Legislativo Judiciário Executivo

Quais pontos do Novo Ensino Médio ainda podem ser negociados no Senado Federal

Quase nenhuma alteração sugerida pelo MEC foi acatada na Câmara dos Deputados

Escrito por Alessandra Castro e Thatiany Nascimento ,
Senado
Legenda: Ainda não há data para matéria ir para votação no plenário da Casa
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Após derrota do Governo Federal na votação do projeto de lei (5.230/2023) que altera o Novo Ensino Médio (NEM) na Câmara dos Deputados, alguns pontos da matéria ainda podem ser modificados pelo Senado Federal.  

Na votação na Câmara, os parlamentares aprovaram um texto substitutivo apresentado pelo relator, deputado Mendonça Filho (União-PE), que faz pouquíssima alteração no NEM em relação ao modelo em vigor atualmente. Das mudanças solicitadas pelo Ministério da Educação (MEC), quase nenhuma foi acatada. 

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Após negociação entre o ministro Camilo Santana (PT) e o relator da matéria na Câmara, apenas o aumento da carga horária mínima exigida para a formação geral (disciplinas obrigatórias) em escolas de ensino regular passou, sendo elevada de 1.800 horas para 2.400 horas durante os três anos.

Demais pontos, como, por exemplo, a inclusão do espanhol na grade de disciplinas obrigatórias, diversificação de itinerários formativos, que é a parte flexível do currículo, e vedação de ensino à distância na formação geral básica não foram acatados. 

Vale ressaltar que o Novo Ensino Médio foi aprovado em 2017, no Governo Temer (2016-2018), quando Mendonça era titular do MEC. Agora, no Senado, os pontos rejeitados por Mendonça podem ser revistos. Todavia, caso o texto admitido pela Câmara seja alterado pelos senadores, a matéria volta para análise dos deputados.

Por conta disso, possíveis alterações são vistas como algo "remoto", quase impossível, nos bastidores em Brasília, tendo em vista a dificuldade do Governo para aprovar o NEM junto à Câmara.  

Novo Ensino Médio 

No formato atual do NEM, os alunos devem cumprir 3.000 horas de carga horária de aula ao longo dos três anos, distribuídas em 200 dias letivos ao ano. Deste total de horas, 1.800 são direcionadas para a formação geral — com disciplinas obrigatórias — e 1.200 para a parte flexível do currículo, onde os alunos podem aprofundar uma temática ao escolher algum dos itinerários formativos (são cinco, ao todo), como Código e Linguagens ou Matemática, por exemplo. 

Pelo novo texto, a carga horária dedicada à formação geral passa a ser de 2.400 horas, enquanto a parte flexível passa para 600 horas, no ensino regular. Nas escolas de ensino profissionalizante ou técnico, no entanto, o modelo atual se manteve, com a quantidade de horas-aula mínima exigida à formação geral fixada em 1.800 horas, já que, nesses casos, a carga horária destinada à parte técnica pode chegar a 1.200 horas. 

Camilo
Legenda: O ministro Camilo Santana acompanhou a votação da matéria na Câmara e comemorou o resultado nas redes sociais
Foto: Agência Câmara

Esse foi um do ponto de tensão entre Governo Federal, que queria elevar a carga de horas para a formação geral também para 2.400 horas no ensino profissionalizante, para que os alunos do ensino técnico não perdessem competitividade para acessar o Ensino Superior frente aos da escola regular. O ponto, todavia, não passou e permanece igual. 

Na parte flexível da grade curricular, os estudantes escolhem um eixo itinerário formativo para se dedicar. Ao todo, cinco áreas de conhecimento são ofertadas:  

  • Linguagens e suas tecnologias; 
  • Matemática e suas tecnologias; 
  • Ciências da Natureza e suas tecnologias; 
  • Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; e 
  • Formação técnica e profissional. 

Todavia, as escolas são obrigadas a ofertar pelo menos dois desses itinerários formativos. Então, por mais que o estudante queira estudar matemática e suas tecnologias na parte flexível do currículo, que funciona como uma espécie de reforço, ele não poderá se a instituição de ensino não tiver a temática como um eixo itinerário em oferta. 

Por conta disso, o MEC propôs mesclar os eixos formativos, juntando, por exemplo, linguagens, matemática e ciências humanas em um único itinerário. A medida, por sua vez, não foi acatada. Nas escolas profissionalizantes, no entanto, os alunos quase não têm opção de estudar outro eixo que não o da formação técnica e profissional, já que a carga horária dos cursos pode chegar a 1.200 em três anos. 

Insatisfação 

Integrante do Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade e professor aposentado da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Idevaldo Bodião critica a manutenção da carga mínima à formação geral do aluno do ensino profissionalizante. Para ele, a formação técnica não deveria fazer parte dos "itinerários formativos", e sim ofertada como algo extracurricular, aos moldes das escolas dos institutos federais, por exemplo, no contraturno.  

"Para o aluno mais vulnerável, que é aquele que precisa trabalhar, e, portanto, quer a escola profissionalizante, vão oferecer um Ensino Médio mais frágil e ainda vão diminuir a chance de ele dar um salto para o Ensino Superior", explica o professor. 

"Nós não somos contrários ao ensino técnico, nós somos contra o ensino técnico como itinerário formativo. Nem na proposta do Governo, nós não éramos atendidos. A proposta do Governo mudava o nome de itinerário para percurso de aprofundamento. De verdade, verdadeira, o ministro Camilo Santana, junto com a secretária Izolda, nunca foram contrários a essa formatação. É só você acompanhar as movimentações do Ministério no ano passado. Com relação ao Ensino Médio, o Camilo jogou parado. Ele não fez movimentos" 
Idevaldo Bodião
Professor aposentado da Faced UFC
 

Para o deputado federal cearense Idilvan Alencar (PDT), um dos atuantes na frente da Educação em Brasília, o texto aprovado pela Câmara é "insatisfatório". Apesar disso, ele também não acredita em movimentações do Governo Federal para tentar reverter a situação no Senado. 

"Na proposta do MEC, o espanhol constava como obrigatório, o relatório do Mendonça tira o Espanhol (como disciplina da grade obrigatória). A questão do notório saber para o ensino profissional, alguns deputados ficaram insatisfeitos, inclusive eu, e nós vamos ao Senado. Vou procurar alguns senadores, mas eu acho que o Governo está satisfeito. Eu acho que o Governo fez um acordo e está satisfeito, eu não posso falar pelo Governo, mas a impressão é essa" 
Idilvan Alencar (PDT)
Deputado Federal

Nas redes sociais, o ministro Camilo Santana comemorou a aprovação do projeto de lei 5.230/2023 na Câmara. 

"Ensino médio de qualidade, sem deixar nenhum jovem para trás! Agradeço aos parlamentares, especialmente o presidente da Câmara, Arthur Lira; e os deputados federais Rafael Brito, presidente da Frente Parlamentar Mista de Educação; José Guimarães, líder do governo na Câmara; Mendonça Filho, relator; e Moses Rodrigues, ex-presidente da Comissão de Educação na Câmara, pelo esforço do diálogo que garantiu a aprovação do Projeto de Lei para reestruturação do Ensino Médio. O PL é fruto de um trabalho para atender aos pleitos da consulta pública realizada pelo MEC, quando mais de 130 mil estudantes se manifestaram", declarou o ministro. 

A reportagem tentou entrar em contato com os senadores cearenses Cid Gomes (PSB) e Augusta Brito (PT) para saber como eles avaliam o projeto do NEM que chega ao Senado, mas não obteve retorno até o momento. Já o senador Eduardo Girão (Novo) disse que vê o texto aprovado com "avanços", mas "ainda há espaço para aprimoramento" da matéria.

Para ele, o aumento da carga horária para disciplinas obrigatória "retira do contexto escolar a liberdade e a autonomia tão necessárias para a criação de um currículo voltado ao perfil do aluno".

"No Senado, devemos continuar esse processo de aprimoramento do projeto, buscando garantir que o NEM atenda plenamente às necessidades educacionais do Brasil e foque realmente em pontos técnicos de melhoria da qualidade da nossa educação nacional", destacou o senador por meio da assessoria.

Na Casa Alta, a matéria deve ser relatada pela senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO). Ela é vice-líder do Governo Lula, mas apoiou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na eleição de 2022.  

Apesar de vice de Lula, Dorinha deve seguir posicionamento semelhante ao de Mendonça, fazendo pouca ou nenhuma alteração no texto que veio da Câmara. 

Entenda abaixo como é o Novo Ensino Médio, o que foi aprovado na Câmara e o que tinha sido proposto pelo Governo. 

Carga horária da formação geral básica 

  • Como é atualmente 

1.800 horas para a formação geral básica (disciplinas obrigatórias) e 

1.200 horas para a parte flexível e diversificada do currículo.

Vale para alunos que estão em cursos técnicos ou não.  

  • Como foi aprovado  

2.400 horas de para a formação geral básica (disciplinas obrigatórias) e 

600 horas para a parte flexível e diversificada do currículo.

No caso dos cursos técnicos com cargas horárias mais extensas (como 1.000 horas ou 1.200 horas) a carga horária mínima da formação geral básica será de 1.800 horas. Desse modo haverá diferenças entre a oferta da formação básica para estudantes que estão em escolas regulares e os que estão nas profissionalizantes.  

  • Como era na proposta do MEC que não passou 

2.400 horas para a formação geral básica (disciplinas obrigatórias); e 

600 horas para a parte flexível e diversificada do currículo.

No caso dos cursos técnicos, 2.100 horas para a formação geral básica e, pelo menos, 800 horas de aulas técnicas. 

Os cursos técnicos com duração de 1.200 horas/aula, adoção preferencial da extensão da jornada escolar. E a partir de 2026, essa oferta deveria ocorrer em jornada escolar de tempo integral.  

Itinerários Formativos 

  • Como é atualmente 

Os itinerários formativos (parte flexível do currículo) devem aprofundar a formação das áreas do conhecimento, a saber:  

  1. Matemáticas e suas Tecnologias; 
  2. Linguagens e suas Tecnologias; 
  3. Ciências da Natureza e suas Tecnologias;   
  4. Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; e  
  5. Formação Técnica e Profissional (FTP). 

Devem ser escolhidas para oferta duas ou mais áreas e da FTP. As redes de ensino têm autonomia para definir quais os itinerários formativos ofertam.  

  • Como foi aprovado 

Os itinerários formativos (parte flexível do currículo) serão compostos de aprofundamento das áreas de conhecimento ou de formação técnica e profissional, e serão consideradas os seguintes pontos:  

  1. Linguagens e suas Tecnologias;  
  2. Matemática e suas Tecnologias;  
  3. Ciências da Natureza e suas Tecnologias;  
  4. Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; e  
  5. Formação Técnica e Profissional (FTP) 

Os sistemas de ensino deverão garantir que todas as escolas de ensino médio ofereçam o aprofundamento das áreas de conhecimento, organizadas em, no mínimo, 2 itinerários formativos.  

  • Como era na proposta do MEC que não passou 

Os itinerários formativos passariam a ser chamados de percursos de aprofundamento e integração de estudos, nos quais serão organizados com componentes curriculares de, no mínimo, três áreas de conhecimento, são elas:  

  1. Linguagens, Matemática e Ciências da Natureza;  
  2. Linguagens, Matemática e Ciências Humanas e Sociais;  
  3. Linguagens, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da Natureza e  
  4. Matemática, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da Natureza.  

Os sistemas de ensino devem garantir que todas as escolas de Ensino Médio ofereçam, no mínimo, 2 percursos de aprofundamento.

Disciplinas obrigatórias 

  • Como é no Novo Ensino Médio 

Os conteúdos das disciplinas são divididos em áreas do conhecimento. São elas: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas.  

  • Como foi aprovado 

Segue com a divisão dos conteúdos das disciplinas por áreas do conhecimento. São elas: linguagens e suas tecnologias (integrada pela língua portuguesa e suas literaturas; língua inglesa; artes, em suas múltiplas linguagens e expressões; e educação física); matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias (integrada pela biologia, física e química); e ciências humanas e sociais aplicadas (integrada pela filosofia, geografia, história e sociologia).  

  • Como era na proposta do MEC que não passou 

Tornar obrigatório, em todo o ciclo do Ensino Médio, as seguintes disciplinas: língua portuguesa, língua inglesa, língua espanhola, arte, educação física, matemática, história, geografia, sociologia, filosofia, física, química e biologia. 

Profissionais com ‘notório saber’  

  • Como é atualmente 

Podem ser contratados profissionais com notório saber para dar aulas sobre conteúdos de suas áreas de formação ou experiência profissional.  

  • Como foi aprovado 

Trecho foi retirado do projeto sob o argumento do relator de que a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) já contempla e aceita o "notório saber". 

  • Como era na proposta do MEC que não passou 

Profissionais com notório só poderiam ser contratados para atuar no Ensino Médio em situações excepcionais, conforme regulamento. Estabelecimento da distinção entre estes profissionais e os que compõem a definição de profissionais da educação na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 

Ensino do Espanhol 

  • Como é atualmente 

A língua inglesa é obrigatória e os sistemas de ensino podem ofertar outras línguas estrangeiras caso desejem, sendo preferencialmente o espanhol. 

  • Como foi aprovado 

Os currículos do ensino médio podem ofertar outras línguas estrangeiras, além da inglesa, caso desejem, preferencialmente o espanhol, conforme a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino. 

  • Como era na proposta do MEC que não passou 

Que fosse uma das 13 disciplinas obrigatórias. 

Ensino a distância 

  • Como é atualmente 

Os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento e com isso ofertar, por exemplo, cursos por meio de educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias. 

  • Como foi aprovado 

Na oferta da carga horária destinada à formação geral básica dos estudantes é admitido, excepcionalmente, o ensino mediado por tecnologia.  

  • Como era na proposta do MEC que não passou 

A carga horária destinada à formação geral básica dos estudantes do ensino médio será ofertada de forma presencial, ressalvadas as exceções previstas em regulamento. 

  • Regulamentação e criação de diretrizes nacionais  

O texto aprovado também estabelece que as secretarias estaduais e distrital de educação irão elaborar planos de ação para a implementação escalonada das alterações. Além disso, o Ministério da Educação irá estabelecer em colaboração com os sistemas estaduais e distrital de ensino, estratégias de assistência técnica e formação das equipes técnicas das secretarias de educação, com foco na elaboração dos planos de ação definidos. 

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