Órgãos de Direitos Humanos recomendam criação de Mecanismo Estadual de Combate à Tortura no Ceará
Ofício enviado ao governador Elmano de Freitas também solicita transparência nas informações e o uso efetivo de câmeras no fardamento dos policiais penais, para inibir casos de tortura no Sistema Penitenciário
Órgãos estaduais ligados aos Direitos Humanos e ao Sistema Penitenciário enviaram um ofício conjunto, ao governador do Ceará, Elmano de Freitas, em que fazem recomendações para inibir a tortura nos presídios. Entre elas, a criação urgente do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT), a transparência nas informações e o uso efetivo de câmeras no fardamento dos policiais penais.
"A tortura nas Unidades Prisionais cearenses é um fato identificado como um padrão sistemático e como práticas institucionalizadas. É um problema antigo denunciado exaustivamente por familiares, sociedade civil e diversos órgãos locais e nacionais", explica o ofício, remetido no último dia 6 de julho.
O documento é assinado pelo Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (CEPCT) e pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (CEDDH), ligados à Secretaria da Proteção Social do Ceará (SPS); pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC), da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece); pelo Conselho Penitenciário do Ceará (Copen); e pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE).
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Os Órgãos se reuniram e chegaram a nove recomendações para inibir as torturas no Estado, após denúncias apresentadas por familiares de presos e pela Defensoria Pública Geral do Ceará, no início deste mês. Presos reclamaram que estão com dedos quebrados e outras lesões, além de serem colocados de cabeça para baixo e terem os testículos puxados pelos policiais penais, entre outras práticas.
A reportagem procurou o Governo do Estado, através das secretarias da Administração Penitenciária do Ceará (SAP) e dos Direitos Humanos (SEDIH), mas não obteve resposta, até a publicação desta matéria.
"Dados alarmantes" para os Órgãos
Os Órgãos de Direitos Humanos lembram, no ofício, das inspeções realizadas pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), em 2019, e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2021, que já apresentavam indícios de "tortura generalizada" no Sistema Penitenciário cearense.
E listam "dados alarmantes que nos ajudam a compreender que o problema é estrutural e que não se tratam de situações isoladas":
- 33 casos de tortura em 01 ano (período: julho de 2022 à junho de 2023), recebidos pelo Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução de Medidas Socioeducativas do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (GMF/TJCE);
- 26 mortes de internos nas Unidades Prisionais cearenses entre 2019 à 2021, de acordo com o “Relatório de Inspeções: Estabelecimentos prisionais do Estado do Ceará - 2022” do CNJ;
- 5 suicídios de agentes penais cearenses somente no ano de 2021, conforme aponta o Relatório “Violações de Direitos Humanos no sistema prisional cearense”, da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará.
A principal medida recomendada pelos Órgãos ao Governo do Estado, classificada como "urgente", é a de instituir o Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Estado do Ceará, que deve criar o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura - que já existe em diversos estados do Brasil.
Sobre a criação de um Fórum Permanente de Avaliação e Acompanhamento do Sistema Penitenciário, anunciado pelo Governo no último dia 4 de julho, os Órgãos reiteram "a necessidade de fortalecimento e reconhecimento das instâncias colegiadas que tem competência para tanto, como o Conselho Penitenciário do Estado".
No que diz respeito à implantação de câmeras corporais nos uniformes dos policiais penais, acreditamos que tal ação é importante na medida em que estudos apontam que o uso de câmeras em uniformes pode reduzir o uso abusivo da força e as mortes provocadas por agentes de segurança. No entanto, refletimos que isoladamente essa medida não é suficiente para mitigar todas as consequências dessa crise no Sistema Prisional, e defendemos que o uso dessa tecnologia deve ser acompanhado da garantia da transparência e do controle social, por meio da participação das organizações da sociedade civil, e de órgãos de controle externo, à exemplo do Ministério Público."
Confira todas as recomendações:
- "URGENTEMENTE – Envio à Assembleia Legislativa do Projeto de Lei que tem como objetivo instituir o Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Estado do Ceará, que criará o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura;
- Garantir condições adequadas para a apuração e investigação de todas as denúncias de tortura, maus tratos ou tratamento degradante ocorridas em Unidades de Privação de Liberdade no Ceará;
- Fortalecer das estruturas de órgãos autônomos que tenham como objetivo fiscalizar a atividade policial e das forças de segurança, a exemplo da Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) e da Delegacia de Assuntos Internos (DAI);
- Assegurar as medidas de reparação dos direitos para todas as vítimas de tortura, e suas famílias, bem como as medidas de responsabilização no âmbito administrativo;
- Transparência dos dados e garantia do direito ao acesso à informação pública e relevante sobre os casos de tortura e de mortes no Sistema Prisional cearense, por parte do Poder Executivo e dos demais órgãos competentes;
- Garantir as condições dignas para os/as trabalhadores/as do Sistema Penitenciário cearense, com espaço de denúncia segura sobre situações de assédio moral;
- Participação efetiva da sociedade civil, do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (CEPCT Ceará), do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (CEDDH), e sobretudo de coletivos de familiares, nas ações de prevenção e combate à tortura;
- Promover o fortalecimento do Conselho Penitenciário do Estado do Ceará como instituição permanente de fiscalização e avaliação do sistema penitenciário cearense;
- Assegurar transparência e condições efetivas para o monitoramento e controle social do uso de câmeras nos fardamentos dos agentes penais, por meio da participação das organizações da sociedade civil e de órgãos de controle externo."