"Mesmo com vacinação, terceira onda é possível se cuidados não forem mantidos", diz especialista
Avanço da imunização em paralelo à manutenção das medidas não farmacológicas são tidas como essenciais para o combate da pandemia da Covid-19
A equação para pôr fim à pandemia da Covid-19 não é simples como muitos supõem. Tampouco passa por um denominador comum. Avançar na imunização da população, segundo especialistas, é ponto nefrálgico, mas, sozinha, a vacina não terá poderes de cessar a transmissão do vírus que já matou mais de 530 mil pessoas em todo o País.
Então, qual seria a combinação mágica? Para infectologistas e especialistas em saúde pública ouvidos pelo Diário do Nordeste, é necessário, em paralelo à vacinação em massa, manter as medidas não farmacológicas, como o uso de máscara e álcool em gel e a manutenção do distanciamento social. Em alguns casos, até o isolamento restritivo poder ser aplicado.
De forma didática, a importância da junção destes fatores pode ser explicada da seguinte maneira: com a vacinação avançando a passos lentos - somente 14% da população brasileira está imunizada com as duas doses - a transmissibilidade do vírus, ainda alta, inspira cuidados. Soma-se a isso a falsa sensação "de que a pandemia está passando".
Esse pensamento converge em cenas cada vez mais frequentes de aglomerações de norte a sul do Brasil, entre pessoas que tomaram apenas uma dose - e, por conseguinte, não estão completamente imunizadas - e entre àqueles que sequer se vacinaram ainda. Essa combinação pode propiciar um cenário favorável para o vírus e perigoso para nós.
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"A retirada das medidas protetivas e o não complemento do esquema vacinal com as duas doses permitem que o vírus se estabeleça e mantenha sua transmissibilidade", alerta Sayonara Cidade, presidente do Conselho das Secretárias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems-CE) e especialista em Saúde Pública e Gestão dos Sistemas Locais de Saúde, pela Escola de Saúde Pública do Ceará.
A circulação de pessoas sem imunidade, paralelo à circulação ativa do vírus, podem favorecer o surgimento de novas cepas. O risco, além de postergar a pandemia, são possíveis variantes com algum grau de resistência e cujos imunobiológicos desenvolvidos até agora não tenham total eficácia.
A médica infectologista e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Mônica Façanha, alerta que quando há muitas pessoas em circulação, há chance de o vírus se adaptar e se tornar mais letal e contagioso.
"O surgimento de mutações é um evento natural do vírus. Quando o RNA se replica, não há um controle de qualidade nessa replicação. Na maioria das vezes, essas diferenças [na replicação] que podem ser pequenas ou grandes, são ruins para o vírus e piora sua sobrevivência. Mas, às vezes, pode ser benéfica e torna o vírus mais eficiente", explica.
Terceira onda
Essas chances de evolução do vírus se maximizam diante do cenário de vacinação lenta e aglomeração de pessoas sem respeito às medidas não farmacológicas. Para Façanha, o surgimento de novas cepas pode incidir em uma terceira onda.
Podemos sim pensar em uma terceira onda caso surjam novas variantes. As pessoas podem achar que essa nova onda será menos impactante por termos um percentual de brasileiros completamente imunizados, mas ainda estamos falando de 80% da população do País sem a imunização completa. É um número alto.
A presidente do Cosems acrescenta que um estudo liderado pelo Instituto Pasteur, da França, indicou que a variante Delta é 60% mais contaminante que as demais e vem ocasionando surto epidêmico nos Estados Unidos, Reino Unido e Indonésia.
"Assim sendo, a ampliação da imunização, principalmente da segunda dose, a manutenção do uso da máscara, a redução de aglomerações permanecem essenciais neste controle", reforça Sayonara.
Para afastar esse risco, Façanha ecoa as recomendações de Sayonara Cidade quanto à prevenção mesmo daquelas pessoas já completamente vacinadas.
"Precisamos entender que a vacina não deixa a pessoa imune a infecção. Ela pode se infectar. O que muda é que essa pessoa tem as chances reduzidas de casos graves que possam evoluir para internação ou óbito. Mas ainda podem transmitir o vírus".
Preocupação extra
A chegada do mês de julho traz uma carga maior de preocupação. Ambas especialistas alertam que este período, marcado pelo alto fluxo de pessoas devidos às férias, pode ser um marco no controle da pandemia.
"Estamos caminhando [para o combate à pandemia]. Identificamos uma evolução boa em relação à redução de casos e óbitos, mas, temos ainda uma parcela muito grande a se vacinar. Portanto, nesse mês de férias, com o risco de aglomeração maior, a atenção e os cuidados devem ser redobrados para não termos surto de casos", avalia Mônica Façanha.
Sayonara lembra que, a margem de segurança para existência de uma proteção de barreira, "é quando se alcança a cobertura de vacinas para 85% da população, no mínimo".
Já infectologista e docente da UFC conclui que o vírus, sem circulação, não se replicará. Não se replicando, não sofrerá mutação e, por sua vez, sem mutações, as vacinas atuais seguirão seguras e eficientes.
A intensificação da imunização e, principalmente, a aplicação da segunda dose, onde completa o esquema vacinal, torna-se essencial para a proteção populacional. Paralelo a isso, a manutenção das medidas preventivas.