Expectativa pela reabertura de lojas dá fôlego na semana de transição

Com pedidos de novas peças em espera, pequena confecção no Bom Jardim aguarda retomada das vendas pelos lojistas para poder voltar ao ritmo de antes da crise causada pela pandemia do novo coronavírus

Escrito por Ingrid Coelho , ingrid.coelho@svm.com.br
Legenda: Desempregado devido à crise, Paulo Wendel encontrou uma nova profissão na confecção na qual a esposa trabalha
Foto: FOTOS: FABIANE DE PAULA

O pão chega quentinho por volta de nove horas da manhã no espaço ocupado por costureiras e seus auxiliares no bairro Bom Jardim, indicando que é o momento de pausa para a merenda. O trabalho começa às 7h e, até o almoço, ainda há muitas bainhas e drapeados a serem feitos, além de sobras de linhas e tecidos a serem cortados, peças a serem dobradas. A equipe caminha para o fim da primeira semana de transição do chamado Plano Responsável de Abertura das Atividades Econômicas e Comportamentais do Governo do Estado, retomando o fôlego e na expectativa que a reabertura continue.

Mas antes do primeiro gole de café, assim como em todos os dias, um momento de oração. Paulo Wendel Rodrigues dá um passo a frente no círculo formado próximo à mesa e agradece não só pela comida, mas pela semana que se encerra. Foram mais de 600 máscaras costuradas diariamente, produção da qual ele participou na fase de finalização: virou do avesso, cortou as linhas, dobrou e empacotou cerca de 250 itens.

Ele foi um dos maridos que conseguiu emprego na confecção onde a esposa trabalha. O ofício veio em boa hora. Em meio à pandemia, Paulo ficou desempregado. Foi mandado embora do restaurante no qual trabalhava com a queda na demanda e crise financeira provocada pelo avanço do vírus no Ceará. Apesar disso, comemora que não faltou nada para si e para a família. "Deus abriu uma porta e agora eu estou aqui com a minha esposa, ajudando no trabalho dela. É bom ver como ela trabalha. Eu pensava que o trabalho dela era fácil e hoje eu vejo que ela trabalha muito", reconhece. As máscaras são repassadas para a marca que as encomendou por R$ 0,35, cada.

Apesar de ter encontrado certo alento no trabalho com as máscaras e do forte otimismo, ele reconhece as dificuldades. Sente saudades dos familiares, dos irmãos de igreja e de evangelizar. "A gente sente falta e ora em casa, mas a gente quer estar evangelizando, quer estar perto dos nossos irmãos. A nossa expectativa é voltar logo para estarmos novamente todos unidos", diz. A saudade é compartilhada. Todas as costureiras no local fazem parte da mesma igreja e, apesar de estarem juntas na fé e na luta pelo pão de cada dia, sentem falta dos outros irmãos de oração.

É o caso da Clemilda Sales, que fica à frente da facção de costureiras. "É uma vontade que todos nós temos, vontade de ver os nossos familiares, de voltar a frequentar a nossa igreja. Estamos pedindo a Deus para que tudo volte logo ao normal", lembra.

Ritmo mantido

Ao fazer uma espécie de balanço da semana, a costureira explica que a equipe vem mantendo o ritmo de produção das máscaras e peças de moda feminina, seguindo o que tinha planejado na segunda-feira. De segunda para cá foram, além das 600 máscaras, mais de 300 shorts. As expectativas para a reabertura do varejo de moda, que deve ocorrer na próxima segunda (8), seguem positivas mas ela sabe que ainda há muito estoque parado nas lojas, o que a faz "se manter com os pés no chão", conforme descreve.

"Estamos querendo trazer mais uma costureira que está em casa na próxima semana para aumentar ainda mais a produção de roupa feminina. E as máscaras a gente vai continuando, né? Já que o pessoal vai continuar precisando", pontua Clemilda.

Entraves e incertezas

Ela explica que uma das marcas de roupas para a qual ela costura moda feminina comunicou que só irá enviar novos cortes e pegar o estoque que está na facção na segunda quinzena deste mês.

"Quando as lojas voltarem a funcionar é que a gente vai ter certeza de como vai ficar a produção. A dona da marca disse que ainda tem muito estoque na loja e já disse que 'só vai voltar a cortar depois do dia 15'. Agora, o corte de máscaras eles vão continuar fazendo e mandando", revela.

No entanto, garante que não ficou preocupada com a notícia. Segundo conta, o cliente "é uma empresa grande" e, ao retornar à ativa também deve fazer com que as costureiras não parem mais o serviço. "Não vai ser o mesmo ritmo de antes, mas a gente não vai parar. Essa outra empresa que me procurou na pandemia trouxe mais dois cortes de 250 peças. Não é muito, mas pra gente, que está com estoque pequeno, é ótimo!", anima-se.

A expectativa dela e do grupo de costureiras - e agora os maridos delas - é de que o plano de retomada siga sem retrocesso e as lojas de confecções possam abrir a partir da próxima segunda-feira (8), aquecendo as vendas e acelerando a produção na confecção.

Com o ritmo mantido desde segunda-feira (1º), a costureira Natália Melo não parou na semana de transição. Ela era a única trabalhando nas peças de moda feminina no início da semana e, agora, conta com mais duas companheiras nessa tarefa, enquanto os outros seguem com as máscaras.

Enquanto costura uma pilha de tecido que rapidamente se transformam em shorts, Natália diz que as expectativas ainda são positivas. "Espero que a gente não pare de novo, que continue. Mas a gente fica numa balança. Tem hora que a expectativa é boa e tem horas que a gente vê a situação e cai um pouco, mas é preciso ter esperança e acreditar que vai dar certo", diz.

Amor pela profissão

Clemilda começou o ofício há 13 anos. Hoje, já o ensinou às filhas. A mais nova, de um ano e oito meses, já ensaia os passos da mãe ao passear entre máquinas e tecidos, vez ou outra, durante o expediente. Antes disso, Clemilda lembra que ensinou o irmão a costurar logo depois que começou.

"Comecei com uma só máquina, daquelas pequenas, 'cabecinha preta'. Depois comprei uma reta e trouxe um irmão que mora no interior pra me ajudar. Depois uma industrial". Ela lembra que nunca havia parado de forma tão brusca em sua trajetória como agora. "Foi a primeira vez. O mundo inteiro parou, né?".

Além do medo do vírus em si, Clemilda, assim como boa parte dos brasileiros, teme que falte alguma coisa em casa. "Eu sou viúva e tenho três filhas. Eu vivo disso aqui. A minha preocupação é deixar faltar algo em casa, como para muita gente tem acontecido".

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