Eleições 2024: candidaturas femininas crescem em ritmo lento e atingem marca de 35% no Ceará
Índice de mulheres na corrida eleitoral subiu 2% em relação ao pleito de 2020, mesmo com a queda em números absolutos
As mulheres são mais da metade do eleitorado, mas representam apenas 35% das candidaturas cearenses aos cargos de executivo e legislativo nas Eleições 2024. Com um crescimento de 2% na comparação com o pleito anterior, se percebe uma elevação lenta da participação feminina na corrida eleitoral ao longo dos anos.
Neste ano, 4.563 mulheres foram registradas para a votação de outubro no Ceará – 35% do total de candidaturas – conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2020, o número de cadastros femininos na disputa foi de 5.392, representando 33% da soma geral de postulantes.
O cenário de participação feminina nas últimas eleições pouco mudou em relação ao pleito de 2016, quando o índice não passou de 32%. O crescimento mais expressivo foi registrado entre entre 2008 e 2012, período em que o percentual de candidaturas femininas saltou de 21% para 32%.
A alta significativa foi uma resposta à mudança na legislação eleitoral em 2009, embora o estímulo à participação feminina na política esteja previsto há mais de 26 anos. Desde as eleições de 2010, os partidos ou coligações têm a obrigatoriedade de preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada gênero nas disputas pela Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.
Veja também
Outro fator importante foi registrado nas eleições municipais de 2020. O pleito ocorreu após a decisão do TSE, em maio de 2018, que obrigou o repasse proporcional de no mínimo 30% dos recursos públicos para campanha eleitoral às candidaturas femininas, sejam verbas do Fundo Eleitoral ou do Fundo Partidário. Além disso, as legendas precisam observar o mesmo percentual mínimo no tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão para as mulheres.
PARTICIPAÇÃO FEMININA
Em termos percentuais, o maior crescimento em relação ao pleito anterior foi observado no número das que concorrem como vice-prefeitas. Na eleição deste ano, as candidatas como segundos nomes das chapas majoritárias alçaram o percentual de 34%. Este é o melhor índice desde 2008, pelo menos, quando a marca era de apenas 18%.
Advogada, professora e pesquisadora em Direitos Políticos das mulheres, Jéssica Teles reflete que a decisão do TSE sobre a destinação dos recursos, em 2018, impactou esse cenário, no qual não ficou claro de que forma esses valores deveriam ser distribuídos. Paralelo a isso, houve o fortalecimento do debate em torno da pauta da paridade de gênero, o que começou a se tornar uma cobrança aos partidos.
"Começaram a pensar: 'nós temos que reservar dinheiro para as mulheres, a sociedade está começando a nos cobrar uma maior participação política das mulheres. Então, vamos lançar as mulheres como vice, porque compondo as chapas com mulheres nós conseguimos, por exemplo, ter acesso aos recursos'. Então, em 2018 e em 2020, por exemplo, se verificou muito a inserção de mulheres em chapas como vice para turbinar a chapa, porque elas receberiam recursos, e também para se construir uma campanha pautada na paridade”, pondera Teles.
Fortaleza é uma das cidades que exemplificam o cenário em que o protagonismo feminino é percebido na posição secundária das candidaturas. Na Capital, sete das nove chapas que disputam a Prefeitura são compostas por mulheres na vice, embora não haja nenhuma candidata ao posto de líder do Executivo municipal.
“Esse aumento provavelmente se dá por conta dessa regra, porque os partidos têm que destinar ao menos 30% do fundo eleitoral ou partidário para as candidaturas de mulheres, mas não diz como. Então, o partido pode destinar para as candidaturas à Prefeitura, por exemplo. Então, vai cumprir porque tem a candidata a vice ali, faz parte da chapa, tem também essa estratégia que os partidos devem estar adotando”
CRESCIMENTO TÍMIDO
A partir da atualização eleitoral de 2009, o índice de candidaturas femininas vem registrando altas em todos os cargos, mas o avanço ainda é considerado lento. Um dos fatores que inibe essa evolução é de caráter institucional, que ocorre quando os partidos não incluem as mulheres na organização da legenda, não oferecem treinamentos e nem alocam os recursos necessários, avalia Karolina Roeder.
Veja também
Para além desses empecilhos, há condições sociais e culturais que motivam a sub-representação feminina, como a divisão sexual do trabalho e a formação da sociedade em torno de “áreas que não seriam” para mulheres. É o que complementa Roeder, que também é pesquisadora de pós-doutorado no projeto Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Representação e Legitimidade Democrática (ReDem) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
“Os fatores sociais impactam também no cálculo estratégico das mulheres em refletir e não cogitar a entrada na vida política, porque exige tempo, dedicação, e as mulheres não necessariamente vão ter apoio de outras pessoas, como do seu cônjuge, algo que é diferente quando o político é o homem”, analisa.
Jéssica Teles também avalia que a participação feminina é coibida por fatores sociais, de classe, econômicos, históricos e institucionais. A especialista aponta que, mesmo que as mulheres sejam mais que a maioria no campo “informal” da política, como nos movimentos sociais, o âmbito “formal” ainda concentra gargalos.
"Como decorrência desses lugares que as normas sociais destinam às mulheres, nós temos ainda a prática de violência política na medida em que os papeis vão sendo preenchidos. Quando as mulheres adentram esses espaços políticos, elas sofrem esse tipo de violência porque é um ambiente mais hostil à sua participação, porque as normas sociais não atribuem esses espaços às mulheres”, acentua Teles.
INFRAÇÕES NAS COTAS
Karolina Roeder reconhece a relevância das cotas de gênero, mas avalia que os partidos têm encontrado maneiras de “subverter” essas regras. Segundo a especialista, as siglas conseguem fazer isso por meio de candidaturas “laranjas” ou fictícias e ao utilizarem recursos de comissões provisórias – representações temporárias – ao invés de diretórios eleitos ou definitivos nos estados, com o objetivo de diminuir a vigilância sobre a seleção de candidatos e candidatas.
“A fiscalização sobre esse cumprimento é muito recente. A gente vê desde 2018, mais ou menos, uma cobrança efetiva e maior da Justiça Eleitoral, cassando mandatos e chapas inteiras, por conta de fraude nas candidaturas. Então, a gente vê um movimento também da Justiça Eleitoral cobrando e punindo, de fato, os partidos que não cumprem a cota de gênero”, salienta Roeder.
No Ceará, por exemplo, quatro deputados estaduais do Partido Liberal (PL) tiveram os mandatos cassados pelo Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), por suspeita de fraude à cota de gênero nas últimas eleições. Apesar da decisão, os parlamentares permanecem no cargo até o julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde o Ministério Público Federal já emitiu parecer favorável à cassação.
“A legislação e também as decisões judiciais começaram a ficar mais fortes nesse sentido de proteger a mulher, porque se entendeu que somente a reserva de cotas, a reserva de candidatura, não era suficiente. Ela só era o primeiro passo, mas não era tudo que seria necessário para incluir as mulheres na política e viabilizar sua participação”
Veja também
ANISTIA
Os recorrentes “perdões” dados aos partidos que descumprem as regras eleitorais podem ajudar a entender o panorama de avanços limitados, enfatiza Roeder. Somente na última década, parlamentares alteraram a legislação em três ocasiões para retirar sanções às legendas — em 2015, 2019 e 2022. Em todas as oportunidades foram perdoados descumprimentos de ações afirmativas voltadas à participação feminina.
Neste ano, mais uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) foi aprovada pelo Congresso. A 9/2023, mais conhecida como PEC da Anistia, previa nova absolvição aos partidos que desobedeceram às regras ligadas à cota de gênero. Contudo, os trechos acabaram sendo retirados após uma série de divergências entre os parlamentares, o que vinha dificultando a votação do projeto na Câmara dos Deputados.
BUSCAR AVANÇOS
Além de vencer os obstáculos sociais e culturais, com a diminuição das desigualdades de gênero, expandir a participação feminina na política passa pela atuação das próprias siglas, aponta Roeder. Isso requer a viabilização de ambientes inclusivos para que as mulheres consigam se desenvolver politicamente.
“Os partidos políticos poderiam servir como um instrumento que dê aquilo que as mulheres não têm, que é o capital político. Muitas mulheres acabam não tendo uma candidatura competitiva porque elas não têm o capital político, isso tem que ser construído ao longo do tempo. E essa construção passa pelo treinamento também, por suporte, por um partido que seja inclusivo do ponto de vista das necessidades que a mulher tem”, frisa a pesquisadora.
Diante de tamanhos desafios, Jessica Teles defende que o debate em torno da paridade de gênero precisa ser fortalecido. A pesquisadora entende que, mesmo sendo um pontapé inicial, as reservas de candidaturas não têm funcionado como deveriam e vêm gerado externalidades, como as fraudes e problemas de financiamento.
Assim, complementa Teles, seria importante pensar em cotas de assento ou parlamento, além de apoio para fortalecer as candidaturas e uma maior representatividade também de mulheres plurais nos cargos políticos. “Nós precisamos garantir que se essas cotas forem estabelecidas, elas também preservem a isonomia e as condições de igualdade entre as próprias mulheres e o princípio republicano, que visa afastar a apropriação da coisa pública por grupos específicos.”