Entenda a polêmica envolvendo o livro 'O Avesso da Pele', recolhido de escolas públicas no Paraná

Obra foi alvo de críticas de políticos da oposição ao Governo Federal

Escrito por Marcos Moreira , marcos.moreira@svm.com.br
Exemplares do ‘O Avesso da Pele’ foram recolhidos após críticas da oposição ao Governo Federal
Legenda: Exemplares do ‘O Avesso da Pele’ foram recolhidos após críticas da oposição ao Governo Federal
Foto: Divulgação

Exemplares do livro ‘O Avesso da Pele’, do escritor Jeferson Tenório, estão sendo recolhidos em Curitiba, no Paraná. A Secretaria de Educação do Estado apontou conteúdos impróprios na publicação. A obra faz parte do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) desde 2022, ainda no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ganhador do Jabuti, principal prêmio literário brasileiro, o livro trabalha identidade, racismo e violência como temas centrais. A narrativa traz a história de Pedro, que, após a morte do pai, assassinado em uma abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos.

Veja também

Nos últimos dias, ‘O Avesso da Pele’ foi alvo de críticas de políticos da oposição ao Governo Federal, como a deputada federal Bia Kicis (PL). Em publicação no Instagram, a parlamentar diz que o “Ministério da Educação distribuiu para instituições de ensino públicas um livro que contém trechos com descrições explícitas de atos sexuais.” 

De acordo com o MEC, “peças de desinformação” estão distorcendo a escolha da obra como material didático no Brasil. A pasta defendeu que o “envio de obras literárias para escolas sem o devido e expresso interesse das instituições é falso”.

“Diferentemente do que conteúdos maliciosos estão repercutindo, como se o MEC enviasse os livros a despeito de qualquer manifestação dos educadores pelo envio dos livros, os livros são distribuídos às escolas somente após a escolha dos profissionais de educação, realizada em sistema informatizado do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)”, manifestou o MEC, em nota.  

CASOS NO SUL DO PAÍS

No caso mais recente, a Secretaria da Educação de Curitiba determinou a entrega dos exemplares do livro ao órgão. Ofício da última segunda-feira (4) aponta que a “obra passará por análise pedagógica e posterior encaminhamentos.” 

Em nota enviada ao Diário do Nordeste, a pasta apontou que a análise do livro é necessária porque “em determinados trechos, algumas expressões, jargões e descrição de cenas de sexo utilizados podem ser considerados inadequados para exposição a menores de dezoito anos (janela etária da maioria dos alunos de ensino médio no Estado).”

Outro caso foi registrado em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, na semana passada. A diretora de uma escola fez um vídeo acusando o livro de usar palavras de "baixo calão" e de conter passagens de atos sexuais. 

Segundo o autor do livro, após a repercussão e de uma moção de um vereador da cidade gaúcha, a 6ª Coordenadoria Regional de Educação mandou recolher os exemplares de escolas e bibliotecas. Ao Uol, a Secretaria de Educação do Estado negou a orientação para o recolhimento da obra.

O Diário do Nordeste entrou em contato com a assessoria da Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul. A matéria será atualizada assim que houver retorno. 

RECOLHIMENTOS NO CENTRO-OESTE

A Secretaria de Educação do Mato Grosso do Sul também determinou o “recolhimento imediato” de exemplares da obra. Em nota enviada ao Diário do Nordeste, a pasta explicou que a medida foi uma determinação do governador Eduardo Riedel (PSDB), 

“Haverá recolhimento imediato dos exemplares, enviados para 75 das 349 unidades escolares da Rede Estadual de Ensino de MS. A medida se dá em função da linguagem utilizada em trechos do referido material, contendo expressões consideradas impróprias para a faixa etária da maioria dos estudantes atendidos pela REE (menores de 18 anos)”, defendeu a secretaria. 

Editora do livro “O avesso da pele”, a Companhia das Letras anunciou, na quinta-feira (7), que a Secretaria de Educação de Goiás também pediu o recolhimento da obra.

“A Seduc fará a leitura e análise com vistas a definir se o livro poderá ou não ser distribuído. O objetivo é assegurar que a obra possa efetivamente contribuir com o desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes”, manifestou o órgão goiano, em comunicado divulgado pelo G1.

A Companhia das Letras classificou a medida como um “grave ataque à liberdade de expressão e ao pluralismo de ideias”, defendendo ainda o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

“A decisão de recolher um livro previamente aprovado e selecionado por uma banca de educadores, especialistas, mestres e doutores em literatura não apenas prejudica a qualidade da educação oferecida às nossas crianças e jovens, mas também mina a confiança no próprio programa e nas instituições responsáveis por sua implementação”, pontuou. 

AUTOR APONTA CENSURA

Em uma série de publicações nas redes sociais, o autor Jeferson Tenório denunciou o que chamou de “censura” ao livro. 

“O mais curioso é que as palavras de 'baixo calão' e os atos sexuais do livro causam mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras. Não vamos aceitar qualquer tipo de censura ou movimentos autoritários que prejudiquem estudantes de ler e refletir sobre a sociedade em que vivemos”, apontou.

O escritor defendeu ainda que nenhuma autoridade tem o poder de mandar recolher materiais pedagógicos de uma escola. “É uma atitude inconstitucional. É um ato que fere um dos pilares da democracia que é o direito à cultura e à educação. Não se pode decidir o que os alunos devem ou não ler com uma canetada.”

Assuntos Relacionados