos
  • Marcelo da Silva Mendes, 17 anos
  • Patrício João Pinho Leite, 16 anos
  • Pedro Alcântara Barroso do Nascimento Filho, 18 anos
  • Renayson Girão da Silva, 17 anos
  • Valmir Ferreira da Conceição, 37 anos.

Entenda as acusações

Nesta sexta, os promotores e o assistentes do MPCE mostraram imagens de câmeras de segurança onde vários jovens aparecem jogados no chão ou socorridos em carros. Muitos já estavam mortos, ou baleados em estado grave. As famílias das vítimas chegaram a sair da sala do Júri por não conseguirem conter a emoção. 

Para a acusação, os policiais se articularam em concurso de pessoas, mataram 11 pessoas, torturaram quatro e balearam outras três. As investigações levaram à acusação de um total de 44 PMs.

No entanto, segundo sustentou a promotora Alice Iracema Aragão, nem todos puxaram os gatilhos ou torturaram, mas o artigo 29 do Código Penal prevê que "quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas".

O promotor Luís Bezerra Lima Neto corroborou com a tese: "basta eu comprovar que esse partícipe estava dando apoio para ele participar do crime".

Luís ponderou também que nem todos os envolvidos vão a julgamento. "O processo é perfeito? Não. Tem policial civil que deve ter participado desse crime, mas não foi identificado. Tem policial militar que participou e também não foi identificado". 

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Legenda: Integrantes do Ministério Público e da Defensoria Pública, que atuaram na acusação. Da esquerda para a direita: Gina Moura, Elizabeth Chagas, Eduardo Villaça, Vicente Martins, Alice Iracema, Luiz Bezerra, procurador Geral de Justiça, Manuel Pinheiro e Joseana França
Foto: Reginaldo Aguiar/Divulgação (MPCE)

O que argumentou a defesa? 

Após a acusação iniciar sua apresentação nesta sexta com vídeos de jovens baleados e socorridos, a defesa escolheu começar com um vídeo de uma mãe de uma das vítimas. Ela prestou depoimento à Justiça e afirmou saber quem assassinou seu filho e disse não querer que a pessoa errada fosse condenada. 

"O Ministério Público e a Polícia não seguiram os padrões de investigação. Não havia elementos para denunciar. Foi uma denúncia elaborada muito rápida. Fomos para as audiências, e agora eu confirmo que o Ministério Público não tem elementos para a condenação", defendeu o advogado Walmir Medeiros, que representa Marcus Vinicíus. 

Para Walmir, "cabia uma Ação Civil Pública para que o Estado indenizasse as famílias". "Os policiais militares aqui foram acusados como coautores. Coautores sem incentivar, sem participar, sem atirar?". 

A advogada do PM Wellington argumentou que os policiais julgados "também foram vítimas": "Não é querer comparar com as mães que perderam os filhos. Eu estou aqui em busca da justiça e da verdade. A verdade está nos autos do processo. Estão querendo achar partícipes, coautores. Mas os autores são mostrados nos autos".

Ela também critica o processo investigativo e disse que os objetos do policial não passaram por perícia. Ela frisou ainda: "alguma das cinco testemunhas apontou algum desses réus na cena de crime? Apontou algum carro desses réus? Não, nenhum foi apontado". 

O advogado Abdias Carvalho, representante da defesa do policial Ideraldo Amâncio, iniciou sua apresentação com o objetivo de humanizar seu cliente, mostrando uma foto do PM com a esposa e a filha: "é esse homem que vocês vão julgar".

"Analisando esse processo é impossível conceber uma condenação. O Código de Processo Penal não permite condenação sem provas. E não pode ser qualquer prova, são provas de qualidade. Nós vamos condenar Ideraldo Amancio com base em uma foto de fotosensor? Não tem como condenamos com base em um evento circunstancial frágil, solitário", defende. 

Veja como foi o julgamento

1º dia (20/06)

No primeiro dia de sessão do Júri, foram ouvidas três vítimas e duas testemunhas de acusação em sessão que durou 12 horas. Depoimentos violentos lembraram agressões e alvejamentos até de quem tentava socorrer vítimas feridas, na noite da chacina.

2º dia (21/06)

Na quarta-feira, foram ouvidas sete testemunhas arroladas pela defesa dos acusados, que buscaram ressaltar boa trajetória dos PMs na profissão e na vida pessoal. Ao fim do dia, chegou-se a 22 horas de julgamento.

3º dia (22/06)

Os réus Antônio José de Abreu Vidal Filho, Marcus Vinícius Sousa da Costa, Wellington Veras Chagas e Ideraldo Amâncio prestaram depoimento. Eles chegaram a se emocionar durante os interrogatórios e negaram participação nos crimes. Todos, por orientação da defesa e por direito deles, não responderam às perguntas do Ministério Público, para o qual há provas nos autos que "os colocam no local dos fatos". Eles responderam apenas ao colegiado de juízes e aos próprios advogados. 

4º dia (23/06)

O 4º dia de julgamento começou com os debates entre acusação e defesa às 9h10. O MPCE, acusação, e a defesa debateram até 17h05. Às 17h35, a sessão foi retomada após um intervalo e o MPCE recusou o direito de réplica. O júri então, passou para as fases finais antes do veredito. 

5º dia (24/06)

O 5º e penúltimo dia de julgamento começou com o júri sendo recolhido a uma sala secreta onde avaliaram os quesitos sobre o caso. Depois de 13 horas de delieberação e votação, os jurados encerraram a resposta aos quesitos. Do lado de fora, familiares das vítimas fizeram homenagens aos adolescentes e jovens mortos no crime.

6º dia (25/06)

O 6º e último dia de julgamento começou com a reunião do Colegiado de juízes e assessores para a confecção da sentença que condenou os PMs. Depois da leitura da sentença no Plenário do 1º Salão do Júri, o julgamento foi encerrado.

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