O que é polarização política?
Entenda o que significa o conceito que tem sido recorrente no debate política por conta da disputa presidencial entre Lula e Bolsonaro
A discussão sobre a polarização na disputa presidencial tem sido recorrente desde o início do período de campanha eleitoral. Mesmo antes de ser definido o segundo turno entre o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), existia uma concentração da atenção e apoio em torno das duas candidaturas.
A divisão entre dois pólos dentro do campo político não é um fenômeno novo nem pode, por si só, ser considerado prejudicial. Dentro da política, ela pode ser, inclusive, resultado do processo democrático, que acaba levando à oposição entre duas forças partidárias.
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Analistas políticos indicam que existe problema quando essa polarização acaba por 'radicalizar' e o adversário passa a ser encarado como inimigo.
O Diário do Nordeste explica o que é a polarização política e os possíveis efeitos dela dentro do processo democrático.
O que é polarização?
Professora de Ciência Política da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Gabriela Bezerra afirma que não há uma definição única para o conceito de polarização política. Neste caso, o fenômeno é avaliado a partir de diferentes ângulos.
No caso do Brasil, a polarização indica a "intensidade das preferências políticas rivais", além de "conceber as decisões políticas como muito importantes", o que resultaria, por exemplo, em ações ou protestos "de um posicionamento em relação a outro".
Apesar de frequentemente vinculada a aspectos negativos, principalmente como estratégia eleitoral, a polarização política também pode trazer características positivas para a arena política.
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Entre eles, uma maior identificação político e partidária, em um sistema em que muitos partidos ainda não possuem clareza sobre a ideologia com a qual se identificam – ou mudam essa identificação de acordo com quem está no poder, como é o caso do Centrão.
Para Bezerra, no caso brasileiro, podem ser citados como aspectos positivos: “a diminuição dos partidos, a facilitação das identificações políticas e a geração de vínculos políticos/partidários”.
Professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará, Monalisa Torres argumenta que a polarização, por si só, é “normal” quando se trata de eleições majoritárias, nas quais um cargo apenas está na disputa – como o comando do Governo do Estado ou da presidência da República.
"A tendência é que se reduza o número de competidores e que os eleitores acabem se dirigindo a duas opções, uma mais à direita e outra mais à esquerda. É normal. O problema é quando esse gradiente de violência vai escalando, tornando o debate público insuportável", ressalta.
Ela explica que este escalonamento acaba fazendo com que a polarização saia da ideia de "construir um debate público, onde as diferenças se respeitam e tentam chegar a um acordo" e passam a encarar o até então adversário como inimigo, defendendo inclusive "a eliminação" dele.
A pesquisadora diferencia essa polarização na qual "ideologias diferentes se respeitam" e na qual as "diferenças ao pensar o mundo" são usadas para obter "consensos" daquelas onde os posicionamentos se "radicalizam" e em que essa convivência entre diferentes acaba por se tornar problemática.
Polarização política e ideológica
A polarização política nem sempre significa que existe a mesma oposição ideológica. Em casos como o dos Estados Unidos – onde o sistema bipartidário entre Democratas e Republicanos alinha partidos e ideologias –, os dois tipos de polarização podem sim ocorrer de forma conjunta, já que a diferenciação entre dois grupos ocorre sem que haja qualquer ponto comum, ou tendo poucas convergências.
Esse, contudo, não é o caso do Brasil, aponta Gabriela Bezerra. Ela explica que eleitores de Lula e Bolsonaro "compartilham opiniões sobre diversos temas".
"Eleitores de diferentes grupos partidários ou lideranças, no caso brasileiro, podem compartilhar a mesma opinião sobre diversos aspectos políticos e sociais, mas ainda assim se dividir em relação a quem melhor os representa".
E, em uma sociedade polarizada, essa escolha política em geral não é feita a partir de critérios como a avaliação da atuação dos candidatos ou mesmo da gestão, no caso daqueles que tentam a reeleição. "A escolha do seu voto é independente disso e fixa em um período de tempo", completa.
Isso se reflete, por exemplo, no nível de definição do eleitorado quanto aos candidatos nas eleições presidenciais. A primeira pesquisa Ipec realizada durante a campanha do 2° turno e divulgada no último dia 5 de outubro, mostra que 92% dos eleitores já estava decidido sobre o voto – apesar de fazer apenas três dias em que havia sido definida a disputa direta entre Lula e Bolsonaro.
Para Monalisa Torres, isso ocorre em um cenário em que a emoção passa a gerir as escolhas políticas feitas pelos eleitores em detrimento da razão. “Emoção e razão fazem parte da política. O problema é quando a emoção assume o protagonismo no debate (e a escolha sobre) em quem vai votar deixa de considerar cálculos mais racionais e passa por uma questão do que mobiliza mais meu afeto”, ressalta.
No caso das eleições presidenciais deste ano no Brasil, ela afirma que a principal emoção utilizada para mobilizar os eleitores “é a rejeição”. “Os próprios candidatos usam estratégias para reforçar essa lógica. Peças publicitárias usadas para ficar amedrontando o eleitor”, cita.
O que é uma sociedade polarizada?
O escalonamento da polarização política no País acabou por contaminar outros espaços, aponta Monalisa Torres. Ela cita desde famílias que não se encontram mais por conta das divergências de posicionamento eleitoral até agressões motivadas por questões políticas.
"A polarização tomou uma dimensão tão grande que ultrapassou as esferas da política, principalmente entre aqueles onde esses apegos aos candidatos ecoam de forma mais forte".
A contaminação é demonstrada em números. Estudo divulgado no último dia 10 de outubro pelas organizações não governamentais de Direitos Humanos Justiça Global e Terra de Direitos mapeou 121 ataques nos dois meses que antecederam o primeiro turno da votação, no dia 2 de outubro – uma média de dois casos por dia. Dentre eles, foram registrados ao menos cinco homicídios investigados por suspeita de motivação política.
Gabriela Bezerra aponta que este é um dos aspectos negativos da polarização política: a priorização da "avaliação dos indivíduos e grupos por sua vinculação política, gerando exclusões e estigmas e violência, tanto física, quanto simbólica".
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Além dos casos objetivos, a própria sensação dos eleitores passou a ser de insegurança. O estudo “Violência e Democracia: panorama brasileiro pré-eleições de 2022", feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), traz dados a respeito do assunto.
"O medo da violência política aparece em 67,5% dos entrevistados, que afirmam ter medo de serem agredidos em razão de suas escolhas políticas ou partidárias", cita o relatório da pesquisa.
Exemplos de polarização na política
O contexto eleitoral de 2022 no Brasil exemplifica a polarização, embora esse não seja um fenômeno novo. Torres aponta que essa divisão tornou-se forte ainda durante as eleições de 2014, quando "esse ambiente de convívio começou a ser deslegitimado pelos atores que faziam parte da disputa".
O que acabou estimulando eleitores a "desrespeitar ou acabar duvidando" da legitimidade do pleito.
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Bezerra lembra que antes, quando a disputa presidencial costumava ser polarizada entre PT e PSDB, "os eleitores fluturam entre ambos, com um percentual fixo bem mais reduzido", o que, segundo a pesquisadora, indica que fatores como a avaliação da gestão influenciava mais a decisão do que "vinculações afetivas intensas ou duradouras".
Contudo, o fenômeno não é exclusividade brasileira. Relatório sobre a Democracia 2022, do Instituto Variações da Democracia (V-Dem), da Suécia, indica que a polarização se fortaleceu em mais de 32 países, o que seria "um sinal de polarização tóxica". Esta conclusão do estudo leva em conta o período que vai de 2011 a 2021.
"A polarização atingiu níveis globais sem precedentes em 2021", ressalta o relatório, que indica ainda a 'toxicidade' dessa polarização quando o fenômeno "atinge níveis extremos. "(Quando) Começam a questionar a legitimidade moral um do outro e começar a tratar a oposição como uma ameaça existencial a um modo de vida ou uma nação", completa o texto.