Estado cria Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura para fiscalizar privações à liberdade no Ceará

Órgãos de direitos humanos aguardavam medida há 10 anos. Lei estadual também instituiu o Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura e fortaleceu o Comitê Estadual que trata do tema

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
Uma das práticas de tortura denunciada pelos detentos é chamada de 'taturana', que consiste em ficar de cabeça para baixo, apoiado com a cabeça no chão
Legenda: Uma das práticas de tortura denunciada pelos detentos é chamada de 'taturana', que consiste em ficar de cabeça para baixo, apoiado com a cabeça no chão
Foto: Reprodução/ Relatório da Defensoria Pública

Após 10 anos de espera pelos órgãos de direitos humanos, o Governo do Ceará instituiu o Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (SEPCT) e criou o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT), com o propósito de fiscalizar equipamentos públicos e privados de privação à liberdade, como unidades penitenciárias e socioeducativas e estabelecimentos de acolhimento a idosos e crianças.

A Lei nº 18.660, promulgada pelo governador Elmano de Freitas no último dia 27 de dezembro e publicada na última edição do Diário Oficial do Estado (DOE) de 2023, no dia 29, também prevê o fortalecimento do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (CEPCT). A medida se deu após diversas denúncias de torturas nos sistemas Penitenciário e Socioeducativo do Ceará.

O Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, segundo a Lei, "será integrado por órgãos e entidades públicas e privadas com competências legais ou estatutárias de realizar o monitoramento, a supervisão e o controle de estabelecimentos e unidades onde se encontrem pessoas privadas de liberdade, ou de promover a defesa dos direitos e interesses dessas pessoas".

Foram convocados para participar do SEPCT o próprio Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, além do Conselho Penitenciário do Ceará (Copen), o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (CEDDH), o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca), o Conselho Estadual dos Direitos do Idoso (Cedi) e o Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Cedef).

A Lei ainda prevê a participação de pastas do Governo Estadual, como a Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização (SAP) e a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (SEAS); e de órgãos como o Poder Judiciário, o Ministério Público do Ceará (MPCE) e a Defensoria Pública Geral do Ceará, entre outros.

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O subdefensor geral da Defensoria Pública do Ceará, Leandro Bessa, afirma que a criação do Sistema permitirá uma maior articulação entre os órgãos que combatem as torturas em espaços de privação à liberdade: "Esperamos que a lei ganhe efetividade, saia do papel e que, de fato, os órgãos conversem. A ideia é que a gente crie um ambiente de repúdio a essa pratica da tortura e coloque o Estado do Ceará em outro patamar de respeito aos direitos humanos".

Já o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura é aguardado pelos órgãos de direitos humanos do Ceará há mais de 10 anos, segundo a presidente do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Ceará, Marina Araújo. No dia 2 de agosto de 2013, a então presidente da República Dilma Rousseff assinou a Lei nº 12.847, que instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e que prevê a integração a "comitês e mecanismos estaduais e distrital de prevenção e combate à tortura".

Conforme a Lei estadual, o MEPCT será formado por 6 peritos indicados pelo Comitê e nomeados pelo governador e terá atribuições como planejar, realizar e monitorar visitas periódicas e regulares a pessoas privadas de liberdade em todo o Estado do Ceará para verificar as condições de fato e de direito a que se encontram submetidas; requerer à autoridade competente que instaure procedimento criminal e administrativo mediante a constatação de indícios da prática de tortura e de outros tratamentos e práticas cruéis, desumanos ou degradantes; e fazer recomendações e observações, tanto de caráter geral e preventivo, quanto de caráter particular e corretivo, às autoridades públicas ou entidades privadas responsáveis por pessoas em locais de privação de liberdade, com vistas a garantir a observância dos direitos dessas pessoas.

Marina Araújo, que também é coordenadora adjunta do CEDECA-CE, explica que o Sistema, o Comitê e o Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura "possuem como dever atuar para a prevenção e enfrentamento as situações de tortura e maus tratos em todos os espaços de privação de liberdade, ou seja, estamos falando das Unidades Prisionais, Unidades Socioeducativas e das Instituições Psiquiátricas". 

A tortura só se previne com a presença. Ter um Mecanismo e um Comitê atuante e com condições adequadas vai permitir que tenhamos estruturas fundamentais para prevenir e enfrentar as violações de direitos nesses locais."
Marina Araújo
Presidente do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Ceará

A reportagem procurou o Governo do Estado, através da assessoria de comunicação, para comentar a nova Lei, mas não recebeu retorno até a publicação desta matéria.

Denúncias de tortura nos últimos anos

Os sistemas Penitenciário e Socioeducativo do Ceará foram marcados por denúncias de tortura, nos últimos anos. Em setembro de 2022, quatro policiais penais foram alvos  de uma operação, por suspeita de torturarem detentos na Unidade Prisional Professor Olavo Oliveira II (UPPOO II) - antigo IPPOO II - em Itaitinga, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

Um relatório sobre a UPPOO II, obtido pelo Diário do Nordeste no mês seguinte, revelou denúncias de sessões de tortura no presídio, que incluíam enforcamento, inalação a gás e pisões na cabeça.

Em junho de 2023, toda a direção da Unidade Prisional Agente Elias Alves da Silva (UP-IV) - antiga CPPL IV - foi afastada por determinação da Justiça Estadual, por suspeita de também praticar tortura. Um detento que teria sido agredido por servidores públicos precisou ser hospitalizado. Outros presos afirmaram que eram forçados a tomar medicações.

Uma fiscalização realizada pelo Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura encontrou indícios de tortura, cometidos por socioeducadores, no Centro Socioeducativo Feminino Aldaci Barbosa (voltado para meninas e adolescentes do sexo feminino), em Fortaleza, conforme um relatório divulgado em outubro último. As jovens em conflito com a lei afirmaram que sofreram tortura física e psicológica e até assédio sexual.

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