Entenda a polêmica envolvendo os negócios do ministro Paulo Guedes no exterior
Manutenção de negócios em paraíso fiscal não é considerada ilegal, mas fere código de ética ao qual estão submetidos os ministros
A revelação de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, está entre os 336 políticos e figuras públicas de 91 países com empresas abertas em paraísos fiscais, segundo lista publicada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), levantou uma série de dúvidas a respeito dos parâmetros éticos e legais da atividade.
Batizado de “Pandora Papers”, o projeto que envolveu 615 jornalistas de 149 veículos em 117 países revelou que Guedes mantém 9,55 milhões de dólares, valor que convertido equivale a mais de 50 milhões de reais, em uma empresa situada no arquipélago caribenho das Ilhas Virgens Britânicas.
A empresa é a Dreadnoughts International, e o modelo de investimento é conhecido como “offshore”, algo como “no mar”, “além da costa”, na tradução.
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O que é uma offshore?
Offshore é como se chamam empresas ou contas bancárias abertas fora do domicílio fiscal do proprietário, em locais com condições tributárias mais atraentes, ou seja, que cobram pouco ou nenhum imposto sobre o valor aplicado e que, por isso, são chamados de “paraísos fiscais”.
No caso das Ilhas Virgens Britânicas, o país não cobra tributos, mas lucra com as taxas de licença de abertura das empresas, valor que, apesar de proporcionalmente baixo para os empresários, representa cerca de 50% da arrecadação do Governo.
De acordo com reportagem publicada pela revista Piauí – que integra o grupo de veículos brasileiros envolvidos no projeto, ao lado da Agência Pública e dos sites Poder360 e Metrópoles –, dois terços das 29 mil offshores expostas pelos Pandora Papers ficam nas Ilhas Virgens Britânicas, que têm, atualmente, cerca de 370 mil empresas do tipo em atividade. O detalhe é que o país tem apenas 27.800 habitantes, aproximadamente.
A empresa Dreadnoughts International foi aberta em setembro de 2014 por Paulo Guedes, e as quantias depositadas nos meses seguintes são as mesmas que permanecem lá até hoje. A manutenção de uma offshore não é considerada ilegal, desde que as operações sejam devidamente declaradas à Receita Federal. Um ministro de Estado, no entanto, deve obedecer o que diz o código de ética da função.
Conflito de interesses
Publicado em 2000, o Código de Conduta da Alta Administração Pública veda funcionários do alto escalão de manterem aplicações que possam ser afetadas por políticas governamentais. É o que diz o Artigo 5º do documento, em seu parágrafo primeiro:
“É vedado o investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função, inclusive investimentos de renda variável ou em commodities, contratos futuros e moedas para fim especulativo, excetuadas aplicações em modalidades de investimento que a CEP (Comissão de Ética Pública) venha a especificar”.
As penas para descumprimento vão desde uma simples advertência à recomendação de demissão. O conflito de interesses reside no fato de que, ao assumir o Ministério da Economia, em 2019, Paulo Guedes tinha cerca de R$ 37 milhões nas Ilhas Virgens Britânicas. Com a desvalorização do câmbio, os dólares aplicados offshore valem hoje R$ 14,5 milhões a mais, aproximadamente.
Para manter uma offshore, é preciso informar anualmente, na declaração do Imposto de Renda, que os valores permanecem fora do País. A tributação só acontece em caso de repatriação dos valores, se o investidor quiser trazer a quantia de volta para o Brasil. Tanto sonegar imposto na repatriação como não informar a Receita sobre envio e manutenção de valores em uma offshore configuram crime de “evasão de divisas”.
Resposta do ministro
Ainda ontem (3), após a divulgação das informações dos “Pandora Papers”, o ministro Paulo Guedes publicou a seguinte nota:
"Toda a atuação privada do Ministro Paulo Guedes, anterior à investidura no cargo de ministro, foi devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes, o que inclui a sua participação societária na empresa mencionada. As informações foram prestadas no momento da posse, no início do governo, em 2019. Sua atuação sempre respeitou a legislação aplicável e se pautou pela ética e pela responsabilidade.
Desde que assumiu o cargo de Ministro da Economia, Paulo Guedes se desvinculou de toda a sua atuação no mercado privado, nos termos exigidos pela Comissão de Ética Pública, respeitando integralmente a legislação aplicada aos servidores públicos e ocupantes de cargos em comissão.
Cumpre destacar que o próprio Supremo Tribunal Federal já atestou a idoneidade e capacidade de Paulo Guedes exercer o cargo, no julgamento de ação proposta pelo PDT contra o Ministro da Economia".