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Do cartão da amiga até moedas do Palácio: jornal aponta relação de Michelle Bolsonaro ao caixa 2

Repórteres do jornal Metrópoles entrevistaram funcionários que tinham contato direto com a família Bolsonaro entre 2018 e 2022

Escrito por Redação ,
Legenda: Jair e Michelle Bolsonaro
Foto: Shutterstock

A conduta da ex primeira-dama, Michelle Bolsonaro, para conseguir benefícios financeiros para si e familiares, além da forma como tratava funcionários, foi retratada em reportagem que aponta indícios da prática de caixa 2 durante a última gestão federal. Os processos, inclusive, também são vistos pela Polícia Federal e Supremo Tribunal Federal (STF).

Os detalhes de como Michelle aproveitava os recursos da residência presidencial e dos funcionários do governo foram apurados pelos jornalistas Rodrigo Rangel e Sarah Teófilo do jornal Metrópoles. Eles conversaram com empregados, tiveram acesso a documentos, gravações e conversas inéditas.

Os colunistas evidenciam o contraste entre o discurso público do casal e o comportamento longe das câmeras. São expostos assédios morais, danos à estrutura, recolhimento de alimentos comprados com dinheiro público e até brigas familiares.

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Rachadinha com amiga

A ex primeira-dama usava um cartão de crédito da amiga Rosimary Cardoso Cordeiro, com quem mantém uma relação há mais de 15 anos. A Polícia Federal descobriu que as faturas eram pagas com dinheiro em espécie pelo tenente-coronel Mauro Cesar Cid.

Mauro era um dos principais nomes de confiança de Jair Bolsonaro. Mas essa lógica de gastos de Michelle chamou atenção dos investigadores da Polícia Federal.

Legenda: Michelle com a amiga
Foto: Reprodução/Metrópoles

O contexto é que Rosimary era uma assessora parlamentar de salário baixo, mas que teve o ganho elevado intensamente quando a amiga se tornou primeira dama. Antes da eleição de 2018, Rosimary ganhava cerca de R$ 6 mil e passou a receber R$ 17 mil.

Com essa promoção, a mulher começou a enviar encomendas regulares para Michelle, sendo que muitos desses envios era de dinheiro em espécie. A suspeita é de que ela repassava parte do salário para a amiga.

Dinheiro de Caixa 2

Investigações do STF analisam a postura de Mauro Cid devido às transações financeiras com dinheiro em espécie entregue à Michelle. Sempre que ela precisava de dinheiro, mandava funcionários buscar com o tenente-coronel.

Pessoas de confiança de Mauro Cid estavam disponíveis para fazer depósitos ou entregas de dinheiro à ex primeira-dama. Os valores eram usados para compras particulares da mulher ou da família.

Uma das despesas pagas dessa forma era a mensalidade do curso de arquitetura de Geovana Kathleen, meia-irmã de Michelle. Em outras ocasiões, o dinheiro era entregue diretamente aos familiares.

As tratativas eram feitas por meio do Whatsapp e as mensagens são investigadas pela equipe do ministro do STF Alexandre de Moraes. Em uma dessas conversas, Cid diz "Só peça dinheiro a mando dela".

Legenda: Registros de conversas
Foto: Reprodução/Metrópoles

Noutro momento, o funcionário fala "Boa tarde Cel (coronel) dona Michelle pediu pro senhor transferir 3.000 pra conta dela!", como está registrado.

Os pedidos eram atendidos com depósitos em espécie feitos na boca do caixa pela equipe de Mauro Cid.

Assédio moral com funcionários

Em fevereiro de 2021, a tarefa de comandar o máquina do Alvorada foi confiada por Michelle ao pastor Francisco de Assis Castelo Branco. Ele já mantinha uma relação com a família desde que moravam no Rio de Janeiro.

O pastor, apelidado de Chico pelos Bolsonaros, é casado Elizângela Castelo Branco, que é interprete de Libras e amiga íntima de Michele. As duas foram para uma viagem de fim de ano na Flórida.

Legenda: Durante a sua atuação, recebeu a alcunha de "pastor-capeta" pelo assédio moral ao funcionários, que ameaça de demissão
Foto: Reprodução/Metrópoles

Francisco, ainda em 2018, ganhou um cargo com salário de R$ 5,6 mil, mas foi transferido para o Alvorada e os ganhos praticamente dobraram.

Durante a sua atuação, recebeu a alcunha de "pastor-capeta" pelo assédio moral ao funcionários, com ameaças de demissão.

Alguns perderam o emprego por levar mangas do pomar para casa, sendo que essa era uma prática antiga. "Ele assediava as pessoas e ameaçava de demissão o tempo todo. E dizia que a primeira-dama tinha conhecimento de tudo e autorizava essa postura", contou um funcionário ao Metrópoles.

Recolhimento das moedas da sorte

Os funcionários do Palácio da Alvorada relataram que alimentos de alto custo, comprados com dinheiro público, sumiram do estoque. Lá estavam carnes nobres, como picanha e filé mignon, além de camarão e bacalhau.

As testemunhas contaram que um grupo de empregados da administração levaram os produtos sem compartilhar com o restante da equipe. Além disso, houve a remoção das moedas do espelho d'água que fica em frente ao Palácio.

Nessa estrutura, os visitantes têm uma tradição de jogar moedas acreditando ser um gesto para ter sorte. Mas esse dinheiro foi recolhido pelos funcionários, sob ordem do pastor Francisco, pouco antes da família Bolsonaro deixar o local.

Francisco disse que o pedido foi da ex primeira-dama e quantia recolhida não foi divulgada, mas foi dito que seria doado para uma igreja.

"Se ele doou ou não, não sei, mas ele falou que era a mando da Michelle", contou um dos entrevistados. O pastor tentou permanecer no cargo na gestão Lula, mas foi exonerado no dia 5 de janeiro.

Adega de vinhos arrombada

Jair Bolsonaro chutou e derrubou a porta da adega do Palácio do Planalto para dar um vinho de presente a um visitante. Isso porque, ao chegar no local, descobriu que a adega havia sido trancada e Michelle ordenou que não fosse aberta.

A ex primeira-dama estava incomodada com Jair Renan, que ia Palácio fora de hora levando garrafas da bebida. Por isso, ela determinou que o espaço não fosse aberto nem para o presidente.

Ele, por sua vez, ficou constrangido e enfurecido diante da visita e arrombou a porta. Conseguiu dar o vinho de presente, mas a entrada do local ficou danificada por muitos dias.

Brigas familiares

Michelle Bolsonaro mantinha uma relação conturbada com os filhos dos casamentos anteriores do presidente, especialmente, Carlos e Jair Renan. Funcionários testemunharam diversas brigas familiares.

Em uma delas, Carlos chegou na residência acompanhado de seguranças, mas foi impedido de entrar por uma ordem da madrasta. Ele gritou e chorou na ocasião, insistindo com o pastor Francisco, sendo obrigado a ir embora.

Isso aconteceu horas antes de um debate com Lula, então candidato à presidência. Bolsonaro estava se preparando para o evento, quando soube da discussão.

O ex-presidente desabafava com os funcionários que Michelle tratava mal os filhos, mas comumente recebia pessoas da própria família, a quem ele chamava de "Ceilândia", que é uma região do Distrito Federal onde moram os parentes.

"Ele reclamava dizendo que, principalmente nos finais de semana, a Ceilândia estava em peso lá. E isso era verdade", afirmou um empregado ouvido pela reportagem.

Uma dessas pessoas era dona Helena, tia de Michelle, que tinha acesso à alimentação preparada especialmente para ela pelos funcionários da residência presidencial com autorização da ex primeira-dama.

Jair Renan, quando morava num apartamento próximo ao Palácio, passava no local para pegar alimentos e também tinha acesso à comida por meio de motoristas em carros oficias do governo que iam entregar as refeições diretamente ao filho do ex-presidente.

Porém, a "entrega de marmita" para o 04, como os servidores chamavam a tarefa, foi suspensa após uma briga familiar. Isso porque Jair Renan começou a pedir comida para uma segunda pessoa, que se acreditava ser a mãe, Ana Cristina. A suspeita teria irritado Michelle. 

O que dizem os citados

Os jornalistas não conseguiram contato com Jair e Michelle Bolsonaro e nem com Francisco Castelo Branco.

O tenente-coronel Mauro Cid negou, para interlocutores, que tenha algum tipo de irregularidade no manejo do dinheiro.

"Disse ainda que não lidava com verbas sacadas de cartões corporativos e que as despesas particulares da família eram pagas com recursos retirados da conta pessoal do então presidente", detalha o Metrópoles.

Rosimary Cordeiro nega o envio de envelopes com dinheiro para Michelle e também que encontrava funcionários do palácio para entregar as encomendas.

“De onde você tirou isso? Isso nunca existiu”, disse aos jornalistas num telefonema, mas desligou o aparelho antes de ser informada sobre as mensagens que mostram os contatos dela com a equipe de Michelle.

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