Como evitar que o Ceará tenha aumento de casos da Covid vindos de países que enfrentam novas ondas
Especialistas alertam para o risco de uma nova onda no Estado e destacam a importância de ações de controle na entrada de visitantes, como exigência de passaporte vacinal
A proximidade das férias de fim de ano deve impulsionar o turismo internacional no Ceará. Considerado um dos principais destinos na rota dos estrangeiros, a alta movimentação, neste segundo ano de pandemia, preocupa autoridades sanitárias e especialistas.
O temor é de que o cenário pandêmico no Estado, atualmente com indicadores em queda, possa se agravar devido à vinda de turistas de países da Europa onde já há registro de novo aumento nos casos de infecção pela Covid-19. Semanalmente, Fortaleza recebe seis voos de Lisboa (Portugal) e três de Paris.
Na França, os casos voltaram a crescer. Na primeira semana de novembro, os registros diários saltaram 52%. O governo francês vai fortalecer as medidas de distanciamento social e dar mais celeridade à campanha de vacinação, além de intensificar as regras sobre o uso do passe sanitário.
Mas então, o que pode ser feito como forma de proteção e prevenção a um possível aumento de casos em solo cearense? A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou, nesta quinta-feira (25), notas técnicas recomendando que a imunização contra o novo coronavírus seja obrigatória para quem deseje entrar no Brasil.
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Ainda conforme as duas notas enviadas à Casa Civil, a segunda dose ou a dose única da vacina deve ter sido tomada há pelo menos 14 dias da entrada no país. Especialistas cearenses concordam com as medidas e lembram que, somente com vacinação e controle do fluxo de pessoas, será possível prevenir o Ceará de um novo aumento de casos da doença.
A presidente do Conselho das Secretárias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems-CE), Sayonara Moura Cidade antecipou com exclusividade ao Diário do Nordeste que "o governador [Camilo Santana] sinalizou que o Ceará também vai obrigar o passaporte vacinal para quem está vindo de outros países". A reportagem perguntou à Secretaria da Saúde (Sesa) se o Estado já tem uma posição oficial quanto à informação trazida pela presidente do Cosems. No entanto, a Pasta não respondeu até a publicação desta matéria.
A inexistência de uma política de cobrança dos certificados de vacinação pode propiciar que o Brasil se torne um dos países de escolha para os turistas e viajantes não vacinados, o que é indesejado do ponto de vista do risco que esse grupo representa para a população brasileira e para o Sistema Único de Saúde.
O Diário do Nordeste questionou à Sesa sobre o que está sendo planejado de ações especiais neste momento para evitar que uma nova onda de casos se espalhe pelo Ceará, mas não houve retorno.
Nota técnica da Anvisa recomenda que:
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passageiros internacionais poderão entrar no País, desde que a 2ª dose ou a dose única da vacina tenha sido tomada pelo menos 14 dias antes da entrada no Brasil.
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Turistas deverão apresentar resultado de teste PCR ou de antígeno realizados em até 24 horas anteriores ao embarque (no caso do teste de antígenos) ou em até 72 horas anteriores ao embarque (no caso do PCR);
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Não terão necessidade de quarentena (para os passageiros vacinados);
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Precisarão apresentar Declaração de Saúde do Viajante (DSV).
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Passageiros não vacinados terão, obrigatoriamente, que fazer autoquarentena e apresentar resultado de teste PCR ou de antígeno realizados em até 24 horas anteriores ao embarque (no caso do teste de antígenos) ou em até 72 horas anteriores ao embarque (no caso do PCR);
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres disse, no mesmo dia em que a nota foi emitida, ser contra cobrar certificado de vacinação para liberação da entrada de viajantes ao Brasil. "Ele não impede a transmissão da doença", avaliou.
Torres, juntamente com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o da Casa Civil, Ciro Nogueira, são os responsáveis por definir os mecanismos de controle na entrada do País durante a pandemia.
"Não podemos errar de novo"
O médico infectologista Ivo Castelo Branco, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Ceará (UFC) defende a postura da Anvisa ao passo em que critica com veemência a declaração do ministro Anderson Torres. Para o especialista, não regular a entrada de estrangeiros pode mudar o curso da pandemia no Ceará.
"Não podemos errar de novo. E, dessa vez, não nos faltam exemplos do que não se pode ser feito. É só observar os países em que não houve controle ou tiveram uma grande flexibilização o que aconteceu. A chance de termos crescimento dos casos é grande", alertou o infectologista.
Ele coaduna com a nota técnica emitida pela Anvisa e acrescenta que "diminuir o trâmite das pessoas que levam o vírus" é vital para conter a pandemia. Ivo Castelo Branco citou o caso da variante B.1.1.529, identificada na África do Sul e que apresenta um número "extremamente alto" de mutações, como exemplo do quão perigoso é o livre fluxo de pessoas.
Atenta a esta mutação, a Anvisa recomendo suspensão de voos e desembarques de viajantes dos países africanos Botsuana, Eswatini, Lesoto, Namíbia, Zimbábue e África do Sul.
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"O passaporte não previne a contaminação, mas diminui as raças diferentes de vírus em circulação, e isso é muito importante. Com mais gente infectada, maiores serão as chances de variantes novas e, consequentemente, teremos perda de efetividade da vacinação", detalha o médico.
Presidente do Cosems, Sayonara Moura, também externa sua preocupação com o grande fluxo de pessoas, "não só vindas do exterior, mas também de outros Estados".
A representante do órgão lembra que "[há] países que ainda estão longe de atingir um percentual de vacinação que dê suficiência ao controle da pandemia. Na Europa, por exemplo, estamos vendo o aumento de casos pelo fato de haver pessoas não vacinadas. Aqui mesmo no Brasil os casos que ainda temos são de pessoas que não tomaram a vacina ou não completaram todo o ciclo vacinal", completa.
Liberar, sem qualquer controle, a entrada de visitantes é uma medida reprovada por Ivo Castelo. Ele aponta que é a favor do avanço da economia e redução das restrições, mas ela tem de ser feita de forma lenta e gradual, considerando indicadores epidemiológicos e a porcentagem de vacinados.
"Devemos lembrar que, para atingirmos uma imunização de rebanho, é preciso vacinar completamente mais de 70% da população, o que ainda não aconteceu", ressalta.
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Para Sayonara Moura, a exigência do passaporte vacinal representa "um ganho muito grande, porque dessa forma conseguimos coibir que pessoas não vacinadas cheguem ao país". Outro fator que ela destaca é a "oferta de exames nos aeroportos, portos e rodoviárias".
Conforme pontua, "tudo [que envolva a liberação de passageiros e avanço na flexibilização] precisa precisa ser trabalhado de uma forma tranquila e com muito bom senso."
Vacinação é primordial
Conforme avalia o médico e professor da UFC, uma ação fundamental e efetiva para conter a pandemia e prolongar esse quadro de queda nos indicadores é ampliar a porcentagem de vacinados. Ivo lembra ainda que essa imunização contra a Covid-19 deve se tornar periódica, "a cada 6 meses".
"Estudos já mostram que ela [vacina] não é tão duradoura e pode precisar de reforço em alguns grupos da população, como já vem ocorrendo nos idosos. É preciso também disseminar a informação de que mesmo vacinado, as pessoas devem seguir com os cuidados em ambientes onde há risco de transmissão, como locais fechados ou com aglomeração", adverte.
Neste sentido, Ivo Castelo Branco faz um apelo diante da proximidade das festas de fim de ano. Ele considera que ainda não é momento de realizar grandes eventos.
"Será só mais um natal ou fim de ano sem comemoração com grande número de pessoas. Não podemos errar. Temos de evitar festas para ficarmos vivos". Camilo Santana (PT) proibiu os grandes eventos no Estado.
"Falsa sensação na economia"
Países que priorizaram apenas o lado financeiro, aponta Castelo Branco, observaram em médio prazo uma forte desaceleração da economia ocasionado pelo aumento do vírus, "como foi com a Bélgica".
Em contrapartida, completa o infectologista, "países que priorizaram a ciência, podem até ter tido no início um impacto econômico, mas depois tiveram uma retomada sólida na economia devido ao controle real da pandemia".
"Existe uma falsa sensação de que se ganha dinheiro com o turismo. Mas, depois, com o aumento de casos, os prejuízos e danos são bem maiores", finaliza o médico infectologista, Ivo Castelo Branco.