Cearense é aprovado em Medicina após preparação desde a pandemia: ‘tive que me dedicar à família’

Estudante faz campanha para conseguir arcar com os custos da mudança e enxerga potencial transformador da Educação

Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br
Legenda: Wesley ficou sem acreditar na aprovação e ligou para a universidade para ter certeza do resultado
Foto: Acervo pessoal

A rotina começava cedo: preparar o café, cuidar do irmão, deixar o almoço pronto para a família. Sentar para estudar só às 13h, mas o cearense Wesley Silva, de 23 anos, avançava por “incontáveis horas” numa dedicação autônoma para a aprovação em Medicina, divulgada nesta semana, após 4 anos de preparação em Itapipoca, no Litoral Oeste.

O estudante de escola pública ficou em 1º lugar entre as 3 vagas de bolsas integrais, pelo Programa Universidade para Todos (Prouni), no Instituto de Educação Médica (IdoMed) da Estácio, em Quixadá, no Sertão Central. No momento, a família faz uma campanha para custear a mudança.

A trajetória até a aprovação começou ainda em 2019, quando o jovem desistiu da graduação em Psicologia, em Fortaleza, e voltou para a cidade natal. Naquele momento, ganhou o primeiro incentivo da avó: uma mesinha de madeira com toalha de crochê para estudar.

Legenda: O estudante ganhou a mesinha de estudos como presente da avó
Foto: Acervo pessoal

“Comecei a estudar do zero, sem muito recurso ou apoio financeiro, foi difícil. Fui conhecendo gente pelo Instagram, alguns professores me deram bolsa em cursinhos de redação”, lembra do momento em que não tinha nem computador. Os estudos eram pela tela do celular, papel e caneta.

“Eu estudava até umas 22h, sempre fui muito autodidata, e como não tinha como pagar para ter um cronograma, eu mesmo separava os conteúdos, delimita o que ia fazer de cada disciplina”, detalha sobre a preparação.

As questões de matemática causavam ansiedade, diferente dos temas da biologia, química e da história que são mais fáceis de assimilar para o rapaz. A dinâmica de estudos, contudo, precisou se adaptar às necessidades da família.

Nesse tempo, teve a pandemia, meus avós adoeceram e eu ajudei a cuidar deles. Tive que me dedicar à família e foi um período que eu não conseguia estudar integralmente
Wesley Silva
Estudante

Além disso, Wesley assumiu algumas demandas da casa para que a mãe e o padrasto pudessem atuar na feira da cidade, fazer faxinas ou vender roupas. Isso, porém, não foi um peso para o estudante.

“Minha família me ajudou muito por não me obrigar a entrar no mercado de trabalho logo, mesmo a gente precisando, e esse apoio foi muito importante. É um privilégio poder estudar”, reflete.

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Wesley concluiu o Ensino Médio em 2018, na Escola Anastácio Alves Braga, em Itapipoca. Ao começar a jornada para a Medicina, encontrou outros professores que lhe deram apoio virtualmente, como na correção gratuita das redações.

Quando alcançou o objetivo, lembrou dos mestres, parentes e amigos que contribuíram para os estudos. Mas, inicialmente, não acreditou na conquista.

“Eu soube no dia que saiu o resultado da lista de espera, vi que eu estava na primeira de três bolsas e achei que tinha algo errado. Quando entrei em contato com a universidade, disseram: ‘a vaga já é sua’.

Foto: Acervo pessoal

Impactos da Educação

O futuro médico planeja a mudança procurando onde morar, quais serão os gastos com mobília e as despesas com alimentação, por exemplo. Existem bolsas de permanência estudantil na Instituição, mas o estudante precisa articular a ida até Quixadá.

“Está sendo um processo difícil porque vou ter de ficar longe deles, mas estão felizes porque foram muitos anos de estudos. Minha família me ajuda como pode e está fazendo uma vaquinha”, frisa.

Legenda: Rotina de estudos seguia pelas tardes e noites
Foto: Acervo pessoal

Wesley passou a ser visto como um exemplo da própria comunidade. “A mensagem é essa: uma pessoa que não teve apoio estrutural e financeiro e que conseguiu uma vaga. Outras pessoas sonham e têm medo porque é difícil”, comenta sobre ser inspiração.

É um dos caminhos possíveis de alterar a realidade da gente, não só a minha vida e da minha família, mas do entorno. Eu recebi muitas mensagens de pessoas dizendo que voltaram a estudar por causa da minha história
Wesley Silva
Estudante

Esse movimento, para ele, também é recompensador. “Eu comecei sem computador, só com o celular e papel, as pessoas veem e dizem se você conseguiu eu também consigo”, conclui.

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