1º trimestre termina com aumento de 72% número de mortes por intervenção policial no Ceará

Os dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) mostram que 43 pessoas morreram em janeiro, fevereiro e março de 2021 devido a este tipo de ocorrência

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
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Legenda: Especialista em Segurança Pública fala como a violência entre a Polícia torna eles também vítimas do cenário
Foto: Kid Júnior

O primeiro trimestre de 2021 se encerrou com 43 pessoas mortas durante intervenções policiais no Estado do Ceará. Comparado a igual período de 2020, o número é 72% maior. Por trás de cada caso de quem morreu 'pelas mãos da Polícia' há histórias que envolvem desde pessoas suspeitas até mesmo aquelas que as famílias alegam terem sido alvos de erros dos agentes da Segurança Pública.

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Até então, janeiro deste ano foi mês com mais casos: 20. Em fevereiro foram contabilizados 12 ocorrências deste tipo, e em março caiu para 11, conforme estatísticas consolidadas pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS-CE). No primeiro trimestre do ano passado foram 25 registros de mortes por intervenção policial.

Veja gráfico abaixo


O pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Luiz Fábio Paiva, alerta que a violência com a qual a Polícia costuma atuar se concentra nas periferias de todo o Brasil e que ela se volta também para os próprios agentes. Para o sociólogo, existem vários componentes discriminatórios que fazem com que essa Polícia acredite que possa atuar de forma truculenta contra os 'menos abastecidos'.

"O Estado encontrou uma maneira ineficiente possibilitando que policiais entrem nesse território das periferias e atuem de forma violenta. Em nome de um controle territorial que não acontece temos aumento da violência policial e aumento do controle armado dos grupos como as facções. Essa é a ironia. A violência policial não tem efeito na Segurança Pública e no bem-estar da população, pelo contrário, acaba vitimizando parte da população que não tem relação com o crime".

A SSPDS enviou nota à reportagem informando tratar todas as mortes decorrentes de intervenção policial com seriedade e transparência:

As ocorrências são apuradas com instauração de inquérito policial pela Polícia Civil e submetidas à apreciação do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). O Estado possui também a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), uma secretaria autônoma e isenta, com a função de investigar e garantir o devido processo legal e proporcionar a segurança jurídica na avaliação da conduta e correição preventiva de servidores".

Assista entrevista na íntegra

Caso emblemático

Um dos casos de morte em ação da Polícia que mais repercutiu em 2021 no Ceará aconteceu na Comunidade da Babilônia. No dia 22 de fevereiro, o adolescente Francisco Rudson Paulino dos Santos, de 15 anos, entrou para as estatísticas de mortes por intervenção policial no Estado do Ceará.

Rudson representa com exatidão o perfil do jovem que mais é vítima desta tipo de ação. Negro e da periferia. À época, a família do adolescente concedeu entrevista afirmando que o menino não tinha envolvimento com o crime, trabalhava em uma gráfica com o irmão e foi até a Babilônia com os amigos assistir a um campeonato de sinuca.

A Polícia chegou ao local para dispersar a movimentação e em instantes depois começou a truculência, conforme testemunhas.

Espancaram e mandaram correr. Ele queria escapar para não ser morto. A família clama por justiça. Tacaram tijolada na cabeça dos meninos que estavam com ele. Forjaram que eles estavam com droga. Ele não era nenhum vagabundo, era uma criança"

Por nota, a SSPDS disse que equipes da Polícia Militar foram acionadas para atender a ocorrência de disparos de arma de fogo na comunidade, e quando chegaram ao endereço, teriam sido recebidas a tiros e revidaram. Na versão da Secretaria, o adolescente foi encontrado já baleado dentro de uma casa em construção, socorrido pelos agentes.

Agente vítima

E quando morre um policial? Em determinadas ações, quem fica na condição de vítima é o próprio agente, como no assalto na Rua Senador Pompeu, Centro de Fortaleza. No último dia 3 de fevereiro, câmeras de vigilância flagraram ação covarde de dois assaltantes contra um PM.

O cabo Carlos Eduardo Pinheiro Gurgel tentou reagir a um assalto e foi alvejado. O militar chegou a ser socorrido ao Instituto Doutor José Frota (IJF), mas não resistiu aos ferimentos. Nas horas seguintes ao crime, quatro suspeitos foram presos.

O sociólogo Luiz Fábio Paiva destaca que o policial que é colocado em confronto armado constantemente também é a vítima: "Se algo acontece errado com as operações, ele é responsável, nunca é o comando. Ele se torna um alvo. A gente começa uma situação que se vão criando circuitos de vingança".

De acordo com o estudioso do LEV, parte dos agentes, principalmente do policiamento ostensivo, acredita poder controlar essa situação, mas não. "A gente vê muito isso na situação de assalto. A pessoa que está executando a ação e vê que é um policial, ela opta por atirar em função dessa identificação. É preciso repensar nesse sistema para pensar também no bem-estar do policial. Ele que sofre violência e vive hoje em uma situação de saúde mental extremamente precária", pontuou o especialista.

Formação

De acordo com a Secretaria, "os agentes de Segurança Pública participam de cursos de formação inicial e continuada, realizados na Academia Estadual de Segurança Pública (Aesp), baseados na matriz curricular da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que prevê uma formação humanizada e de intervenções técnicas, propiciando a formação de profissionais de segurança pública, preocupados com as questões sociais e a resolução de conflitos".

A Pasta afirma que as capacitações incluem disciplinas de Direitos Humanos, Ética e Cidadania e assuntos como a diversidade social, cultural e a proteção de Grupos Vulneráveis são abordados em atividades extracurriculares e/ou multidisciplinares como fóruns e seminários.

"Durante as instruções especializadas são ministrados módulos sobre a mediação de conflitos, justiça restaurativa, filosofia de polícia comunitária, atuação dos policiais militares no Estado Democrático de Direito e sobre o uso adequado da força", disseram.

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