Mestres e doutores cearenses enfrentam escassez de oportunidades no mercado de trabalho
Disfunção da oferta e demanda e volatilidade do mercado são apontadas por especialista como causa desse processo
Com taxas de desemprego recordes neste ano, a desocupação não atinge somente os candidatos com menos qualificações. É crescente o número de profissionais com títulos de mestrado ou doutorado que não conseguem vagas nas áreas de formação ou empregos condizentes com o nível de estudo.
É o caso de Paulo Ricardo Costa, de 34 anos, que se formou em Gastronomia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) em 2014 e tinha o sonho de seguir carreira acadêmica como professor universitário.
“Eu vivenciei muito a universidade. Fui monitor, então eu entrava bastante nessa questão dos trabalhos científicos e fiz optativas no curso de Engenharia de Alimentos, em que tinha o mestrado onde mais se enquadrava com o que eu queria estudar, tecnologia de alimentos”, relata Costa.
Um ano após a formação, o gastrônomo entrou para o mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos, também pela UFC, entre os anos de 2015 e 2017. E lá já teve o primeiro ‘choque’.
“Não tive bolsa de imediato. Até 2014, estava abundante, mas depois a situação começou a mudar. Hoje, muita gente desiste por falta do incentivo”.
Além disso, as diferenças não foram sentidas somente durante o tempo de academia. “Na época que estava na graduação, conheci pessoas que só por estarem fazendo um mestrado conseguiam vínculos empregatícios com faculdades privadas. Existia uma demanda e uma valorização, mas as coisas foram mudando”, relata Costa.
Baixa remuneração
Antes mesmo de entrar no mestrado, o gastrônomo trabalhou como professor universitário. Segundo ele, a remuneração era calculada com base nas horas trabalhadas e, em um ano e meio, ganhou menos que um salário mínimo por mês. “Isso já era uma demanda retraída e dificilmente tinham novas seleções”.
Após o período, Costa e outros 25% do quadro de funcionários da universidade foram demitidos e, desde então, não conseguiu novo emprego na área.
Hoje, Costa é servidor público municipal no interior do Ceará, em cargo que exige apenas ensino fundamental.
“O que eu aconselho para quem fazer é não abrir mão de seu emprego em nome da carreira acadêmica, pois a situação não está fácil”.
Certeza do desemprego
Desde adolescente, Altemar Di Monteiro, de 35 anos, trabalha com teatro e pesquisa. Em dois meses, o artista defende o doutorado que cursa pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no entanto, “é saber que vou ser mais um desempregado na sociedade”, lamenta.
Graduado em Teatro, Monteiro se dedica à pesquisa acadêmica desde 2015 com o objetivo de continuar na vida profissional. Mas os caminhos já não se mostram tão abertos assim.
“É um processo angustiante, pois vai demandando outras perspectivas de trabalho. Sempre soube que não precisava de mestrado ou doutorado para ser artista, mas quando você passa por essa experiência, você começa a almejar se qualificar mais”.
Diante das poucas oportunidades, ele e o grupo do qual participa, Nós de Teatro, estão sobrevivendo com os editais de fomento, já que as atividades presenciais estão paralisadas por conta da pandemia. O dinheiro, contudo, já tem prazo de validade.
“O recurso já acaba em setembro e temos um salário que não é condizente. Somos privilegiados por conseguir para atores e diretores, mas aquém da nossa qualificação. É triste saber que meu doutorado não vai servir de nada, talvez a muito longo prazo. Um doutor em artes está totalmente na contramão dos interesses do setor privado”, acrescenta.
Disfunção da oferta e demanda
O analista de mercado de trabalho, Erle Mesquita, pontua que esse processo é provocado por uma disfunção da oferta e demanda. “Há alguns anos, as empresas falavam que faltava mão de obra qualificada e começou a ter, mas o mercado não consegue mais abarcar todo mundo”, explica.
Uma pesquisa do Instituto do Desenvolvimento do Trabalho (IDT) divulgada em maio deste ano mostra que os níveis de desemprego provocados pela pandemia também atingiram os trabalhadores mais escolarizados.
A taxa de desemprego entre aqueles que dedicaram 12 a 15 anos ao estudo é de 15%, já aqueles que dedicaram 16 anos ou mais é de 6,3%.
“Cada vez mais a escolaridade e outros fatores vão influenciar na inserção do mercado de trabalho. Há um crescimento de jovens concludentes de ensino médio, do ensino técnico, o que vai aumentar a concorrência, mas a oferta de trabalho tem sido decrescente e essa conta não fecha. Sempre vai ter mais pessoas que oportunidades”, pondera Mesquita.
Com a pandemia, a situação piorou ainda mais, segundo o analista. Se antes o Ceará registrava mais de meio milhão de admissões por ano, hoje o número caiu para cerca de 370 mil.
Mercado volátil
Mesquita ressalta ainda que o mercado de trabalho é muito volátil e as profissões que estão mais em evidência sempre mudam.
“Anos atrás foi um ‘boom’ da construção civil. Muita gente foi fazer engenharia e agora estão encontrando dificuldades para se inserir no mercado. A profissão da vez é relacionada à Tecnologia de Informação. Por isso, é fundamental fazer aquilo que gosta e analisar estrategicamente também”.
Além disso, os títulos não são necessariamente revertidos em melhores remunerações no setor privado, diferentemente de como acontece no setor público.