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Qual o perfil do Congresso Nacional que vai avaliar novo Plano Nacional de Educação

Oposição e retrocessos são temidos por envolvidos no desenvolvimento de políticas públicas para a educação

Escrito por Bruno Leite , bruno.leite@svm.com.br
Sala de aula
Legenda: A lei norteará a política educacional brasileira pelos próximos dez anos.
Foto: Fabiane de Paula

Enviado pelo Governo Federal na última quarta-feira (26), o Plano Nacional de Educação (PNE) deverá ser uma das pautas de destaque no Congresso Nacional ao longo dos próximos meses. A pauta chegou à Câmara dos Deputados em pleno período junino — quando houve uma baixa participação de parlamentares por conta da flexibilização da presença pela Mesa Diretora — e às vésperas do recesso legislativo — momento em que os trabalhos serão suspensos por 14 dias. 

O PNE é mais um assunto a ser incluído no rol de proposições de interesse do atual governo. Estão nesta relação projetos de lei como o que renovou a Lei de Cotas, o que implementou o Programa Escola em Tempo Integral, o que instituiu o Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas e a retirada do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) do Teto de Gastos. 

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A proposição foi direcionada para o Legislativo pelo Ministério da Educação (MEC) e substituirá o Plano anterior — que vigoraria até junho e acabou sendo prorrogado até dezembro de 2025. Até ser remetida ao Palácio do Planalto para sanção presidencial, a proposta ainda deve passar pelas instâncias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, onde poderá sofrer alterações.

O texto foi elaborado a partir de contribuições de um grupo de trabalho e após rodadas de debates com representantes da classe política e da sociedade. É ele que norteará a política educacional brasileira pelos próximos dez anos. Na primeira Casa onde o projeto de lei tramitará, segundo envolvidos no desenvolvimento de políticas públicas para a educação, ele terá que percorrer um caminho com possíveis intervenções da oposição.

Desafios do PNE na tramitação

Conforme a coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, a tramitação envolve alguns desafios. Eles estão relacionados a alterações no texto-base que possam promover o que ela considera como retrocessos e com a necessidade de modificações que possam abranger pontos que ficaram de fora da redação atual.

“Vamos ter o desafio de não só segurar potenciais retrocessos que grupos avessos aos direitos humanos podem tentar imprimir como também ampliar e aprofundar em diversas dimensões que ainda estão faltando para a garantia de um plano que seja avançado o suficiente para os próximos dez anos e para recuperar o que não foi feito até aqui em termos de acesso, qualidade e permanência em todas as etapas e modalidades da educação”, disse Pellanda ao Diário do Nordeste.

A organização coordenada por ela publicou, na última segunda-feira (1º), uma nota técnica em que foi analisado o PNE. Apesar de considerar avanços no âmbito da equidade e na definição do financiamento das ações, a instituição indicou, dentre outros aspectos, que ainda é preciso uma sinalização de como deverá ser “a articulação da política educacional com planos de desenvolvimento econômico e social que viabilizem a realização dos objetivos, metas e estratégias”.

A mesma entidade apresentou, na terça-feira (25), um balanço do Plano Nacional de Educação 2014–2024. O levantamento da Campanha apontou que 90% das metas do Plano foram descumpridas, 10% foram cumpridas, 13% sofreram retrocesso e 35% têm lacunas de dados.

O receio de haver retrocessos, como mencionado por Pellanda, é compartilhado pelo deputado federal Idilvan Alencar (PDT), 2º vice-presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. “A gente tem receio, sim, até porque o Congresso Nacional, se você for ver o resultado da eleição, está lá uma grande quantidade de pessoas conservadoras, que cercam. Então a gente tem”, frisou o pedetista. 

Idilvan, no entanto, salientou que acredita na incidência da classe docente no assunto. “Eu aposto muito na mobilização dos educadores. Eu até brinco que, no pior governo para a educação, aprovamos a melhor coisa, que foi o novo Fundeb”, disse, referindo-se à Emenda Constitucional 108, que tornou permanente uma das principais fontes de financiamento da educação no País. Segundo ele, a aprovação resultou da pressão dos professores.  

De acordo com Idilvan, a tramitação da proposta ainda não está definida, uma vez que a matéria foi protocolada em um momento de pouca assiduidade dos colegas do Legislativo, um encontro entre lideranças partidárias, o presidente e o vice-presidente da Comissão de Educação deverá apontar qual será o passo a passo do PNE. “Vamos ter uma reunião na quarta-feira de manhã. Vamos discutir exatamente esse ponto, porque não está claro. Apenas foi entregue ao Congresso e num período em que não estava exigindo presença. Não tinha praticamente ninguém”, apontou.  

O 2º vice-presidente ainda acrescentou que tem uma posição de como deverá ser o rito: que seja montada uma Comissão Especial para apreciar o texto antes mesmo dele ser direcionado para as comissões temáticas e votado no Plenário Ulysses Guimarães. Audiências públicas também estão no raio de defesa do parlamentar cearense. Isso evitaria que a matéria avançasse “a toque de caixa”.

Condições adversas e outros projetos

Somado a esse cenário, considerado adverso pelos, está a própria presidência do colegiado, sob a batuta do deputado federal Nikolas Ferreira (PL), membro do bloco de oposição e aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O parlamentar foi eleito para a função em março, sob fortes críticas de governistas, que alegam um apelo ideológico do político na postura que seu mandato assume na Casa e que ele poderia obstruir o avanço de pautas prioritárias para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Até aqui, pautas de interesse do Executivo no campo da educação seguiram dinâmicas de tramitação distintas no Congresso Nacional, mas com desfechos positivos. A primeira delas, sancionada no fim de julho do ano passado, foi a proposição que criou o Programa Escola em Tempo Integral, que graças a um pedido de urgência constitucional, ingressado pelo Governo Federal, seguiu um ritmo acelerado nas duas casas. Entre a proposição inicial e a transformação em lei, foram necessários menos de três meses. 

Em agosto de 2023, foi a vez da sanção do Arcabouço Fiscal, enviado pelo Planalto em abril daquele ano. Transformada em Lei Complementar, ela estipulou o limite de gastos da administração federal e que, após passar pelo Senado, devido a uma mobilização da bancada da educação no Congresso, deixou o Fundeb fora da regra que limitaria os investimentos no setor. A tramitação durou 4 meses.

Nikolas Ferreira e Camilo Santana
Legenda: Enviado ao Congresso na última semana, PNE deverá ser uma das matérias de destaque ao longo dos próximos meses.
Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Outra revisão necessária foi a da Lei de Cotas, que completou o ciclo de dez anos em 2022, em meio ao período eleitoral. A atualização da legislação sobre políticas afirmativas em universidades e demais instituições de ensino federais aconteceu por meio da sanção, em novembro do ano passado, de um projeto de lei apresentado pela deputada Maria do Rosário (PT) em 2020.

A proposição que culminou na modificação do conjunto de ações afirmativas seguiu um ritmo lento de tramitação nas comissões, ao ser conduzida por diferentes relatores entre 2021 e 2022. Em 2023, a matéria foi acelerada. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou brevidade na revisão da lei. No decorrer do itinerário legislativo, a proposta provocou a oposição de setores da direita. 

A pauta mais recente, e que ainda tramita entre as Casas que compõem o Parlamento federal, é a da reforma do Ensino Médio, que reformula o formato que está em vigor, instituído pelo “Novo Ensino Médio”, criado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), em 2015, quando do exercício do atual relator da matéria na Câmara dos Deputados no comando do MEC, o deputado federal Mendonça Filho (União).

O impasse inicial da modificação no modelo de educação, protagonizado entre o MEC e deputados, foi em torno da carga horária da formação geral. Após ajustes, o texto foi aprovado pela Câmara em março e remetido para o Senado Federal, onde também foi aprovado em meados de junho. Devido a mudanças pelos senadores, a proposta voltou para a outra Casa, onde será novamente apreciada. 

Articulação do MEC

Acerca do PNE, o ministro Camilo Santana (PT), do MEC, em entrevista ao Bom Dia Nordeste, da Verdinha FM, nesta terça-feira (2), indicou que planeja iniciar tratativas com Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco (PSD), presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente. “Espero que essa semana a gente tenha uma reunião com os dois presidentes das Casas”, disse.

Segundo o político, a redação do projeto enviado é favorável a uma tramitação tranquila, já que foca em aspectos que não são polêmicos. “O projeto que encaminhamos é técnico. Não queremos gerar polêmica. Tem que ser pragmático e objetivo”, resumiu.

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Além de Idilvan Alencar, mais dois cearenses compõem a Comissão de Educação da Câmara na condição de titular: André Fernandes (PL) e Moses Rodrigues (União). Mauro Benevides Filho (PDT) ocupa uma vaga de suplente no colegiado. A reportagem procurou todos os representantes do Ceará na instância legislativa e do líder do governo, José Guimarães (PT) para poderem se manifestar, mas não obteve mais respostas. 

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