"Fui espancada várias vezes"; conheça a história de mais uma vítima de advogado acusado de feminicídio

Aldemir Pessoa Júnior é suspeito pelo crime de violência doméstica contra uma advogada. Ele já responde processo por feminicídio, sem nunca ter sido preso

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
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Legenda: Hoje, Mariane (nome fictício) e a mãe dela têm medidas protetivas contra o suspeito.
Foto: Reprodução/TVM

Quando Mariane (nome fictício) e Aldemir Pessoa Júnior se conheceram, a mulher não imaginava que fosse ser mais uma vítima de violência doméstica, mesmo sabendo que Aldemir já respondia no Judiciário cearense pelo crime de feminicídio. O relacionamento entre o casal de advogados passou de sonho a pesadelo em poucos meses e, segundo Mariane foi marcado por episódios de agressão e até mesmo ameaças a parentes dela.

Ela afirma que levou tempo até que se percebesse como vítima. O misto de vergonha e por pensar "o que vão falar de mim sendo advogada e mesmo assim tendo passado por isso?" fez com que a situação se agravasse e chegasse ao ponto de, conforme o relato de Mariane, Aldemir passar a agredi-la mesmo enquanto ela dormia, sob efeitos de fortes medicamentos.

Eu sofro de insônia e ele começou a me espancar enquanto eu dormia, medicada. Ele me batia de madrugada e gravava. Só descobri isso quando ele mostrou uma das gravações aos meus familiares, recentemente. Ele tentou me colocar em uma situação de vexame, utilizando de todos os meios possíveis para que eu me calasse", relata a vítima. A defesa do suspeito foi procurada, mas não respondeu. 

caso jamile
Legenda: Aldemir é réu pela morte da empresária Jamile
Foto: Helene Santos

Hoje, Mariane e a mãe dela têm medidas protetivas contra o suspeito. A mesma chance de sobrevivência não foi dada a empresária Jamile de Oliveira Correia que, conforme acusação do Ministério Público do Ceará (MPCE), foi assassinada por Aldemir, em agosto de 2019.

"EU ACREDITAVA QUE ELE TINHA PASSADO POR UMA INFELICIDADE"

Mariane conheceu Aldemir após o 'Caso Jamile' ganhar repercussão na imprensa. Aldemir se disse apaixonado por Mariane e falava que o fato envolvendo Jamile tinha se tratado de um suicídio. "Eu acreditava que ele tinha passado por uma infelicidade, o que podia acontecer com qualquer um. Acreditava que a morte de Jamile não era um ato de violência", pensava a mulher que afirma ter sido a próxima vítima dele.

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A advogada não poupava elogios ao namorado no início da relação: "era educado, gentil e cavalheiro". Ela não recorda o momento exato da 'virada de chave' no comportamento, mas disse que passou a perceber Aldemir como uma pessoa ciumenta e que a violentava psicologicamente.

"Se tornou ciumento ao extremo, implicava com a minha roupa e reclamava se eu falava com homens. Ele passou a praticamente morar comigo. A situação foi se agravando quando ele começou a me agredir fisicamente.

Eu senti vergonha do que acontecia, mas não me senti encorajada a denunciar. Não me sentia à vontade de contar para os meus familiares o que acontecia comigo. Até que chegou a uma violência muito grave. Acredito que só estou aqui graças a um vizinho meu, que me socorreu", conta a vítima.

A última agressão a que ela se refere foi a que resultou no início da investigação da Polícia Civil. A vítima noticiou os fatos, que passou a ser apurado pelas autoridades, ainda no fim do último mês de maio.

"A violência foi crescendo aos poucos. Eu apanhei, eu fui agredida psicologicamente e emocionalmente. Eu fiquei em uma situação que não tive outra opção a não ser denunciar. Isso me causou muita vergonha. Pensei: eu, profissional do Direito, vivenciei isso e não percebi de cara", diz Mariane.

SUSPEITO SEGUE EM LIBERDADE

Segundo a advogada, o que a fez perceber a gravidade da situação foi quando os parentes dela começaram a ser ameaçados. Mariane fala que ainda hoje, mesmo com a medida protetiva, se sente coagida por Aldemir e deseja que ele seja preso, para poder novamente se sentir em segurança.

"Ele sempre deixou claro através de terceiros que eu me calasse. Mesmo que de forma indireta ele nunca parou de me agredir. Hoje, o maior medo que eu tenho, ainda que eu tenha medida protetiva, é que ele venha atrás de mim. O maior receio que eu tenho é que ele faça algo grave a mim ou a algum familiar meu. Eu fui, reiteradas vezes, espancada"
Mariane
Vítima sobrevivente da violência doméstica

A reportagem questionou a Polícia Civil do Ceará (PCCE) sobre o andamento da investigação do caso e se há mandado de prisão para Aldemir. Após a publicação desta matéria, o órgão informou, nesta segunda-feira (20), que a "Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Fortaleza mantém as investigações de um crime no âmbito da violência doméstica. Detalhes sobre o caso e a identificação do suspeito e da vítima serão preservados para não comprometer o trabalho investigativo, que está em andamento". No entanto, a Polícia não respondeu sobre existência do mandado de prisão.


CASO JAMILE

Conforme denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE), Aldemir é responsável pela morte da empresária Jamile de Oliveira Correia. Ele foi denunciado pelo feminicídio, lesão corporal, fraude processual e porte ilegal de arma de fogo.

O crime aconteceu em agosto de 2019. Na época, o casal mantinha relacionamento conturbado.

Quando Jamile deu entrada no Instituto Doutor José Frota (IJF), a suspeita é que ela havia tentado suicídio. O caso foi comunicado à Polícia Civil, que passou a tratar o fato como feminicídio. A tese passou a ser considerada pelos investigadores comandados pela delegada Socorro Portela, e o adjunto da distrital Felipe Porto..

Em setembro de 2019, um dos laudos da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) apontou que o DNA da empresária só foi encontrado na extremidade do cano da pistola calibre 380. De acordo com o laudo, no restante da arma foram encontrados material genético de Aldemir e do policial civil responsável por apreender o objeto parte da investigação.

No fim de setembro aconteceu a reprodução simulada dos fatos. O adolescente filho de Jamile participou da reconstituição, mas Aldemir não. Para o Ministério Público, "levando-se em consideração tudo apresentado na presente peça processual, bem como o comportamento do réu durante toda a investigação, a dúvida que resta é se, quando do novo ataque proferido por Aldemir, dentro do closet, ele agiu com dolo direto ou eventual em gerar a morte da vítima, não restando dúvida, pois, da existência do dolo". 

Legenda: A empresária Jamile Correia morreu por volta de 7h do dia 31 de agosto de 2019, no IJF
Foto: Foto: Reprodução

Sobre a acusação de fraude processual, o órgão apontou que Aldemir tentou atrapalhar a investigação inovando "artificiosamente, em elementos probatórios e informativos". Um dos fatos recordados na denúncia foi o momento que o acusado deu ordens ao porteiro do prédio residencial para que o porteiro limpasse as manchas de sangue e que a diarista limpasse todo o apartamento.

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