Tesoureiro do CV que atuou nas eleições de Santa Quitéria deve permanecer preso
Segundo denúncia do MPCE, o réu era responsável pelo controle financeiro da organização. Ele está preso desde junho
Um homem conhecido como "tesoureiro" da facção criminosa carioca Comando Vermelho (CV), que atuava em Santa Quitéria, no Interior do Ceará, teve o pedido de liberdade provisória negado pela Justiça. A decisão foi promulgada no fim de setembro pela Vara de Delitos de Organizações Criminosas.
O réu, identificado como Kaiky Victor Felix Cardoso, de 21 anos, foi um dos alvos da operação conjunta das polícias Civis do Ceará e Rio de Janeiro no dia 31 de maio, cujo objetivo foi encontrar os principais líderes da organização criminosa foragidos na comunidade da Rocinha, na capital fluminense.
Conforme noticiado pelo Diário do Nordeste na época dos fatos, o acusado conseguiu fugir pela mata local junto de outros suspeitos. Porém, ele acabou preso em 19 de junho ao desembarcar no Ceará e ir para a Região Norte do Estado, rumo a Santa Quitéria. Ele responde pelos crimes de tráfico de drogas e associação criminosa.
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No requerimento oficializado no início do mês de setembro, o qual a reportagem teve acesso, a defesa técnica de Kaiky Victor Felix afirma que seu cliente não representa risco à ordem pública, e que, portanto, a manutenção da prisão preventiva não é necessária.
O Requerente não apresenta e não ocasionará nenhum risco para a ordem pública, cabendo ressaltar que é no seio da família, núcleo social de suma importância para a redução da criminalidade, que o Requerente pretende se estabelecer e dar continuidade sua vida cotidiana, razão pela qual não se pode cometer a injustiça de presumir uma periculosidade inexistente.
Ainda segundo o documento, o denunciado possui residência fixa no Ceará e é primário, ou seja, não foi condenado em outro processo criminal anterior a este, nem como menor de idade. "O Requerente não pretende e de nenhuma forma perturbará ou dificultará a busca da verdade real, no desenvolvimento da marcha processual, pois estará voltado, tão-somente, a defender-se da acusação que contra si foi imputada", completa a solicitação.
Para a defesa, esses argumentos são suficientes para justificar a interrupção da prisão preventiva. A equipe também propõe a adoção de medidas cautelares, a fim de garantir a continuidade do processo sem supostos "abusos" judiciários.
"Conclui-se ser admissível a revogação da prisão preventiva, haja vista as condições pessoais do acusado, isto basta para evidenciar a não periculosidade do agente e baseado na presunção de inocência constitucional", finaliza o texto.
O que disse o Poder Judiciário
Para a Vara de Delitos de Organizações Criminosas, a prisão de Kaiky Victor é embasada em evidências sólidas, colhidas durante as investigações, que comprovam a atuação do réu no controle financeiro da facção criminosa.
"O fato do requerente ser suspeito de integrar bando criminoso ligado a umas das principais organizações criminosas do país, com forte atuação no Estado do Ceará, é uma situação que não podemos fechar os olhos, sendo que a manutenção de sua prisão se faz adequada e justificada, a bem da ordem pública e também para desestruturar a aludida organização evitando a arregimentação de novos membros", argumenta o órgão.
Para o magistrado, os bons antecedentes do denunciado não são apoiados pelas graves acusações existentes contra ele. Portanto, a permanência dele no cárcere é essencial para diminuir os efeitos das ações negativas que o réu, segundo a denúncia do MPCE, apresentou à sociedade civil.
"Não há que se falar em liberdade provisória a ser concedida, já que presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, pois presentes indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, consubstanciada em todo trabalho de investigação realizado", finaliza a decisão.
Réu atuava no controle financeiro da facção
Segundo a denúncia do Ministério Público, obtida pelo Diário do Nordeste, uma análise pericial do celular de Kaiky Victor identificou diversos registros de atuações dele dentro do Comando Vermelho. Dentre eles: imagens do réu esbanjando armas de grosso calibre e conversas de WhatsApp com outros membros reconhecidos do grupo.
Nessas conversas, Kaiky falava de cobranças, prestação de contas, e pagamentos mediante recebimento de entorpecentes. Em um dos exemplos citados no processo, o réu cobra e ameaça um interlocutor não identificado por conta de valores que já deveriam ter sido entregues.
“E aí, irmão, e aí... segunda-feira, terça-feira... já passou a semana passada todinha, já. Já chegou a segunda, já chegou a terça, já é quarta-feira já e nada desse dinheiro, irmão? E aí, como é que vamos fazer? Esse celular não sai do conserto, esse dinheiro que tá na mão não vem pra nós... nós vamos ter que ir na direção ou como é que o amigo vai fazer? Vai querer resolver por bem ou nós vamos resolver da nossa forma?”, diz Kaiky na mensagem de voz.
Em determinado trecho do documento, o órgão acusatório expõe um diálogo entre o acusado e outro réu, Daniel Claudino Sousa, conhecido como "Da30", que exerceria o papel de conselheiro do CV.
Leia um trecho da conversa
Kaiky: "E tu tá bem? Sem problema? Só matando alemão e ganhando dinheiro, né mah? É bom demais"
"Da30": "Ei mah, parece que cada vez que eu não mato mais, mah, mais sede eu tenho, mah. Você que diabo é isso? Seu pai criou um monstro, baitola. Papo reto, seu pai tem um monstro do lado dele, viu. Ei, tu e doido que sede que eu to de matar alemão, ó, mano".
Todos esses indícios apurados pelos investigadores serviram como base para a denúncia do MPCE. "As falas atribuídas ao denunciado evidenciam comportamentos típicos de membros ativos de grupos estruturados", conclui.
Compra de votos e ameaças em Santa Quitéria
A operação policial que levou à prisão de Kaiky Victor foi organizada para investigar a interferência do Comando Vermelho nas eleições municipais de Santa Quitéria, em 2024.
Conforme o descoberto pelas Forças de Segurança do Ceará e o MPCE, os criminosos teriam comprado votos dos cidadãos para os então candidatos Braguinha (PSB) e de Gardel Padeiro (PP), que inclusive venceram a eleição, mas já tiveram os diplomas cassados por abuso de poder político e econômico no início de maio.
Os acusados também teriam dado drogas a possíveis eleitores e ameaçado adversários políticos e apoiadores, conforme as investigações. Há indícios ainda de que o método também tenha sido adotado nas eleições de 2020.
*Estagiário sob supervisão do jornalista Emerson Rodrigues