Legislativo Judiciário Executivo

O que está em jogo na disputa dos planos de saúde e o que a política pode fazer sobre isso

Quase 8 milhões de consumidores foram afetados com o último reajuste nos planos de saúde individuais, que tem ocorrido acima da inflação nos últimos anos

Escrito por Ingrid Campos , ingrid.campos@svm.com.br
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Legenda: Na última segunda-feira (12), a ANS anunciou o reajuste para os planos de saúde individuais que vai valer até abril de 2024.
Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Com aumento máximo de 9,63% nos preços dos planos de saúde individuais, autorizado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) no último dia 12, o consumidor sofre mais um ano de reajuste acima da inflação. O cenário mobiliza a classe política, em especial a bancada cearense no Congresso, que prepara medidas de defesa ao consumidor. 

São estudados e encaminhados pedidos de audiência pública, manifestações aos órgãos competentes, entre outros atos. Embora a factualidade do tema reacenda as discussões sobre a Lei dos Planos de Saúde, há parlamentares que duvidam do avanço de mudanças necessárias.

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Todas os tipos de planos de saúde – individual, familiar e coletivo – devem entrar na mira do Parlamento, atendendo a demandas específicas de cada modalidade de consumo.

Entenda as diferenças:

Individual e familiar

São aqueles contratados diretamente pelas pessoas físicas junto às operadoras de saúde. Neste caso, é a ANS que regula os reajustes anuais. Além disso, a rescisão contratual deve atender ao interesse das partes, sendo vetado o cancelamento unilateral. 

No caso do plano familiar, é possível, ainda, incluir dependentes vinculados a um mesmo contrato, aptos a usufruir dos serviços privados de saúde de uma determinada operadora. 

Coletivo

Na modalidade coletiva, pessoas jurídicas são as intermediárias dos contratos com as operadoras. São empresas onde o cliente do plano trabalha, sindicatos e associações profissionais ou administradoras de planos coletivos, que podem descontar o valor do contrato da folha dos funcionários.

Nesse caso, o reajuste é ditado pelas próprias empresas, e a pessoa jurídica, responsável pelo contrato. Além disso, o vínculo de saúde pode ser rompido unilateralmente.

Impacto ao consumidor

Entre 2011 e 2023, quase todos os reajustes superaram o percentual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), segundo levantamento feito pelo site Nexo, com dados do IBGE, do IPCA e da ANS. A exceção foi 2021, quando houve queda de 9,19% nos preços.

Existem queixas, ainda, em relação aos planos coletivos, porque seus valores não são regulados pela ANS, como os individuais e familiares, mas sim pelas próprias operadoras, levando a casos de reajustes na faixa dos 60%.

As diferenças entre as modalidades também são observadas nas normas de rescisão. Enquanto no primeiro caso o fim do contrato – intermediado por outra pessoa jurídica, como a empresa em que o cliente trabalha – pode ser decidido de forma unilateral pela operadora, nos outros dois, a decisão deve contar com a anuência de ambas as partes.

O percentual indicado pela agência é o teto válido para o período entre maio de 2023 e abril de 2024 para os contratos de quase 8 milhões de beneficiários, o que representa aproximadamente 16% dos 50,6 milhões de consumidores de planos de assistência médica no Brasil.

Bancada cearense

Na fatia cearense da Câmara dos Deputados, há medidas encaminhadas. Fernanda Pessoa (União), por exemplo, é uma das autoras de requerimento para a realização de uma audiência pública sobre o tema na Câmara dos Deputados, que ainda não foi protocolado na Casa. Para ela, houve um “aumento abusivo” no preço dos serviços.

“Temos que saber: por que veio esse aumento? Nós sabemos que viemos de uma pandemia, que houve usuários que usaram muito os planos de saúde, mas precisamos entender. E, para isso, precisamos escutar os dois lados”, disse a parlamentar, que é membro da Comissão de Saúde da Câmara. 

A deputada federal em exercício Enfermeira Ana Paula (PDT) informou que está encaminhando algumas manifestações aos órgãos de defesa do consumidor. 

“No ano passado, por conta da pandemia, o reajuste foi maior que 15%. Agora, eles estão alegando várias coisas, inclusive o (aumento dos gastos com o) piso da enfermagem”, explicou à reportagem.

Em discurso na tribuna da Câmara, ela chamou atenção para o apoio ao consumidor, que é o lado mais fraco nessa relação contratual. 

“Senão teremos problemas muito graves: uma diminuição de consumidores que irão buscar os planos de saúde, tendo uma superlotação no SUS, ou teremos brasileiros ainda mais endividados”, concluiu a parlamentar.

A ANS divulgou, em abril deste ano, que o lucro líquido das operadoras despencou de R$ 3,8 bilhões em 2021 para R$ 2,5 milhões em 2022. Em 2020, no auge da pandemia, o setor teve um lucro recorde de R$ 18,7 bilhões.

O cenário do ano passado se deu com um teto de reajuste fixado em 15,5% e com o crescimento expressivo do número de beneficiários desde o início da pandemia de covid-19, atingido o recorde de 50,5 milhões no fim de 2022.  

"É importante considerar todo o contexto da pandemia. O setor já esperava um efeito na utilização após o isolamento social. Durante o isolamento social, as pessoas não usavam os planos. Por essa razão, em 2020, houve um lucro histórico", avaliou o diretor-presidente da ANS, Paulo Rebello.

O encaminhamento foi apresentado nessa quarta-feira (14) à toda a bancada cearense em busca de apoio.

Essas iniciativas conversam com o projeto de lei 7419/06 e apensados, que está em processo de finalização de parecer pelo relator Duarte Júnior (PSB-MA).

Apesar disso, o cearense Idilvan Alencar (PDT) sente que a discussão terá bastante dificuldade para avançar na Câmara. “Há parlamentares que são donos de hospitais, é um setor forte, então tem muita resistência”, observa.

O deputado Domingos Neto (PSD) também afirmou que estuda medidas contra o que ele considera um "abuso", mas não detalhou os próximos passos após pedido do Diário do Nordeste.

Na última terça-feira (13), ele disse o seguinte em sua conta do Twitter: "Um absurdo que mais de 8 milhões de pessoas possam sofrer com o duplo reajuste do plano de saúde este ano que já chega a 9,63%. É isso mesmo: além da alteração de preço pelo IPCA, a ANS também aprovou aumento por faixa etária. Estou estudando medidas contra esse abuso".

Avanço das discussões

Na Câmara dos Deputados, há mais de 260 projetos sobre mudanças na legislação dos planos de saúde, o que revela um longo leque de incômodos sobre o tema. O levantamento foi feito pelo consultor legislativo Marcelo Souto, que apontou, ainda, os objetivos de cada proposta.

Há projetos que preveem mudanças no rol de procedimentos específicos; nas normas pós-demissão, aposentadoria ou morte do titular; na rescisão ou suspensão do contrato, entre outras. Há, ainda, matérias sobre o reajuste das mensalidades dos planos de saúde, temática inserida no projeto de lei 7419/06 e apensados, de autoria do ex-senador cearense Luiz Pontes (PSDB) e relatado atualmente pelo deputado Duarte Júnior (PSB-MA).

O parlamentar disse que apresentará à Câmara até o fim de junho um substitutivo que inclui o reajuste das mensalidades dos planos de saúde coletivos na regulação da ANS. Durante audiência pública na Comissão de Defesa do Consumidor, na última semana, ele deu mais detalhes sobre o relatório.

O objetivo de garantir a regulação é coibir práticas que vêm acontecendo em várias cidades do País. Vamos proibir a rescisão unilateral desses contratos e limitar os reajustes dos planos de saúde coletivos
Duarte Júnior (PSB-MA)
Deputado federal

O projeto deve incorporar pouco mais de 270 propostas em tramitação que sugerem mudanças na Lei dos Planos de Saúde. No trâmite do texto, está pendente a criação de uma comissão especial pela Mesa Diretora para a sua análise. 

O substitutivo de Duarte deve prever, ainda, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos planos de autogestão, quando a própria empresa ou entidade institui e administra, sem fins lucrativos, o programa de assistência à saúde.

“O consumidor não conhece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo o qual esse contrato hoje não é de consumo e, portanto, hoje o Procon não pode ser acionado. Isso tem gerado um aumento da judicialização em busca da garantia de atendimento”, explicou.

O relator propõe, também, que haja fiscalização dos prestadores a fim de garantir serviços como os exames médicos sem que haja prejuízo às empresas.

“O que aumenta o custo [das operadoras de planos de saúde] não é o número de exames e procedimentos, mas a solicitação de exames que não existem, que não são utilizados pelo consumidor. Vamos coibir isso com o aumento da fiscalização”, completou.

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