MPCE contesta laudo sobre saúde mental de educador físico que matou esposa a facadas em Fortaleza
A Justiça decidiu levar o réu a júri popular, mas o processo foi suspenso até o julgamento de um incidente de insanidade mental (que pode tornar o acusado inimputável)
O Ministério Público do Ceará (MPCE) emitiu parecer à Justiça Estadual, nesta terça-feira (21), em que contesta um laudo da Perícia Forense do Ceará (Pefoce) que aponta que o educador físico Antônio Márcio Ribeiro Parente e Silva, de 49 anos, não tinha entendimento do caráter ilícito do ato de matar a facadas a própria esposa, Cristiane Lameu e Silva, 45, em Fortaleza. A Justiça decidiu levar o réu a júri popular, mas o processo foi suspenso até o julgamento de um incidente de insanidade mental (que pode tornar o acusado inimputável).
A promotora de Justiça Mônica Kaline Barbosa de Oliveira Nobre afirmou, no parecer, que "as conclusões do perito, conforme se verifica do laudo complementar, se basearam apenas na oitiva da irmã do réu e do mesmo, sem qualquer documentação comprobatória de histórico anterior, mostrando-se muito frágeis para autorizar o reconhecimento de que, embora tivesse plena consciência da ilicitude do fato, não podia se determinar de acordo com este, e que, portanto, seria inimputável no dia do bárbaro crime, já que portador de transtorno afetivo bipolar".
Após receber o primeiro laudo pericial da Pefoce, o Ministério Público pediu um novo exame, a ser realizado por uma junta de médicos (formada por pelos menos três profissionais), devido à complexidade do caso. Entretanto, a nova análise foi feita pelo mesmo médico perito.
Para o MPCE, "está bastante evidenciado que o réu, em uma ação premeditada, matou cruelmente sua esposa, não possuindo qualquer histórico anterior de doença mental".
Sobre o incidente de insanidade mental, o Órgão Acusatório opina que "este incidente apenas foi deflagrado após a decisão de pronúncia do réu, e não no início do feito, quando é o mais comum, ou mesmo durante a instrução, quando há alguma evidência extraída dos depoimentos das testemunhas ou do próprio réu. Não é este o caso dos autos".
[Atualização: 22/05/2024, às 14h26] Em entrevista ao Diário do Nordeste nesta quarta-feira (22), a promotora de Justiça Mônica Nobre ratificou que o incidente de insanidade mental "causou perplexidade" ao MPCE, já que o pedido foi ingressado "bem depois da decisão de pronúncia do acusado, remetendo-o ao Conselho de Sentença". "Via de regra, esse pedido é sujeitado no início do processo, na parte de instrução, ou quando a pessoa é denunciada".
O médico perito legista da Coordenadoria de Medicina Legal (Comel), da Pefoce, o psiquiatra Cláudio Manuel Leite, enviou à 3ª Vara do Júri de Fortaleza, na última quinta-feira (16), um aditamento a um laudo pericial produzido por ele próprio. No novo documento, o perito ratificou "a integralidade do laudo pericial inicialmente apresentado sublinhando que, ao tempo da ação, Antônio Márcio Ribeiro Parente e Silva, por doença mental, era inteiramente incapaz de determinar-se de acordo com o entendimento do caráter ilícito do fato".
No documento, o servidor também respondeu a questionamentos feitos pelo assistente técnico da defesa, o médico psiquiatra Matheus Véras Araújo Soares. Entre as respostas, o perito confirmou que o Transtorno Afetivo Bipolar - do qual Antônio Márcio sofreria - pode apresentar, ao longo do curso, estabilidade do humor e ausência de sintomas psicóticos e também que a doença pode comprometer a consciência de adoecimento do paciente.
Médicos assistentes da defesa e da acusação
O médico Matheus Véras, convidado pela defesa a atuar no processo, emitiu parecer psiquiátrico, no último dia 3 de maio, em que concluiu que o acusado tem Transtorno Afetivo Bipolar e "por consequência da doença mental, apresentava ao tempo da ação, uma completa incapacidade de se autodeterminar de acordo com seu entendimento".
"É importante salientar que a capacidade de autodeterminação é capacidade de dirigir a conduta, no sentido de uma suficiente força de vontade para resistir ao impulso para a ação e agir em conformidade com a consciência (entendimento). Trata-se do ato de resistir ou inibir o impulso criminoso, que claramente se encontravam prejudicados no evento em questão", analisa.
Já o médico psiquiatra Marco Alessandro Foltran, convidado pela assistência da acusação, também emitiu parecer psiquiátrico, no dia 25 de abril deste ano, que contrapõe a versão da defesa. "É imperativo considerar ainda que, mesmo na presença de transtornos mentais, a relação direta com comportamento homicida não é automaticamente estabelecida", pontua.
"Ademais, ressalto que o transtorno afetivo bipolar é uma condição crônica e recorrente, o que levanta questionamentos sobre a conveniência de sua manifestação exatamente no momento do crime. Sem história prévia. Sem diagnóstico anterior. Sem tratamento. Sem qualquer repercussão prévia. Apenas no momento do crime", destaca o médico.
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Incidente de insanidade mental
O educador físico Antônio Márcio Ribeiro Parente e Silva, acusado de matar a facadas a esposa Cristiane Lameu e Silva, de 45 anos, na frente do filho do casal, teve o julgamento adiado, no último dia 15 de maio. A defesa de Antônio Márcio Ribeiro Parente e Silva, de 49 anos, pediu a suspensão dos atos processuais para ser avaliado o laudo de insanidade mental - que pode tornar o acusado inimputável (ou seja, a Justiça pode considerar que ele não pode ser condenado, em razão de doença mental).
"Entendo não existir tempo suficiente entre a conclusão do incidente e a ocorrência da Sessão de Julgamento em 22/05/2024, o que pode se tratar de situação apta a configurar constrangimento ilegal por não haver a resolução da dúvida suscitada a respeito de algum transtorno mental do acusado ao tempo do crime", diz a decisão. O júri popular do caso estava marcado para a próxima quarta-feira (22).
O processo criminal do caso estará suspenso até a conclusão do laudo de insanidade mental do acusado. Essa é a segunda vez que o julgamento de Antônio Márcio é adiado.
Na entrevista concedida quarta-feira (22), a promotora de Justiça Mônica Nobre afirma que o Ministério Público do Ceará aguarda pela decisão da Justiça sobre o pedido de uma nova perícia para apurar a situação da saúde mental do réu. "Quando a pessoa já sofre alguma perturbação mental, esse incidente é deflagrado no início do processo, o processo fica suspenso, aguardando resultado do laudo. Se for comprovado que a pessoa tinha alguma perturbação mental, o processo volta a tramitar com a presença de um curador, é feita a instrução e, no final, há uma tendência de absolvição imprópria. Não vai para julgamento pelo Tribunal do Júri, é julgado pelo próprio juiz", explica a promotora.
"Como o acusado já foi pronunciado, o processo aguarda simplesmente a data da realização do júri, não tem como voltar atrás. Via de regra, vai caber ao Conselho de Sentença (formado por sete pessoas) a decisão final", concluiu Mônica Nobre.
Antônio Márcio Ribeiro Parente e Silva foi denunciado pelo Ministério Público do Ceará, no dia 6 de fevereiro último, por homicídio qualificado (do tipo feminicídio, por motivo torpe, utilização de meio cruel e praticado na presença de descendente da vítima) contra Cristiane Lameu e Silva.
Conforme a denúncia, seis meses antes do crime, Cristiane decidiu se separar de Antônio Márcio, mas o homem não aceitava o término do relacionamento. A vítima comentou com familiares que sofria violência psicológica do companheiro.
Na manhã do dia 31 de janeiro deste ano, o acusado, "premeditando sua conduta, pediu que o filho de 11 anos que entrasse dentro de um carro que estava na garagem do imóvel em que residiam e também pediu que a criança colocasse os fones de ouvido".
Ato contínuo o réu se apossou de uma faca e passou a desferir diversos golpes contra a vítima. A vítima gritou por socorro, o que fez com que vizinhos acionassem a polícia. Quando a polícia chegou ao local, o filho do casal abriu o portão da residência, ao que os policiais encontraram a vítima morta na garagem do imóvel."
A Polícia prendeu Antônio Márcio em flagrante e apreendeu, na residência, uma faca tática que teria sido a utilizada no crime, duas armas de fogo, uma espada e um bastão de ferro retrátil. A Perícia Forense do Ceará (Pefoce) identificou que Cristiane Lameu sofreu 41 facadas em diversas partes do corpo.