Torcedor preso no Castelão por reconhecimento facial tem tornozeleira retirada, e Justiça apura suposto caso de homônimo

Daniel da Silva diz que foi "confundido", "detido por engano" e fala em voltar a trabalhar

(Atualizado às 19:15)
Captura de tela de câmera de videomonitoramento que flagrou prisão de torcedor no Castelão
Legenda: Suspeito foi abordado por policiais militares na arquibancada da Arena Castelão
Foto: Reprodução/SSPDS

O homem preso na Arena Castelão, durante a partida de futebol entre Fortaleza e Ceará (primeiro jogo da final do Campeonato Cearense 2025), no último sábado (15), e solto em audiência de custódia ainda no domingo (16), sob monitoramento eletrônico, agora teve a tornozeleira retirada. O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) fala em "suposto caso de homônimo".

Daniel da Silva esteve na tarde desta quinta-feira (20), na Casa de Ressocialização da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), em Fortaleza, onde foi retirada a tornozeleira, após decisão da Justiça estadual, conforme apurou a reportagem.

Sobre o que motivou a mais recente decisão judicial de suspender o monitoramento eletrônico, a reportagem questionou o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). O TJCE informou em nota que "o Juízo da 1ª Vara de Execuções Penais da Comarca de Fortaleza proferiu decisão, nesta quinta-feira (20/03), suspendendo, temporariamente, a execução da pena do apenado Daniel da Silva, filho de Maria das Graças da Silva, nascido em 16/07/1984, no Município de Quixadá, para apuração de suposto caso de homônimo".

Ainda nos dias seguintes à prisão, Daniel disse nas redes sociais que foi "confundido e detido por engano". 

"Com a decisão, o Judiciário determinou a imediata retirada de tornozeleira eletrônica, recém-instalada, até que a qualificação do apenado seja retificada ou ratificada pelo Juízo da 6ª Vara Criminal de Fortaleza, responsável pelo processamento dos autos de origem (vara da condenação), diante de possível divergência na data de nascimento e naturalidade do condenado, dentre outros dados cadastrais"
Trecho da nota do TJCE

"O Judiciário informa ainda que a decisão foi tomada de ofício, pois não consta, até o momento, pedido formulado pela defesa de Daniel", acrescentou o TJ.

A Defensoria, que assiste Daniel, disse que na próxima semana deve conceder entrevista, após analisar o caso. Em caso de atualização e novas informações divulgadas pelo Tribunal de Justiça e Defensoria Pública, a matéria será atualizada.

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Daniel sustenta que não cometeu os crimes de receptação, porte ilegal de arma de fogo e corrupção de menores em 2016, como aponta o mandado de prisão cumprido pela Polícia Militar do Ceará (PMCE) contra ele, no estádio.

"É um peso que sai da minha consciência... é complicado. Prestem atenção para não cometer mais um erro desse grosseiro, cruel"
Daniel da Silva

Ele acrescentou que nos últimos dias não pode trabalhar: "Um pai de família que estava trabalhando e não podia mais sair, não pude ir comprar o pão... falta de respeito com o cidadão. (...) Tiveram vários erros, não foi só um, dois, três, quatro".

solto
Legenda: Daniel teve a tornozeleira retirada na tarde desta quinta-feira (20)
Foto: Matheus Facundo

CUMPRIMENTO DO MANDADO

Daniel disse ao Diário do Nordeste que passou uma humilhação "que não deseja a ninguém": "é ruim demais, já chorei, não consigo comer direito. Tenho trabalho pra fazer, mas não consigo. Eu trabalho, sou pai de família e tenho que pagar minhas contas. Tô só atrás do meu direito. Deus sabe que não fui eu".

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A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) disse que "o cumprimento do mandado de prisão foi realizado de forma correta e não houve erro no reconhecimento facial. Os dados constantes do mandado de prisão, expedido pela 1ª Vara de Execuções da Comarca de Fortaleza, em outubro de 2023, estavam em concordância com as informações da pessoa conduzida, confirmando o correto cumprimento do mandado expedido pela justiça".

A Secretaria destaca que "sobre a alegativa de falha no processo judicial por receptação, iniciado em 2016, deverá ser objeto de análise judicial".

Em última nota divulgada, na última terça (18), a Defensoria Pública do Estado do Ceará informou que presta atendimento ao assistido e vem analisando se "há algum equívoco".

“A instituição reforça seu compromisso com a ampla defesa e o devido processo legal, assegurando que toda pessoa em situação de vulnerabilidade tenha acesso à justiça e à orientação jurídica necessária”
Defensoria Pública

Ainda no início desta semana, o TJ falou que “no mandado de prisão em desfavor de Daniel da Silva, expedido pela 1ª Vara de Execuções Penais da Comarca de Fortaleza, constava a determinação de que, quando houvesse a prisão dele, o juiz que realizasse a custódia deveria expedir o alvará de soltura mediante tornozelamento eletrônico, com advertência sobre as condições da pena que ele deveria cumprir. E assim foi feito durante o plantão”.

O Tribunal disse também que “é importante destacar ainda que, durante a audiência de custódia, a defesa de Daniel da Silva, patrocinada pela Defensoria Pública estadual, nada apresentou ou requereu no tocante à qualificação do custodiado, tampouco informou que o caso poderia se tratar de suposto ‘homônimo’. Como procedimento comum, os autos foram encaminhados ao Juízo que expediu a ordem de prisão para seguimento do trâmite processual. Qualquer alegação que venha surgir judicialmente será devidamente analisada pelo Poder Judiciário”.

CRIME DE FURTO

Daniel tem uma pequena empresa de retífica de motores de veículos, há cinco anos. Ele reconhece que respondeu a um crime de furto, ocorrido em 2003, que prescreveu em 2019. E, desde então, não tinha conhecimento de pendências na Justiça. Ele conta que é sócio-torcedor do Fortaleza há 3 anos, que costuma ir ao estádio, que vendeu um carro no fim de janeiro - tendo repassado a documentação formalmente - e ainda que recebeu uma abordagem policial há 3 semanas e foi liberado, e nunca havia sido informado sobre processo criminal.

O empreendedor detalha que fez o cadastro no novo sistema de reconhecimento facial da Arena Castelão, antes do jogo do último sábado. Porém, no setor onde ele foi assistir ao jogo, Inferior Sul, não era obrigatório o cadastro. Pouco tempo depois de ingressar no estádio, ele foi surpreendido pela abordagem de policiais militares na arquibancada, que o levaram preso para a delegacia.

A prisão durou cerca de 24 horas. Ao passar pela audiência de custódia, Daniel da Silva foi informado que poderia cumprir a pena de quatro anos e oito meses de prisão em regime semiaberto, com uso de tornozeleira eletrônica.

CONDENAÇÃO

Conforme documentos obtidos pelo Diário do Nordeste, um homem com os mesmos dados pessoais (nome, nome da mãe, CPF e data de nascimento) do homem preso na Arena Castelão foi condenado pela 6ª Vara Criminal de Fortaleza a 4 anos e 8 meses de prisão, pelos crimes de receptação, porte ilegal de arma de fogo e corrupção de menores, em sentença datada de 22 de abril de 2020.

A denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE) aponta que Daniel da Silva e um adolescente foram capturados após a dupla colidir uma motocicleta roubada com um carro, durante a fuga, na Avenida Leste-Oeste, em Fortaleza, no dia 10 de novembro de 2016.

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O adolescente teria roubado a motocicleta no Centro de Fortaleza. Ao colidir o veículo, a arma de fogo utilizada no crime caiu e disparou um tiro que atingiu o suspeito identificado como Daniel da Silva, na perna. Ele foi levado ao hospital Instituto Doutor José Frota (IJF).

O suspeito identificado como Daniel da Silva foi solto pela Justiça Estadual, com aplicação de medidas cautelares, no dia 15 de dezembro de 2016. O adolescente apreendido junto dele informou que estava na companhia de "Igor Daniel da Silva", mas a informação não foi considerada pelos órgãos de Justiça. O processo continuou com "Daniel da Silva" como réu, mas ele não foi localizado, até o último sábado.

Leia nota do Tribunal de Justiça do Ceará na íntegra

O Juízo da 1ª Vara de Execuções Penais da Comarca de Fortaleza proferiu decisão, nesta quinta-feira (20/03), suspendendo, temporariamente, a execução da pena do apenado Daniel da Silva, filho de Maria das Graças da Silva, nascido em 16/07/1984, no Município de Quixadá, para apuração de suposto caso de homônimo.

Com a decisão, o Judiciário determinou a imediata retirada de tornozeleira eletrônica, recém-instalada, até que a qualificação do apenado seja retificada ou ratificada pelo Juízo da 6ª Vara Criminal de Fortaleza, responsável pelo processamento dos autos de origem (vara da condenação), diante de possível divergência na data de nascimento e naturalidade do condenado, dentre outros dados cadastrais. 

O Judiciário informa ainda que a decisão foi tomada de ofício, pois não consta, até o momento, pedido formulado pela defesa de Daniel.

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