Poder de compra do bairro Pirambu cresce 37,2% em dois anos

Mesmo com as dificuldades da crise econômica, mercado consumidor das comunidades segue em crescimento. Famílias do Pirambu movimentaram R$ 246 milhões em 2018 frente a R$ 180 milhões em 2016

Escrito por Hugo Renan do Nascimento , hugo.renan@diariodonordeste.com.br
Legenda: Potencial de consumo no Pirambu cresce a cada ano
Foto: Foto: Fernanda Siebra

Mesmo com os reflexos da crise econômica dos últimos anos, o mercado consumidor das periferias está crescendo em todo o País, inclusive em Fortaleza. Segmentos como o de alimentação no domicílio, material de construção, vestuário, higiene pessoal e medicamentos são os mais expressivos no bairro Pirambu, na Capital. 

Segundo levantamento da Outdoor Social, empresa voltada para classes populares, esses setores representam juntos mais de 36% da economia local. A pesquisa aponta ainda que o potencial de consumo das famílias da comunidade foi de R$ 246 milhões em 2018, uma alta de 37,2% em relação a 2016, quando esse poder de compra chegou a quase R$ 180 milhões.

“Quando falamos de comunidade, sempre falamos de um consumo interno de casa muito grande. Então, quanto maior a crise, maior é a alimentação dentro de casa, como os conteúdos pré-pagos e material de limpeza. Quando você está em um cenário mais recessivo esses segmentos são aquecidos. A primeira coisa que você vai cortar quando você está apertado é o lazer e fazer as coisas dentro de casa”, explica a fundadora da Outdoor Social, Emília Rabello.

De acordo com ela, a classe média é quem mais sofre nos momentos de crise porque é este estrato social que consome mais os produtos supérfluos. “A comunidade, mesmo por ter essa característica de adaptabilidade da informalidade, do bico, consegue se virar mais prontamente, tem mais criatividade para se tornar um ambulante, mesmo que seja momentaneamente, todas as ações de microempreendedor individual que você possa imaginar”.

Diante dos impactos da recessão, o Pirambu consegue manter um comércio dinâmico e ativo, mesmo com limitações sociais e econômicas dos moradores. No bairro, predominam estabelecimentos comerciais, como supermercados, salões de beleza, farmácias, lojas de material de construção, de roupas, de calçados e de itens de beleza. Segundo o levantamento da Out-door Social, 21,09% do potencial de consumo são referentes ao segmento de alimentação no domicílio, cujo impacto na economia local foi de mais de R$ 124 milhões no ano passado.

A pesquisa da Outdoor Social informa que o mercado consumidor do Pirambu tem cerca de 46 mil habitantes. Para o diretor-geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) e professor da Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (UFC), João Mário de França, a comunidade é um mercado com alto poder de consumo, principalmente, nos segmentos de alimentação em casa, material de construção e vestuário.
 
“Isso deve gerar um impacto muito grande no comércio local, nos pequenos estabelecimentos, e gera um efeito de renda muito localizado. Certamente, é um mercado de consumo que tem um potencial muito grande de expansão e dinamismo, mas que está muito atrelado à economia. Se a economia estiver indo bem, esse mercado se expande mais, e o consumo aumenta, gera mais renda. Mas se a economia não tiver indo bem, gera imediatamente uma forte retração”.

Além disso, grande parte desse consumidor gasta para o consumo em casa, como revela a pesquisa. “O público de baixa renda procura mesmo a alimentação no domicílio porque é muito mais econômico. Se você passa para a classe média, certamente a primeira coisa que você sacrifica é o lazer, e aí tem o restaurante. Esse é o primeiro item que sofre na crise econômica. Aqui mesmo em Fortaleza, tem estabelecimentos fechando as portas porque a demanda por este tipo de serviço caiu com a crise”, avalia. 

Ainda de acordo com o levantamento, outro segmento de bastante relevância no Pirambu são as lojas de material de construção. Com espaço de crescimento cada vez maior, este tipo de estabelecimento gerou na comunidade, no último ano, mais de R$ 29 milhões, com uma representatividade que chega a quase 5% do total. Já os segmentos de vestuário, higiene e cuidados pessoais movimentam anualmente R$22 milhões e R$19 milhões na comunidade, respectivamente. Os dois representam mais de 7% do total.

Para o professor da UFC, estes são segmentos que possuem muita representatividade no comércio local e movimentam a economia do Pirambu com lojas de familiares e de pessoas que vivem há anos no bairro. “Sem dúvida, é um mercado dinâmico, que está mudando muito. O tipo de consumo está mudando também, mas ainda assim é muito afetado pela crise econômica porque quando o emprego diminui, quem mais sofre são os indivíduos que têm menos qualificação, e geralmente esse tipo de perfil que a pesquisa está estudando está muito ligado à baixa qualificação e tem dificuldade de voltar ao mercado de trabalho com as mesmas condições que tinham anteriormente”, comenta. 

Mercantil
O movimento intenso na porta já sinaliza que o comércio da Sandra Albuquerque Feijó, de 53 anos, é bastante conhecido. Há 20 anos administrando o Mercadinho Sandra, ela conta que aprendeu com a família a ser comerciante. “A minha família é toda de comerciante. Eu sempre gostei de fazer investimento e sempre fazia tudo com o meu dinheiro. Eu sempre fui muito econômica. Com o dinheiro na minha conta, eu fui investindo e comprei essa loja do meu irmão”, diz ela, orgulhosa. 

Com equipamentos de segurança e diversas seções com produtos variados, o Mercadinho Sandra só tem diminutivo no nome. Ela investiu na quantidade e qualidade das mercadorias e equipou a loja com computadores nos caixas para facilitar os processos e atrair cada vez mais clientes. 

“Quando ele (mercadinho) não era informatizado, eu tinha muito problema para ter controle de preço. A gente digitava na calculadora, era muito complexo todo esse processo do comércio. Eu fazia conta na mão. Então, foi um contexto de evolução de passo a passo. Eu não fiz administração e nem contabilidade. Eu estudei até o segundo grau e tudo que eu fui aprendendo foi ao longo do tempo, levando muitas bofetadas e nunca desisti”, explica.

Sandra emprega atualmente dez funcionários. Ela diz ainda que já pensou em ter outras lojas no bairro, mas que ainda não chegou a hora. “Eu fui evoluindo nestes anos. Eu passei seis anos para terminar a construção dessa loja. Eu não gosto de fazer dívidas, de fazer empréstimos no banco. Não gosto desse tipo de serviço. Já tive dificuldade financeira no começo por conta de não saber administrar. A loja é muito complexa e eu fui aprendendo ao longo dos anos. A gente só pode fazer aquilo que a gente dá conta de fazer. Se eu tivesse conhecimento, talvez eu abrisse outra loja. Pode até acontecer, mas hoje, para mim, eu não quero. Tem que ter uma ponta de base muito bem estruturada para isso”, acrescenta. 

Legenda: Há 20 anos administrando o Mercadinho Sandra, a proprietária conta que aprendeu com a família a ser comerciante
Foto: Foto: Kid Júnior

Na família
A poucos quarteirões do Mercantil Sandra, o comércio na Avenida Theberge, no Pirambu, se mistura com residências e consumidores. Apesar da crise e de poucos clientes nas lojas, o movimento de pessoas e veículos é bastante intenso. A Farmácia Isabelle, que carrega o nome de Isabelle Maciel, existe há 25 anos. É um estabelecimento familiar que foi iniciado pela mãe dela. 

“A farmácia é uma herança da minha mãe, que era farmacêutica. Ela conhecia o pessoal, conhecia todo mundo. Há quatro anos, ela faleceu e eu assumi, porque também sou farmacêutica. Não é a mesma coisa porque ela era dedicação exclusiva. E nesses quatro últimos anos, eu estou tentando continuar esse trabalho. Essa farmácia é diferente das grandes. Normalmente, o cliente é daqui do bairro que vem pedir opinião sobre as receitas médicas. A gente vai nesse cliente que não é rico. É um cliente que muitas vezes não tem acesso à consulta. A renda daqui não é alta”, explica Isabelle.

Segundo a farmacêutica, muitos aspectos tiveram que ser mudados por conta da recessão. “A gente teve que readaptar muita coisa, porque estamos em uma crise. É um comércio familiar e estamos tentando conduzir nessa linha. Eu fui formada não para ser comerciante, e é nesta luta que estamos tentando entender essa crise. Hoje, nós somos funcionários, todos da família, todos registrados, com carteira de trabalho”, acrescenta ela. 

Hoje, Isabelle diz que tenta entender melhor o perfil do cliente do bairro, porque a concorrência no segmento de farmácias é muito grande. “O público vem aqui na farmácia. A gente vai ter que entender como fazer entrega. Aqui é ambulatorial. É um público que vem para cá que já foi cativado há vários anos. A gente faz divulgação nos eventos da igreja. Já fizemos divulgação em carros de som. Aos poucos, a gente vai sentindo que as grandes farmácias vão ganhando espaço, porque elas vendem mais barato”. 

Cautela
Enquanto o comércio vai sentindo os efeitos da crise, que ainda perdura e afeta milhares de famílias no Pirambu, as pessoas da comunidade continuam priorizando os gastos com despesas básicas e cortando custos que não são prioridade no orçamento. “Muitas famílias que têm endividamento muito grande estão reticentes em voltar ao mercado de consumo. Estão preferindo pagar as dívidas ou poupar o que puder e se prevenir para evitar na volta de uma nova crise estarem numa situação menos fragilizada”, arremata o professor da UFC.

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