Erro no cadastro de celular apreendido resulta na absolvição de 12 acusados de integrar facção GDE
Após a publicação da sentença de absolvição, o erro foi corrigido pela Polícia Civil, o celular encontrado pela Pefoce e a extração dos dados do aparelho realizada

Uma informação errada inserida em ofício acerca de um celular apreendido por policiais civis com provas que poderiam incriminar um grupo de acusados resultou na absolvição de 12 homens denunciados por integrar a facção criminosa Guardiões do Estado (GDE).
Prisões, investigação e denúncia acabaram, em parte, "invalidadas" quando a Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) comunicou a Justiça que "após revisão minuciosa dos registros de recebimento e das evidências físicas encaminhadas, confirmamos que tal equipamento não constava entre os materiais entregues a este Núcleo".
Meses depois da comunicação e, após já serem expedidos os alvarás de soltura para este grupo, o celular reapareceu. Conforme documento obtido pela reportagem, o IMEI (Identificação Internacional de Equipamento Móvel) havia sido informado ou catalogado com número errado.
Em 2021, por meio de ofício a Denarc assumiu que partiu dela o "equívoco no registro do aparelho apreendido... No ofício encaminhado à Pefoce constavam IMEIs diferentes dos vinculados ao aparelho, razão pela qual a Denarc solicitou a devolução do celular àquele órgão para fins de verificar o ocorrido, quando perceberam o equívoco em seu registro".
Só depois da publicação da sentença, que já transitou em julgado, no dia 7 de setembro de 2024, a Pefoce apresentou a extração de dados do celular objeto de apuração. Foi então determinada a juntada do laudo pericial de extração de dados do aparelho para todos os processos desmembrados de outros réus que ainda não tinham sido julgados.
Veja também
Com as provas validadas, em abril deste ano veio a sentença de outros quatro acusados. Três foram absolvidos e soltos e um condenado. André Florindo da Silva foi sentenciado com pena de cinco anos e seis meses de prisão.
foram acusadas, no total
A reportagem questionou Polícia Civil, Pefoce e Ministério Público do Ceará sobre o caso. Em nota, a "Perícia Forense do Ceará (Pefoce) informa que o aparelho em questão não foi extraviado e que, com a utilização de equipamentos modernos, o exame pericial foi concluído. A Pefoce reforça seu compromisso com a excelência técnica, a integridade das provas e a transparência institucional".
O MP informou que não iria se manifestar. A Polícia Civil não respondeu até a edição desta matéria.
ENTENDA O CASO
Tudo começou no dia 6 de dezembro de 2019. Nesta data foram presos José Ferreira Rodrigues e Emanuel Guilherme Nascimento, devido aos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico. Com Emanuel, que segundo a acusação tem função de "punição e julgamento dos membros faccionados que estão em atraso no pagamento da caixinha da referida organização criminosa" foi apreendido um celular.
O aparelho foi analisado pelo setor de Inteligência da Delegacia de Narcóticos que constatou envolvimento de Emanuel com a facção GDE, identificando ainda diversos membros da facção envolvidos com outros crimes. No entanto, "os relatórios foram produzidos mediante análise direta do smartphone, não havendo as mídias do programa Cellebrite", que é o necessário para as partes do processo terem acesso na íntegra.
O Ministério Público passou a intimar as autoridades correspondentes a realizarem a "extração integral dos dados do aparelho de telefonia celular apreendido (áudios, imagens, vídeos etc) e a partir daí gerar às mídias, que deverão ser juntadas no presente processo".
Foi quando a Delegacia de Narcóticos disse não possuir o celular. Em ofício expedido em setembro de 2023, a Polícia Civil disse que em outubro de 2021 enviou o aparelho à Pefoce e até aquela data não tinha recebido o celular de volta, "tampouco o laudo pericial foi acostado ao Sistema de Informações Policiais (SIP) razão pela qual resta prejudicado o encaminhamento das mídias requisitadas".
Meses se passaram, tendo o Judiciário novamente questionado sobre as provas. Até que em abril de 2024 a Pefoce envia documento oficializando a ausência do aparelho: "Após revisão minuciosa dos registros de recebimento e das evidências físicas encaminhadas, confirmamos que tal equipamento não constava entre os materiais entregues a este Núcleo". A Pefoce foi induzida ao erro, pois o número do IMEI informado não era do aparelho que estava para ser periciado.
'FALHA NO APARELHO ESTATAL'
Os juízes da Vara de Delitos de Organizações Criminosas destacaram na primeira decisão pela soltura dos réus que restou o excesso de prazo "provocado por falha no aparelho estatal, mormente quando a mídia deveria se encontrar nos autos há tempos, de modo que está configurado o constrangimento ilegal pela manutenção da prisão dos acusados por mais de dois anos, sem que tenham sido proferida sentença de mérito, e necessitando o feito, ainda, de realização de diligências".
"Já houve mais de uma determinação expressa da realização da extração de dados e encaminhamento das mídias correspondentes à extração de dados do celular apreendido"
O processo seguiu, foram ouvidas testemunhas e interrogados os acusados, mas na época, a instrução não foi encerrada devido à pendência da perícia: "destaco que não se trata de apenas aguardar a resposta dos respectivos órgãos. Houve resposta formal da DENARC e da PEFOCE afirmando que sequer têm o celular para realização da perícia", ainda conforme os magistrados.
Após as respostas dos órgãos sobre o "sumiço" do celular, a instrução foi encerrada e julgados improcedentes os pedidos de denúncia, absolvendo os acusados de integrar a GDE, Francisco Rômulo Viana da Silva, José Luís Pontes da Silva Lessa, Robson Gonçalves de Sousa, Santiago de Souza Silva, Pedro Edinaldo da Silva, Douglas Alves Barros da Silva, Thiago Holanda de Oliveira Melo, Rogério Alves de Sousa, Paulo Sérgio Viana Severo, Marta Helena do Nascimento, Nilberto Fernandes Brito e Francisco Robério da Silva Serra.
O colegiado disse ainda que "tendo em vista que houve aparente extravio do celular enviado a Pefoce e diante da consequência processual, comunique-se ao órgão correcional da Pefoce para ciência e adoção das medidas devidas". A Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) foi procurada pela reportagem e disse que "foi comunicada e está investigando o caso".
OUTRO PROCESSO, NOVA DECISÃO
Em setembro de 2024, a Pefoce retificou ofício enviado anteriormente de que o material não tinha sido encontrado. No novo posicionamento enviado à Justiça junto ao laudo, o órgão afirmou que "tendo o mesmo sido localizado em nossa custódia após busca minuciosa de nossos servidores".
Durante o trâmite do outro processo que ainda não havia sido julgado, as defesas dos quatro réus se posicionaram pedindo a nulidade da prova (apreensão do celular), mas os magistrados consideraram que "embora, à primeira leitura, de fato haja uma falha, pois não é razoável que se afirme, em ofício, o extravio do celular e, posteriormente, após uma sentença absolutória, ele seja apresentado sem qualquer justificativa jurídica para a permanência do aparelho por três anos sem o cumprimento da ordem judicial, especialmente considerando que o procedimento em questão não aparenta maiores complexidades, mormente por se tratar apenas da extração de dados de um celular, entendo que esses fatos não possuem o condão de tornar a prova nula".
Para os juízes, a "omissão inicial de juntada da integralidade da mídia foi sanada pela nova extração de dados a partir de software oficial e confiável, não tendo apresentado a defesa qualquer dado ou informação que aponte uma evidência científica concreta de adulteração da prova".
As condutas dos denunciados foram individualizadas e os réu André Florindo foi condenado. Já os outros acusados, Maria Fernanda Gonçalves de Sousa, Alisson Luiz Gonçalves Diniz e Wesley Janiel dos Santos Lima, foram inocentados por falta de provas.
Sobre Florindo, o réu disse que seu envolvimento com a GDE "ocorreu quando era mais jovem e sob má influência. Ressaltou que, atualmente, está regenerado e afastado da vida criminosa, tendo se dedicado ao trabalho antes de ser preso". Os julgamentos de outras dezenas de acusados nos processos desmembrados deste caso seguem aguardando julgamento.
>> Acesse nosso canal no Whatsapp e fique por dentro das principais notícias.