Grupo que usou uniforme da Polícia durante ataque a moradores de comunidade em Fortaleza é condenado
Segundo testemunhas, algumas casas foram atingidas com mais de 20 tiros.
A Justiça condenou quatro homens que invadiram a Travessa Santa Rita, na Comunidade do Coqueirinho, bairro Alagadiço Novo, na Grande Messejana, atirando para todos os lados e atingindo diversas casas do local. Segundo documentos obtidos pela reportagem, eles estavam fortemente armados e vestindo camisas com a inscrição "Polícia Civil". Os homens gritavam palavrões e diziam que eram o "trem-bala".
Eles foram condenados por integrar organização criminosa armada. Cabe recurso da decisão.
A comunidade do Coqueirinho é dominada pela facção Massa Carcerária/Tudo Neutro, mas o grupo disputa o poder do local com o Comando Vermelho (CV). As duas facções costumam ter embates na região. O Comando Vermelho tenta, com frequência, expulsar os moradores do local para assumir o controle do tráfico de drogas na comunidade. Os condenados são ligados ao Comando Vermelho.
Depoimentos
Cinco testemunhas, que preferiram não se identificar por medo de represálias, afirmaram que a ação em questão ocorreu em um sábado, dia 27 de abril de 2024, por volta das 8 horas da manhã. No depoimento, uma delas disse ter ouvido sons de tiros vindos do meio da rua.
As testemunhas afirmaram que os homens responsáveis pelo ataque são da facção Comando Vermelho e moram na comunidade Seu Rosa, vizinho ao local onde ocorreu o ataque. Segundo os relatos, essa ação fazia parte da tentativa do CV de conquistar o comando da região expulsando os moradores.
As testemunhas contaram também que o líder do Comando Vermelho na região é Jalison Breno da Silva, conhecido como JB, e que ele comanda esses ataques. As vítimas disseram ainda que Jailson já foi preso e que, depois da soltura, ações desse tipo aumentaram muito.
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Os depoentes que presenciaram a ação disseram ter reconhecido Anailton Vieira da Silva, Felipe Ferreira de Oliveira e Raelison Teixeira Arruda entre os integrantes do grupo que realizou o ataque. Segundo as testemunhas, Felipe e Raelison eram ligados à Massa e moravam na comunidade do Coqueirinho antes da ação, mas no período do ataque já não residiam mais no local e integravam o Comando Vermelho. A mudança aconteceu, supostamente, devido a discordâncias em relação a uma alteração no modo de agir da Massa.
Além do relatado, as testemunhas reconheceram as pessoas apontadas por elas como autoras dos disparos em fotografias.
A ação do dia 27 de abril de 2024 foi registrada pelas testemunhas interrogadas em diversos vídeos. Nas gravações, é possível ver vários buracos de tiros nas paredes das casas da comunidade.
Em um depoimento, uma das testemunhas disse que foi alvo dos disparos de fogo após ter sido reconhecida pelos acusados. Todas as testemunhas contaram que a população da comunidade vive com medo de situações como essa e que, por conta da frequência, as pessoas ficam o tempo todo dentro das casas e nem as crianças saem para brincar. Elas ainda afirmaram temer pelas próprias vidas depondo nesse caso, já que na comunidade impera a "lei do silêncio".
Defesas
A defesa do acusado Felipe Ferreira de Oliveira afirmou, no processo, que o vídeo e as fotografias anexados nos autos mostram os criminosos usando máscaras e roupas pretas que cobriam o corpo inteiro, não havendo como as testemunhas terem reconhecido o réu daquela forma. Ele também alegou que não é necessária a prisão de Felipe para garantir a ordem pública, já que ele é trabalhador, tem endereço e fixo e já cumpriu pena, em outro momento, de forma exemplar.
Disse ainda não ser possível provar autoria de crime por meio de reconhecimento em fotografia.
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Já os representantes da defesa de Anailton Vieira da Silva e Raelison Teixeira Arruda disseram, no decorrer do processo, que "os depoimentos são totalmente fantasiosos, todos ensaiados e direcionados na intenção de prejudicar os constituintes". Os advogados avaliaram ainda que na situação em questão não há elementos caracterizantes que possam condenar os réus por organização criminosa.
Por fim, a defesa de Jalison Breno da Silva afirmou que o fato de os depoimentos serem todos de testemunhas não identificadas faz com que a decisão judicial não transmita credibilidade. Os advogados também acreditam que não foi realizada uma investigação para apurar os fatos e verificar o teor das denúncias.
Para a defesa, não fica claro como as testemunhas sabem as informações que estão dando.
É um tanto quanto incomum 5 pessoas que não foram vítimas nem alvos comparecerem espontaneamente a uma delegacia de polícia para prestar depoimentos com o teor do que foi apresentado.
Ao analisar o caso, os magistrados da Vara de Delitos de Organizações Criminosas (VDOC) reconheceram a autoria e materialidade do crime. "Em suma, o acervo probatório forma um bloco coeso e indivisível. A prova judicializada, materializada no firme depoimento da autoridade policial, que goza de fé pública, ratifica integralmente os elementos informativos colhidos na fase inquisitorial - notadamente os múltiplos e harmônicos reconhecimentos formais".
"Destarte, diante da interpretação dos fatos e dos textos normativos, é imperiosa a condenação dos acusados nas sanções do art. 2º da Lei nº 12.850/2013, imputado a todos os réus, bem como nas sanções do art. 2º, § 3º, da Lei nº 12.850/2013 (liderança), imputado especificamente ao réu JALISON BRENO DA SILVA."
Confira as penas dos réus
- Jalison Breno da Silva - 12 anos de reclusão e 540 dias-multa;
- Anailton Vieira da Silva - 12 anos de reclusão e 540 dias-multa;
- Felipe Ferreira de Oliveira - 12 anos de reclusão e 540 dias-multa;
- Raelison Teixeira Arruda - 10 anos e 9 meses de reclusão e 452 dias-multa.
A Justiça condenou os quatro réus em regime fechado. Eles também não poderão recorrer da decisão em liberdade.
*Estagiária sob supervisão do jornalista Emerson Rodrigues