Por que o Ceará teve o maior número de armas de fogo apreendidas em um mês na série histórica?
Outubro teve o recorde de apreensões de armas de fogo no Estado, com mais de 700 registros.
Outubro de 2025 entrou para a história da Segurança Pública do Ceará: o mês mais violento do ano até então, o mês com maior número de mortes em intervenções policiais na série histórica (desde 2013) e, também, o mês que teve o maior número de armas de fogo apreendidas pelas Forças de Segurança do Estado na série histórica desta estatística (desde 2015).
Os dois primeiros dados históricos já foram noticiados pelo Diário do Nordeste: o mês mais violento do ano e o recorde de mortes em ações policiais. Para entender o pico do terceiro índice, a reportagem entrevistou o secretário da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), Roberto Sá.
armas de fogo foram apreendidas pelas Forças de Segurança Estaduais, em outubro de 2025. O maior número de um mês tinha sido registrado em maio de 2018, com 695 armas apreendidas.
Uma das ocorrências com apreensões de arma de fogo, em outubro deste ano, foi uma intervenção policial com sete mortos em Canindé, no Interior do Ceará. Oito armas de fogo e centenas de munições foram apreendidos com os suspeitos de integrar uma facção criminosa.
Na série histórica, desde 2015 (quando a SSPDS começou a contabilizar e divulgar o dado), o ano de 2018 teve o maior número de armas de fogo apreendidas: 7.171.
Em 10 meses, o ano de 2025 já soma 6.045 armas apreendidas. Uma média mensal de 604 apreensões. Se essa média se repetir em novembro e dezembro, a estatística chegará a 7.253 armas apreendidas, e o ano corrente irá atingir o recorde anual de apreensões no Estado.
Como consequência desse aumento de apreensões, o Estado já pagou R$ 2,8 milhões em gratificações para policiais, por armas apreendidas, em 2025. Faltando dois meses para o fim do ano, o valor já ultrapassou a quantia paga em todo o ano de 2024, segundo os dados da SSPDS.
Desvio de armas de fogo
O secretário Roberto Sá acredita que o Ceará seguiu uma tendência nacional: "O Brasil, nos últimos anos, acabou tendo uma circulação maior de arma de fogo devido à flexibilização das regras, das normas para aquisição de armas e munições. E a gente, agora, está verificando as consequências disso".
Em razão da maior flexibilização para acesso às armas de fogo, por Colecionadores, Atiradores desportivos e Caçadores (CACs), o Estado se preocupa com o desvio de armamentos para facções criminosas.
É uma preocupação. Na verdade, todo o comércio de arma de fogo gera uma preocupação para nós. Porque onde tem o comércio legal, se não tiver controle e não tiver sanção penal, ele pode se tornar um comércio ilegal."
Para evitar o desvio de armas de fogo adquiridas legalmente pelos CACs, a SSPDS mantém investigações junto à Polícia Federal (PF) e conversas com as Forças Armadas, segundo Roberto Sá.
"Lógico que não é a maioria (de CACs) que acaba ocasionando um desvio, mas é importante que eles saibam que estão sendo fiscalizados. Porque, se não, o próprio crime organizado infiltra pessoas nessa condição", aponta o secretário da Segurança.
Em uma operação deflagrada em agosto de 2024, a Polícia Civil do Ceará (PCCE) prendeu quatro CACs que estavam na posse de armas de fogo sem registro. Conforme as investigações, eles tinham movimentações financeiras que destoavam dos ganhos formais.
Com os suspeitos, foram apreendidas 18 armas de fogo - entre pistolas, espingardas e fuzis - e mais de 500 munições.
Em dezembro de 2023, dois CACs foram presos em uma operação da Polícia Civil com o Ministério Público do Ceará (MPCE). A dupla era suspeita de comprar armas de policiais militares e revendê-las para criminosos ligados a uma facção.
era o valor do arsenal da dupla, que contava com ao menos 19 armas de fogo - inclusive sete fuzis - segundo os investigadores.
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Delegacia investiga o tráfico
O secretário Roberto Sá também destaca que há uma determinação do governador Elmano de Freitas para a Polícia cearense "ter uma estratégia de identificar e prender criminosos muito perigosos, mas também retirar de circulação o instrumento mais utilizado para matar alguém, que é a arma de fogo".
"Então, a gente tem uma diretriz em que as polícias tem essa orientação, no sentido de abordar pessoas e buscar esconderijos de armas de fogo, algum paiol, oficinas clandestinas. Há toda uma preocupação da gente identificar pessoas que estão abastecendo o crime com armas de fogo", completa.
Somente em outubro deste ano, 250 pessoas foram mortas no Ceará por uso de armas de fogo. Isso representa 88% dos 284 Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) registrados no mês.
Para apreender mais armas de fogo, a SSPDS criou a Delegacia de Combate ao Tráfico de Armas, Munições e Explosivos (Desarme) na Polícia Civil do Ceará, que iniciou os trabalhos em abril deste ano.
Um dos objetivos da Delegacia Especializada é descobrir a origem das armas de fogo que chegam ao Ceará, segundo Roberto Sá.
"Essa equipe vai ficar focada exatamente na maneira como o criminoso consegue a arma de fogo. Armas com padrões, armas novas, calibres que chamem atenção, fabricações que chamem atenção, oficinas clandestinas, o que pode dar volume a um abastecimento clandestino no crime, são objetos de atenção dessa unidade Especializada da Polícia Civil", detalhou o secretário.
Na última quinta-feira (27), a Desarme e a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas da Região Sul (Draco- Sul) realizaram a prisão de três suspeitos que estavam com os registros de CAC suspensos pelo Exército Brasileiro. Com eles, foram apreendidas 14 armas de fogo e mais de mil munições.
O titular da SSPDS explica que, "como não tinha esse grupo especializado, as investigações acabavam sendo em torno de quem foi o autor do crime. E as armas apreendidas, em muita quantidade, virava estatística".
"O crime de porte ilegal (de arma de fogo), a posse ilegal, o comércio ilegal e o tráfico são crimes autônomos, que acabavam não sendo investigados. Mas, como é que essas armas chegam? Como alguém adquiriu munição, explosivos, granadas?", questiona Roberto Sá, que espera respostas da Desarme nos próximos meses.
Intensificação dos conflitos
O secretário Roberto Sá reconhece que, no último mês de outubro, "a gente teve algumas variáveis que, juntas, mostraram um contexto de maior violência".
"Eu posso, nesse mês de outubro, dizer que elas (variáveis) têm uma relação. Em primeiro lugar, a gente tem focado e distribuído o policiamento com muita determinação de prender homicida e prender membro de Orcrim (organizações criminosas). Tanto o homicida como o membro de Orcrim, em regra, estão armados com arma de fogo", explica.
Outubro foi o mês mais violento do ano corrente, no Ceará, com 284 homicídios. "No mês que teve muito CVLI, predominantemente em disputa entre facções, tem a maior apreensão de arma de fogo em um mês da história do Ceará. Então, não pode ser coincidência", aponta o secretário.
Para Sá, "isso ratifica o fato dessas facções estarem num momento de muito conflito, acirrado, e nosso policiamento está abordando e tirando a arma de fogo de todas elas. Isso mostra a presença de armas de fogo em larga escala".
O último mês também teve recorde de mortes por intervenção policial, no Ceará. Foram 41 casos, o maior número já registrado em um mês, no Estado, desde janeiro de 2013 (quando a SSPDS começou a contabilizar e divulgar o dado).
"O aumento de intervenções (policiais) também está nesse contexto", avalia Roberto Sá, em referência ao recorde de apreensões de armas de fogo e ao mês com mais homicídios em 2025.
"A polícia cearense tem tradição de efetuar prisões e, em regra, pela baixa letalidade. É uma polícia muito técnica, muito corajosa, mas que não tem altos índices de letalidade. Quando você tem um mês com esse pico, você observa que tinham mais criminosos circulando com arma de fogo e dispostos a enfrentar a polícia", garante.
A disposição dos criminosos de matar ou morrer é tão grande que resolveram enfrentar até mesmo a polícia. Então, é um momento realmente de uma espiral de violência completo. A polícia atuou muito, apreendeu muita arma de fogo, fez muita intervenção, bandidos acabaram se matando muito, o que elevou a taxa de CVLI no mês. Mas, também, a prisão por parte das polícias foi muito grande nesse mesmo sentido".
Roberto Sá destacou, na entrevista, que as Forças de Segurança do Estado prenderam 2.135 suspeitos de integrar organizações criminosas, entre janeiro e outubro de 2025 - um aumento de 93% na comparação com igual período de 2024.
Também foram detidos 2.145 suspeitos de participar de homicídios, nos dez primeiros meses deste ano - um aumento de 35% na comparação com igual período do ano passado, segundo o titular da SSPDS.