Central de golpes: organização criminosa do Rio Grande do Sul fez vítimas no Ceará
Segundo os investigadores, organização criminosa tinha 18 integrantes. Valores obtidos de forma criminosa chegavam a R$ 40 mil por pessoa.
Uma organização criminosa do Rio Grande do Sul foi desarticulada após fazer dezenas de vítimas por meio de técnicas de obtenção de dados dos clientes. Apesar da distância de mais de 4 mil km, a tecnologia encurtou a distância e moradores do Estado do Ceará foram prejudicados pelos golpes aplicados pela quadrilha. Na última semana, após mais de dois anos de investigação, a Justiça começou a condenar os responsáveis.
O objetivo dos fraudadores era tirar dinheiro de servidores públicos, aposentados e pensionistas que possuíam empréstimo consignado - aquele em que a prestação é descontada diretamente do salário. A primeira vítima a denunciar o golpe perdeu cerca de R$ 14 mil em janeiro de 2023, em Juazeiro do Norte.
Segundo documentos obtidos pela reportagem, o grupo criminoso era formado por 18 pessoas. A Justiça decidiu desmembrar o processo e analisar cada integrante separadamente. Uma das acusadas que foi condenada é Priscila dos Santos Maciel.
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A mulher, conforme o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), era uma das responsáveis pela abertura de empresas de fachada usadas para enganar as pessoas e pelo recebimentos dos valores obtidos a partir das condutas criminosas. Priscila foi condenada a 6 anos e 5 meses em regime fechado pelo crime de organização criminosa.
A decisão foi publicada na última segunda-feira (3). A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Priscila. O espaço segue aberto para futuras manifestações.
Os outros 17 acusados por participação no grupo criminoso são Albino Aristeu de Souza Malaquia, Cleverson Goldas de Brito, Eder Silvio Cavalheiro Gonçalves, Luciana Cardoso Vieira, Deivison Ayres Ferreira, Danielle Zanetti Malaquia, Cleriston Dombrowski Goldas de Brito, Erika Raquel Alves Luiz, Karen Taciane da Silva, Vitória dos Santos Pereira, Madonna Mariana da Silveira Veiga, Eveline Ronzani de Jesus, Juliana da Silva, Daniele Vargas da Silva, Luis Fernando Alves, Bruna Daniele Maciel de Camargo e Roberta Cristina Spadotto.
Modus operandi
A quadrilha tinha acesso a diversos bancos de dados com informações sobre pessoas que possuíam empréstimo consignado. Eles sabiam, inclusive, o valor do empréstimo e a quantidade de parcelas. As vítimas eram sempre servidores públicos, aposentados ou pensionistas.
Os suspeitos ligavam para as vítimas de diferentes números se passando por alguma organização financeira e oferecendo a quitação dos empréstimos consignados antigos da pessoa. A condição para isso era a vítima realizar um novo empréstimo consignado, que teria menos parcelas e ainda geraria um reembolso.
Muitas vítimas chegavam a desconfiar da proposta tão vantajosa, mas acabavam caindo no golpe mesmo assim.
O ritmo das ligações era frenético. Assim que se encerrava um telefonema para uma potencial vítima, outras pessoas já eram contactadas. A proposta feita era sempre de “compra de dívidas”.
Depois que a vítima aceitava realizar o novo empréstimo para quitar as dívidas antigas e que o dinheiro caía na conta, ela tinha que transferir o valor para um dos golpistas. A promessa era que, após fazer isso, a vítima receberia o prometido reembolso e os empréstimos anteriores seriam cancelados.
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No entanto, na realidade, depois da transferência, os golpistas sumiam. Com o novo empréstimo, as vítimas só ficavam ainda mais endividadas, já que os anteriores, que elas já tinham feito, não eram quitados.
A polícia interceptou as ligações e constatou que, muitas vezes, os telefonemas partiam de um único local, evidenciando que os golpistas estavam compartilhando uma mesma sala ou ambiente físico. Isso mostrou que o grupo trabalhava como um verdadeiro call center de golpes.
As ligações para as vítimas eram realizadas, na maioria das vezes, por mulheres.
A polícia também identificou que o primeiro contato com as vítimas se dava por meio de ligações telefônicas que duravam aproximadamente 1 minuto, mas as tratativas finais eram realizadas pelo WhatsApp, justamente para evitar interceptações telefônicas. No aplicativo de mensagens, os golpistas pressionavam as vítimas a aceitarem logo a proposta.
O histórico de utilização do aplicativo bancário pelos golpistas também foi analisado. Ao fazer o tratamento das informações selecionando somente os dados que contavam com geolocalização, a polícia chegou a endereços em Canoas e na Região Metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Além disso, foi constatado que, após o recebimento do dinheiro, os valores eram enviados para outras contas bancárias. Também eram realizadas movimentações para as empresas Fieza Assessoria e CredSim Soluções Financeiras, ambas possivelmente de fachada.
Crimes cometidos
Segundo a denúncia do Ministério Público, os integrantes do grupo cometeram os crimes de estelionato, por meio de fraude eletrônica e falsidade ideológica, organização criminosa e lavagem de dinheiro. A materialidade criminosa, além da prova técnica advinda da interceptação telefônica e telemática, partiu da quebra de sigilo bancário e de relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). As movimentações financeiras encontradas eram incompatíveis com a capacidade econômica dos acusados.
Ainda conforme a denúncia do MPCE, os líderes da organização criminosa eram Cleverson Goldas de Brito, Deivison Ayres Ferreira e Danielle Zanetti Malaquia. Já Luciana Cardoso Vieira, Eder Silvio Cavalheiro Gonçalves, Erika Raquel Alves Luiz, Karen Taciane da Silva, Vitória dos Santos Pereira, Eveline Ronzani de Jesus, Juliana da Silva e Priscila dos Santos Maciel eram responsáveis pela abertura de empresas de fachada e pelo recebimento dos valores obtidos a partir das condutas criminosas, que depois eram transferidos aos líderes do grupo.
O núcleo de membros da organização criminosa que se encarregava de receber valores, adquirir bens com o objetivo de ocultar a origem ilícita do dinheiro e até mesmo alugar o imóvel onde funcionava o call center dos criminosos era composto por Cleriston Dombrowski Goldas de Brito, Albino Aristeu de Souza Malaquia e Luis Fernando Alves Azevedo. A operacionalização dos golpes era executada por Madonna Mariana da Silveira Veiga, Roberta Cristina Spadotto e Bruna Daniele Maciel de Camargo. Esse núcleo realizava os contatos telefônicos com as potenciais vítimas, tanto por meio de ligação, quanto por intermédio do WhatsApp.
Bloqueio de bens
Priscila dos Santos Maciel foi a única condenada até agora, mas a Justiça decretou a prisão preventiva e o bloqueio dos bens do restante dos integrantes do grupo. Conforme documentos obtidos pela reportagem, os valores que cada membro conseguia de forma criminosa chegavam à casa dos R$ 40 mil.
Diante disso, a interrupção das condutas criminosas dos denunciados se tornou indispensável para preservar a integridade de futuras vítimas atingidas e a ordem pública. A probabilidade elevada de os acusados voltarem a realizar os golpes também contribuiu para a decisão da Justiça.
Defesa
A defesa de Priscila dos Santos Maciel alegou, no processo, que não há provas suficientes para a condenação. As advogadas também afirmaram que a prova técnica apresentada nos autos não foi produzida por um órgão especializado e imparcial, como o Instituto Geral de Perícias do Estado.
Para a defesa, isso comprometeu a validade probatória e a tornou insuficiente para embasar a condenação. As advogadas pediram, então, o reconhecimento da nulidade das provas. As defesas dos outros integrantes da organização criminosa não foram localizadas.
*Estagiária sob supervisão do jornalista Emerson Rodrigues