Nova Jaguaribara: 1ª cidade projetada do Ceará completa 20 anos entre avanços e promessas
Realocado para a construção do Castanhão, o município cresceu em tamanho e estrutura, mas ainda enfrenta dificuldades impostas pela mudança ocorrida em 2001
O dia 25 de setembro de 2021 marca duas décadas da inauguração da cidade cearense de Jaguaribara - a "nova". No entanto, a data, que ficou no calendário, está longe de ser apenas mais um aniversário: ela resume um processo - político, econômico, urbanístico e social - bem mais amplo deste município do Vale do Jaguaribe, localizado a 162 quilômetros de Fortaleza.
Vinte anos depois, muitos sentimentos coexistem naqueles que acompanharam o processo de realização de Jaguaribara - ou viveram as consequências dele. A saudade das raízes fincadas na "velha" cidade - hoje inundada pelo açude Castanhão - convive com o reconhecimento da eficácia das estruturas construídas e a espera de promessas ainda não efetivadas.
A cidade, fruto de decisões políticas, hoje se depara com outras questões de ordem igualmente política: o desenvolvimento econômico é um desafio na chegada dos 20 anos do município. Além da pandemia de Covid-19 e da crise econômica do País, Jaguaribara convive com a seca do açude Castanhão e a consequência para a principal atividade da cidade: a piscicultura.
"Não é um discurso único. Tem pessoas que adoram a nova cidade, que conseguiram ter melhor qualidade de vida. É uma mudança que até hoje gera essa discussão: tem aqueles que gostaram, tem quem, até hoje, não se sente confortável", resume o estudante de Direito, Francisco Cavalcante, criado na nova Jaguaribara.
Que cidade é essa?
Francisco tem quase a idade da cidade: 22 anos. Ainda muito novo durante a mudança, a memória sobre o processo de inauguração do município vem das histórias que ouviu da mãe e dos avós.
Uma história que, mesmo 20 anos depois, não são todos que conhecem. A "velha" Jaguaribara tem uma origem que remonta ao século 17 a partir do povoado de Santa Rosa. A cidade antiga era plantada “na barreira do rio Jaguaribe”, como conta o professor aposentado e escritor, Chico Isac.
"Tinha casas que enchiam, a água batia no muro. O banho de rio era incomparável. À tardinha, o pessoal ia para a calçada. A gente tinha rádio, mas não tinha precisão. Tudo se espalhava rapidamente", lembra ele, que nasceu e cresceu na antiga cidade, mas morou em outras localidades do Ceará e do Brasil.
Ainda na década de 1980, começaram a chegar à cidade as primeiras notícias sobre o processo de construção de uma barragem no território do município. Mas a decisão final viria apenas em 1995: Jaguaribara precisaria ser inundada para a construção do açude Castanhão.
"Quando começou essa problemática do Castanhão, voltei para Jaguaribara e nunca mais saí. Fui contra? Fui demais. (...) A gente era ferrenho, não queria abrir mão", recorda Chico Isac, que fez parte do movimento de resistência à chegada do Castanhão.
Processo participativo
"A população de Jaguaribara, que ia ser reassentada, não queria. Era uma população que estava arredia, porque era uma mudança radical", corrobora a arquiteta Marilac Cabral, que era coordenadora do projeto da Nova Jaguaribara.
A solução encontrada, explica ela, foi envolver a população no processo de planejamento da nova cidade. "Isso foi de suma importância para começar a fazer esse projeto. Começamos a envolver a população no projeto e eles participaram de tudo", completa.
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Um grupo participativo passou a realizar reuniões frequentes durante todo o processo de elaboração do plano urbanístico - as discussões passavam pelas estruturas de casas, ruas e equipamentos da nova cidade.
A Igreja Matriz, por exemplo, foi construída para ser uma réplica da que existia na velha Jaguaribara - apenas com a capacidade aumentada.
"A gente foi conhecer outras barragens, pegar subsídios para que recebêssemos uma cidade bonita. Quem não tinha casa, deveria receber, e as permutas (no tamanho das casas) tinham que ter ganho real. Foi muita discussão", detalha Chico Isac.
Todo esse contexto permeou as decisões políticas que culminaram no novo município. O legado de participação popular ficou, aponta o prefeito de Jaguaribara na época, Francini Guedes (PSDB).
"A participação da sociedade, do povo jaguaribarense no processo de discussão foi fundamental. Criou um espírito de participação na cidade. Hoje, em Jaguaribara, quando vai se discutir qualquer assunto, chama-se a comunidade para participar", afirma.
Estrutura para a cidade crescer
A cidade foi a primeira, no Ceará, a ser completamente planejada. Governador do Ceará no período, o senador Tasso Jereissati (PSDB) lembra que "era um sonho fazer de Jaguaribara uma cidade modelo". Para ele, essa era a contrapartida necessária à "generosidade e desprendimento" demonstrados pelo povo no processo de realocação da velha para a nova cidade.
"Graças à disposição, à compreensão e ao amplo debate que nós fizemos com todas as lideranças, com toda a população de Jaguaribara, foi possível que todo o Estado do Ceará tivesse hoje o Castanhão".
A decisão foi fundamental para solucionar problemas do Estado naquele período: as enchentes no Vale do Jaguaribe e, principalmente, o abastecimento de diferentes regiões cearenses, principalmente a Região Metropolitana de Fortaleza.
"A decisão do Tasso de construir uma barragem que viesse, inicialmente, proteger a sociedade do baixo Jaguaribe das enchentes e que desse possibilidade de irrigar muitas terras e fornecer água para a Região Metropolitana foi de suma importância", destaca Francini Guedes.
Já para o novo município, cita o ex-governador Tasso Jereissati, muitos foram os equipamentos contemplados no plano urbanístico: escola para todos os níveis educacionais, unidades hospitalares, saneamento básico em toda a cidade, ruas amplas e largas, além de outros equipamentos municipais.
Atual prefeito de Jaguaribara, Joacy Alves (PDT) - conhecido como Juju - elogia a estrutura criada duas décadas atrás. "É uma cidade que tem praticamente tudo que uma cidade moderna pode ter", afirma. Como exemplo, ele cita a eficiência dos prédios projetados e a localização, dando acesso fácil aos municípios vizinhos e outras regiões do Estado.
A cidade duas décadas depois
Nascido na antiga Jaguaribara, o prefeito Juju tinha 18 anos quando ocorreu a mudança. "Não foi um processo fácil, mas, para a gente que era mais novo, foi mais fácil a adaptação", conta. "Não era a terra prometida, mas trouxe perspectivas de melhora".
A oportunidade de melhorar as condições de vida veio no desenvolvimento, por exemplo, da piscicultura, nas margens do açude Castanhão. Contudo, com a estiagem no Estado, a atividade tem tido dificuldade desde 2015.
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A preocupação do prefeito com a área econômica se junta à percepção de que nem todas as promessas do período de inauguração da nova Jaguaribara foram concluídas. "Ações dos projetos estruturantes ainda estão para serem concluídas. Projetos que dariam sustentação à economia", explica.
Ele enumera como exemplos programas como o Projeto de Irrigação Curupati e o Projeto Produtivo Mandacaru. "A principal preocupação é com questões econômicas, em ter projetos para movimentar a economia".
Outra dificuldade vem do tamanho da estrutura dos equipamentos da cidade. Coordenadora do projeto Nova Jaguaribara, Marilac Cabral explica que o município foi projetado com capacidade para até 75 mil pessoas - dez vezes mais do que a população de 7,5 mil pessoas realocadas em 2001.
Contudo, a cidade não alcançou o potencial populacional. Atualmente, a população gira em torno de 11 mil habitantes. "Temos uma estrutura gigantesca. Só para manter, de funcionário, as despesas são gigantescas", diz o prefeito.
Uma das alternativas diante dos atuais desafios é uma melhor exploração turística do Castanhão, exemplifica. "Foi uma cidade que abriu uma série de portas para quem queria se desenvolver, mas é também uma luta grande", finaliza Juju.
Em 2015, o Diário do Nordeste mostrou que a antiga Jaguaribara voltou a aparecer com a seca. Relembre:
A saudade como constante
Com a vivência da nova Jaguaribara e as histórias da antiga, o estudante Francisco Cavalcante transformou a cidade natal em pesquisa. Ele afirma que a história do local sempre chama a atenção de pesquisadores de outras partes do Brasil e do mundo.
Uma discussão que passa, inclusive, pelo sentimento de pertencimento ao território. "Não foram definidas políticas permanentes de transição. Quando mudaram de sede, o processo de ruptura causou uma falta de pertencimento com o novo território", argumenta.
A manutenção da memória tornou-se uma busca fundamental para moradores nessas duas décadas desde a mudança. "Filha de Jaguaribara", a assistente social Adênia Guimarães criou o grupo "Jaguaribara de Ontem e Hoje", no Facebook.
"Para a gente catalogar as fotos, as lembranças, os casos e não deixar acabar a sensação de pertencimento àquela terra", explica. Vivendo fora da cidade há quase duas décadas, ela conta que as raízes nunca se perderam.
"Os filhos de Jaguaribara que moram fora sentem até mais, porque eles não passaram pelo processo. Quando vamos para a nova cidade, vamos com a sensação que vamos para a antiga", afirma. Das saudades, a mais compartilhada no grupo é a do rio Jaguaribe - agora distante seis quilômetros do município.
"A gente está em um lugar que reúne as pessoas, mas não reúne as lembranças", resume. Contudo, para Chico Isac, as duas décadas desde a inauguração de nova Jaguaribara serviram também para fazer crescer o sentimento de pertencimento à cidade.
"Jaguaribara está começando a ter um senso de pertencimento que antes não tinha", afirma. "Antes, a gente era muito ligado no passado, tudo fazia comparação. Agora, os jaguaribarenses já colocaram essa nova cidade como sua".