Cearense de Fortaleza compartilha rotina como soldado na guerra da Ucrânia

Alimentação, descanso e regime de trabalho: cearense detalha ao Diário do Nordeste como vive em meio à guerra na Ucrânia.

Escrito por
Nathália Paula Braga* producaodiario@svm.com.br
Soldado aparece em pé, vestido com uniforme camuflado do Exército ucraniano, apoiado entre duas paredes de tijolos.
Legenda: Cearense compartilha o dia a dia na guerra da Ucrânia e relata os desafios para comer, dormir e manter o equilíbrio diante do cenário que enfrenta.
Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal.

Abrir mão da rotina, deixar o próprio país e abandonar uma carreira já estruturada foi a escolha do cearense José Carlos Magalhães Arruda, de 20 anos, ex-cabo da reserva do Exército Brasileiro. Há um ano, ele combate na guerra da Ucrânia como integrante do Exército regular ucraniano, para o qual foi selecionado após passar por testes físicos e psicológicos ainda no Brasil.

A guerra na Ucrânia começou em 24 de fevereiro de 2022, quando a Rússia lançou uma invasão em larga escala ao território ucraniano até o momento segue sem  previsão de encerramento.

Carlos afirma que decidiu viajar por não conseguir “ficar distante do que estava acontecendo” e por acreditar que estaria lutando “pelo lado certo”.

“A minha motivação é lutar pela liberdade. Não apenas a liberdade da Ucrânia, mas das pessoas e pelo futuro das crianças. Para que, um dia, as famílias que deixaram o país possam retornar e viver novamente em suas casas”.

Da Maraponga para Ucrânia

O primeiro contato para iniciar o processo de seleção foi feito pela internet, onde o cearense manifestou a intenção de integrar as tropas ucranianas.

Carlos arcou com todos os custos da viagem e comprou a passagem por conta própria, passou por entrevista e por testes físico e psicológico no Brasil. Quando chegou à Ucrânia, ainda se submeteu a outras avaliações para confirmar se estava habilitado para servir como soldado ucraniano.

O ritual espiritual antes da batalha/missão

O cearense se prepara emocional e espiritualmente antes de seguir para as missões na guerra, utilizando louvores como parte desse ritual. Em breve, por escolha própria, ele será deslocado para uma área de combate mais intensa e afirma que a fé o ajuda a manter o equilíbrio diante do cenário que enfrenta.

“A gente sabe que o preço da liberdade é alto, o preço da liberdade é a vida, mas a gente vai continuar lutando”, afirma.

Alimentação na guerra 

A imagem mostra refeições preparadas por cearense na de guerra da Ucrânia.
Legenda: Cearense na guerra da Ucrânia mostra alimentação simples feita pelos próprios militares em meio aos combates.
Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal.

Arruda conta que “a alimentação é o que dá” e que geralmente se alimenta de enlatados. As refeições são preparadas pelos próprios soldados,  com recursos disponibilizados pelo Exército ucraniano, e normalmente são feitas em casas abandonadas por civis.

​“Enquanto fazia alimentação, a gente foi alvo de um ataque massivo de drone, artilharia, morteiro. Essa é a nossa realidade. A guerra não para pra gente comer, não para pra gente dormir, e cada refeição pode ser a última.”

Em um vídeo enviado à reportagem, o soldado registrou o momento exato em que as explosões aconteceram, em 23 de abril deste ano, enquanto ele cozinhava.

Ele explica que os sacos pretos cobrem as janelas, tanto por dentro quanto por fora, uma estratégia para impedir que o Exército russo detecte luz e direcione bombardeios. No episódio registrado, a casa onde estava não foi atingida.

“A gente conseguiu sair vivo. Destruíram praticamente a rua inteira, mas a gente conseguiu. Essa casa, em específico, não caiu, graças a Deus".

Carlos relata que dorme no chão, sobre um colchão simples fornecido pelo Exército, e afirma que tem dificuldade para conseguir descansar nas condições do front.  "Porque você sabe que pode morrer dormindo, pode morrer a qualquer hora. Realmente não tem como dormir muito, é sempre muita artilharia, muito drone, muito tiro. Essa é a realidade de uma noite no front.”

Ele explica que geralmente dorme entre 3 km e 5 km de distância do front, que, no caso dele, era Donetsk, em 17 de novembro. Há regiões onde a dinâmica é diferente: “os militares ‘moram’ de 50 km a 100 km de distância do front”, explica. 

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Em uma missão de reconhecimento russa, Carlos já ficou sob o mesmo teto que soldados russos enquanto dormia.

Ele descreve que estava sozinho em uma casa abandonada por civis, a poucos quilômetros do front, quando, por volta de meia-noite, duas motos pararam e os soldados russos entraram para fazer uma missão de reconhecimento”.

“Eles entraram na casa, fizeram reconhecimento, não tinha nada na entrada,  e não viram que eu estava lá. Provavelmente eu teria matado algum, mas a chance de eu morrer também era grande. Dias depois disso, a casa foi invadida por 22 militares russos". 

Qual o modelo trabalhista na guerra? 

De acordo com o cearense, os combatentes estrangeiros possuem os mesmos direitos que um militar ucraniano. Todas as condições de serviço são estabelecidas em um contrato firmado com o Exército regular

Ao chegar à Ucrânia, ele abre uma conta em um banco local; segundo Carlos, o pagamento é depositado diretamente nessa conta, “por meio de um cartão militar fornecido pela própria unidade”, explica. Ele acrescenta que benefícios, folgas e demais direitos também estão previstos no documento.

Imagem mostra cearense com bolo de aniversário na guerra da Ucrânia.
Legenda: Carlos Arruda conta que completou 20 anos em Donetsk e, apesar da guerra, outros soldados conseguiram se deslocar.
Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal.

Carlos Arruda conta que completou 20 anos no dia 28 de março em Donetsk, uma das regiões mais precárias do front. Mesmo assim, ele relata que “amigos conseguiram fazer um deslocamento e conseguir um bolo”.

Cearense que luta na guera da Ucrânia posando armado dentro de um abrigo improvisado.
Legenda: O dormitório dos soldados em guerra geralmente são casas abandonadas por civis, geralmente localizadas entre 3 km e 5 km de distância da linha de combate. Carlos explica que a cena registrada na foto é, para ele, “um dormitório em um dia bom”.
Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal.

Contexto atual da guerra da Ucrânia

Entre a guerra acabar de forma que seja necessário entregar territórios, acabar com rendição da Ucrânia, eu prefiro morrer lutando.
Prefiro a morte, do que ver as regiões que tanto lutei e vou lutar, serem entregue a terroristas.
Legenda: A guerra na Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro de 2022, segue sem previsão de encerramento, Carlos afirma que prefire a morte, ao ver a Ucrânia ser entregue aos russos.
Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal.

A guerra na Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro de 2022, segue sem previsão de encerramento. A Rússia mantém ataques constantes, enquanto a Ucrânia enfrenta dificuldades para avançar no front.

A usina nuclear de Zaporizhzhia continua sob controle russo e é monitorada pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) devido ao risco de segurança. No campo diplomático, Estados Unidos e Europa tentam reabrir negociações de paz, mas ainda sem resultados concretos.

*Estagiária sob supervisão do jornalista Felipe Mesquita.

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