Tortura nos presídios do Ceará: toda a diretoria da CPPL IV é afastada por determinação da Justiça
Os crimes de maus-tratos seguidos contra internos dentro do Sistema Penitenciário cearense vêm sendo noticiados pelo Diário do Nordeste desde o segundo semestre de 2022
A Justiça determinou afastamento de toda a atual diretoria da Unidade Prisional Agente Elias Alves da Silva (UP-IV), a antiga CPPL IV, em Itaitinga, Região Metropolitana de Fortaleza. A decisão foi proferida pela Corregedoria-Geral de Presídios, nesta segunda-feira (26) devido aos episódios de tortura contra internos registrados na unidade.
De acordo com o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), o afastamento é provisório, com prazo inicial de 90 dias. O afastamento do diretor, vice-diretor, o chefe de segurança e disciplina, o gerente administrativo da unidade, além de um policial penal também lotado no equipamento deve acontecer nas próximas 24 horas.
Os crimes de maus-tratos seguidos contra internos dentro do Sistema Penitenciário cearense vêm sendo noticiados pelo Diário do Nordeste desde o segundo semestre de 2022. Também foram registrados casos na na Unidade Prisional Professor Olavo Oliveira II (UPPOO II) - antigo IPPOO II e Centro de Detenção Provisória (CDP), em Aquiraz.
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[ATUALIZAÇÃO às 19h08]
A Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização (SAP) disse "repudiar qualquer ato que atente contra a dignidade humana e informa que recebe visitas regulares de instituições fiscalizadoras, como Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, além de entidades de controle social".
VEJA NOTA DA SAP:
"Sobre o caso específico citado, a SAP informa que o interno é acompanhado por equipe multidisciplinar no interior da unidade prisional e recebe tratamento medicamentoso regular para patologia ligada à saúde mental. No período do fato, o interno passou a recusar o uso dos remédios, o que acabou culminando num surto psicótico. Durante o surto, o interno agrediu verbalmente os profissionais de saúde e fisicamente os policiais penais de plantão, de forma que os agentes precisaram fazer uso controlado da força, o que resultou em confronto. Logo em seguida, o interno recebeu atendimento médico e foi regulado para uma unidade hospitalar.
A SAP abriu procedimento na época do ocorrido para a completa apuração do caso e encaminhou toda a situação a Corregedoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança (CGD). A pasta também comunica que respeita e cumpre a decisão de imediato e se coloca como colaboradora permanente das apurações e orientações do Poder Judiciário, seja na perspectiva disciplinar ou preventiva. São diversos os cursos promovidos pela Secretaria no que tange aos direitos humanos, bem representado nas certificações de policiais penais qualificados através das Regras de Mandela, regramento das Nações Unidas (ONU) para tratamento de reclusos"
O Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) informou que "o afastamento da Diretoria da Unidade Prisional Elias Alves da Silva – CPPL IV foi resultado de decisão judicial proferida pela 2ª Vara de Execuções Penais de Fortaleza, na função de Corregedoria de Presídios, dentro de Processo de Pedido de Providências, com atuação processual do Ministério Público, contudo não tendo sido realizada operação do MP Estadual no local".
Por nota, a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) disse que a Delegacia de Assuntos Internos (DAI) instaurou Inquérito Policial com o objetivo de apurar supostas agressões na Unidade Prisional Agente Elias Alves da Silva (UP-IV): "as investigações continuam no sentido de esclarecer os fatos. Além disso, a Controladoria também está investigando o fato na seara administrativa disciplinar".
DENÚNCIAS DE VIOLÊNCIA E MAUS-TRATOS
O TJCE explica que "a medida foi motivada após denúncia de violência e maus-tratos praticados contra internos com o objetivo de que se preserve a integridade física e psicológica dos presos e se resguarde a coleta de provas, evitando eventual interferência dos possíveis autores na apuração dos fatos".
“Não será a forma violenta de poder que assegurará a paz social ou a segurança. É preciso respeitar os direitos humanos. Somente assim se legitimará o poder que emana do povo, em vista de uma sociedade universal e fraterna onde se convive sem o medo e a desconfiança nas autoridades públicas”
O Tribunal informou que uma das situações na CPPL IV envolve um preso que chegou a ser internado no Instituto Doutor José Frota após agressões sofridas dentro da unidade prisional.
"O laudo pericial realizado no dia posterior ao da ocorrência confirmou que ele teria sido atingido com o uso de instrumento contundente, com a presença de feridas na coxa esquerda e joelho direito, compatíveis com ação de munição não letal, bem como escoriação na região da virilha direita e feridas recobertas por curativos na região inferior abdominal, ombro direito e região parietal esquerda", disse a Corregedoria.
FORÇADO A TOMAR REMÉDIO
Familiares dos internos relataram ao Movimento pela Vida de Pessoas Encarceradas do Ceará (MOVIPECE) que em outra ocasião "policiais penais obrigaram [… o preso] a ingerir um remédio que ele não queria tomar por livre e espontânea vontade. Ao perceber que os policiais estavam usando da força, internos da mesma ala começaram a reclamar para que parassem. Porém, na sequência, […] foi atingido com balas de borracha, teve seu maxilar quebrado e os internos que reagiram em seu favor foram encaminhados para a tranca, tendo inclusive suas visitas canceladas”.
A magistrada recomenda que a Secretaria de Administração Penitenciária sugira a participação dos servidores em programa de atendimento psicossocial ou para avaliação do quadro de saúde física e psíquica.
O TJCE e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promove desta segunda-feira (26) até a quarta-feira (28) aulas presenciais do Curso de Formação em Prevenção e Combate à Tortura e Inspeções Prisionais. A capacitação acontece na Escola
Superior da Magistratura do Ceará (Esmec).
"A finalidade é contribuir para promover transformações significativas no sistema penal, ampliando a qualificação técnica no enfrentamento da tortura e dos maus-tratos. Para isso, o conteúdo ministrado oferecerá subsídios práticos e teóricos sobre a identificação, encaminhamento, registro e apuração de casos de tortura e de maus-tratos a pessoas encarceradas. Também serão abordadas estratégias práticas para a prevenção e combate à tortura, normativas nacionais e internacionais e vulnerabilidades relacionadas a gênero e raça no Sistema de Justiça", segundo o Tribunal.