Quais critérios norteiam a desobrigação do uso de máscara? Especialistas avaliam cenário no Ceará
Para liberar a circulação de pessoas sem o equipamento de proteção é necessário alto índice de imunização e monitoramento constante do nível de infecção e capacidade hospitalar
Na pandemia de Covid, o uso de máscaras adequadas é um dos consensos sobre a redução da propagação do vírus. Mas, após mais de um ano de uso obrigatório, cidades brasileiras debatem a flexibilização. O Estado do Rio de Janeiro, e mais precisamente a capital, esta semana, passaram a dispensar o uso do equipamento em algumas situações.
No Ceará, não há regra publicada pelo Governo Estadual nesse sentido e a imposição continua. Em Fortaleza, o prefeito Sarto afirma que o uso deve seguir em 2022. Diante do cenário, quais critérios norteiam a desobrigação do uso de máscara e quem pode defini-los?
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No Rio de Janeiro, primeiro estado brasileiro a estabelecer uma norma desobrigando a utilização do equipamento, o prefeito Eduardo Paes (PSD) publicou, na quarta-feira (27), um decreto que flexibiliza o uso de máscaras. A norma passou a valer, nesta quinta-feira, pois o governador Cláudio Castro (PL) sancionou um projeto de lei que autoriza as prefeituras a derrubarem a obrigatoriedade do equipamento.
Na cidade do Rio de Janeiro, desde esta quinta-feira, portanto, já é permitido andar nas ruas sem máscara. O decreto municipal estabelece, dentre outros pontos, que:
- O uso de máscaras deixa de ser obrigatórias em áreas abertas;
- Quando 75% da população estiver com o esquema vacinal completo (duas doses aplicadas ou dose única), as máscaras serão obrigatórias somente no transporte público e em unidades de saúde.
O uso da proteção foi abolido ao ar livre na cidade do Rio, segundo o decreto, desde que não haja aglomeração. Conforme a prefeitura, o parâmetro estabelecido, no qual 65% da população já está com esquema vacinal completo, considerou o cenário epidemiológico favorável, com menos casos graves, mortes e internações e estudos técnicos de outros países, como Inglaterra e Estados Unidos.
Na capital carioca, a taxa de letalidade - em 2021 - é de 5,9% e a incidência da doença a cada 100 mil habitantes, é de 4,0, segundo painel da própria Prefeitura.
Já em Fortaleza, 61,21% da população vacinável está com esquema completo da vacinação, a taxa de letalidade - em 2021 - é de 3% e a incidência é de 6,3 a cada 100 pessoas, conforme dados do Integrasus.
Critérios de segurança
O médico infectologista Keny Colares, consultor em infectologia da Escola de Saúde Pública do Ceará, explica que, no cenário mundial, cada país deve indicar o que chama de “controlado o suficiente”.
“Tudo depende dos indicadores da doença: número de casos, óbitos, internações, leitos ocupados. Não existe consenso entre os países. Tem alguns que buscam zerar a transmissão. Outros são mais tolerantes, deixam as medidas relativamente frouxas até que tenha algum sinal e saturação dos leitos. Vai ser difícil ter uma regra mundial. É preciso considerar a evolução temporal”.
Ele acrescenta que uma das medidas é observar a manutenção dos indicadores por um tempo prolongado. “As duas grandes ondas que tivemos (no Brasil) foram nos primeiros semestres e existe uma grande interrogação se em 2022 vamos ter uma terceira onda”.
A visão é compartilhada pela médica infectologista Mônica Façanha. "Um dos cuidados é ir liberando os controles de forma devagar e a gente está chegando em um período de final de ano, de todo mundo se juntar e fazer as comemorações, temos de ser cautelosos", destaca.
De acordo com Keny, para abolir o uso de máscaras, é preciso considerar, sobretudo, a manutenção dos indicadores, “especialmente atravessando esse período de risco ambiental aumentado, que vai dar um pouco mais de certeza”.
O infectologista também avalia que a cobertura vacinal, nesse caso, é um indicador indireto, pois é preciso considerar, além da aplicação da vacina em si, se as pessoas estão seguras ou não.
“Recentemente tivemos casos em países como Reino Unido, Estados Unidos e Israel, que estão entre 60% e 70% da população vacinada que tiveram uma liberação das medidas de proteção como máscaras e voltaram a ter casos e óbitos”, reforça.
É seguro sair sem máscara?
Manter a transmissão da doença em níveis baixos deve ser um esforço conjunto no atual momento da pandemia, como avalia Mônica. "Ao longo desse período mais crítico que a gente passou, o objetivo principal era que a gente pudesse ter condição de atender as pessoas. Se adoecesse todo mundo, não teria vaga", lembra.
À medida que essa velocidade foi sendo reduzida e agora que a vacinação, atingindo uma proporção maior de pessoas, a gente pode pensar em liberar as medidas de controle, mas prestando atenção no que vai acontecer.
A obrigatoriedade de uso das máscaras deveria estar em último lugar na lista de flexibilização das restrições durante a pandemia devido à relevância do equipamento para conter a doença na análise de Mônica.
"Será que se liberar as pessoas para andar nas ruas sem máscaras elas vão só andar sem na rua? Se chegar em ambiente fechado vão lembrar de usar máscaras? E quando estiver junto com outras pessoas?", questiona a especialista.
Ainda não há consenso entre cientistas de qual será o percentual imunizado da população capaz de trazer segurança para todos. "Mesmo eu estando vacinada posso me infectar. Não vou ter a doença grave, mas posso transmitir para quem não tem imunidade e, essa, vir a ter a doença grave”.
Interferência do ambiente
O médico também reforça que, no decorrer de todos os meses da pandemia, a ciência já comprovou que a transmissão acontece de forma muito mais fácil se as pessoas estiverem:
- próximas
- sem máscaras
- em ambientes fechados e sem ventilação
“Sem dúvidas, é a gente aceitar as pessoas sem máscara circulando em ambientes bem abertos, como a Beira-Mar, onde as pessoas estejam mais ou menos afastadas. Discussão de máscara nesse ambiente é uma coisa. Outra é a gente ver a retirada das máscaras em ambientes fechados, considerados de risco aumentado", avalia Keny.
Mas, nesse momento não é adequado liberar o não uso nem em ambiente aberto, nem em ambientes fechados. Os países que fizeram isso tiveram maus resultados e acho que não devemos pagar para ver
Os espaços fechados são mais difíceis de manter o controle sanitário porque as secreções se depositam nas mesas, maçanetas e outras superfícies e podem contaminar as mãos de quem compartilha o ambiente.
“Se não tiver perto de ninguém, numa distância de dois ou um metro e meio, as secreções não vão chegar em mim e nem as minhas vão chegar nas pessoas. Independente de espaço aberto ou fechado, mas em ambiente fechado o controle é mais difícil”, frisa Mônica Façanha.
Uso de máscara no Ceará
No Ceará, na pandemia, a primeira menção, em decreto do Governo Estadual, ao uso obrigatório da máscara ocorreu no dia 5 de abril de 2020, quando foi estabelecido que os feirantes deveriam utilizar o equipamento. Com isso, a imposição passou a vigorar nos municípios.
Somente no dia 19 de abril o decreto estadual estendeu a exigência a todos os trabalhadores dos serviços essenciais. Já a população geral passou a ser obrigada a usar máscaras para transitar nas ruas no dia 5 de maio de 2020.
Em agosto de 2020, entrou em vigor a Lei Estadual 17.261/2020, que determina a aplicação de multa para quem não utilizar máscara tanto nos espaços públicos, como nos privados do Ceará. Na norma consta a obrigação de os estabelecimentos públicos ou privados só autorizar o ingresso ou a permanência de pessoas caso estejam usando o equipamento.
Mas, apesar da imposição, em vários momentos da pandemia, o uso do equipamento tem sido negligenciado pela população, e sobretudo, em períodos de melhora do cenário pandêmico, a exemplo do atual momento.
No começo de outubro, a Prefeitura de Nova Olinda, cidade no Sul do Ceará, publicou um decreto anunciando a desobrigação do uso de máscaras na cidade. Contudo, o decreto estadual em vigor não flexibilizava o uso da proteção.
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À época, a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), em nota, disse que "nenhuma flexibilização referente ao não uso de máscaras de proteção é cogitada no momento, tendo em vista não haver contexto sanitário favorável no Estado".
Um dia após a desobrigação, a gestão municipal voltou atrás e revogou a decisão. A providência atendeu à requisição do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) havia se manifestado em ofício solicitando a imediata revogação do decreto que flexibilizou o uso.