Raptadas ao buscar filho na escola ou ao sair do trabalho: os relatos das vítimas de quadrilha no CE

Dois suspeitos de participar da quadrilha foram presos em Fortaleza

Por volta das 12h do dia 29 de março de 2023, Clarice (nome fictício) repetia o que fazia naquele horário, de segunda a sexta-feira: chegava em um colégio particular para buscar o filho de cinco anos. Pegou a criança e voltou ao estacionamento da escola, na Praia de Iracema. Enquanto colocava as coisas do menino dentro do carro, uma Chevrolet S10, foi surpreendida por um homem que vestia calça jeans e carregava uma mochila: "perdeu, perdeu", disse ele.

Clarice pensou que era brincadeira de algum aluno da escola: "que susto, tá doido, garoto?". Foi quando teve uma arma apontada para a cabeça dela e recebeu a ordem: "entra e dirige". 

O que a mulher vivenciou há quase um mês se repetiu por semanas, na mesma região e com outras vítimas, até que a Polícia prendesse parte da quadrilha de sequestradores que tinha como alvo mulheres frequentadoras da Praia de Iracema.

Em menos de um mês, pelo menos, quatro mulheres foram vítimas de crimes com o mesmo modus operandi. Após as prisões dos suspeitos Vitor Rodrigo Ferreira e Douglas Tomaz da Silva, a reportagem do Diário do Nordeste teve acesso a documentos da investigação, onde constam relatos daquelas que passaram por roubo seguido de privação de liberdade.

HORAS SEGUIDAS SOB AMEAÇA

Enquanto Clarice dirigia sob ameaça, o filho de cinco anos chorava. Para que ele se acalmasse, a mãe disse que o pai havia vendido o carro e eles precisavam entregar no bairro determinado pelo homem que estava dentro do veículo, no banco do carona.

Seguiram pela Avenida Abolição em direção à Barra do Ceará. Foram quase duas horas em meio ao trânsito até chegar ao bairro Bom Jardim. No caminho, ela avistou uma viatura da Polícia Militar. Tentou colidir contra a viatura, na tentativa de chamar a atenção dos agentes. Não conseguiu.

Foi repreendida pelo sequestrador, que apontou a arma para a cabeça dela e engatilhou: "o que foi que você tentou fazer?".

Seguiram e ainda pararam em um posto de combustíveis para abastecer, mas ninguém teria percebido que a cena era de um sequestro.

Já no Bom Jardim, outros homens entraram no carro, conforme detalhes do depoimento da vítima. Um deles ainda teria se desculpado com ela: "desculpa, moça, isso aqui é o nosso trabalho, a gente não estudou", disse ao tomar a direção e ordenar que Clarice fosse para o banco traseiro, ficando ela agarrada ao filho e com a cabeça baixa.

Metros à frente, os membros da quadrilha ordenaram que ela e a criança descessem. A vítima encontrou uma mulher, moradora do Bom Jardim que se ofereceu para ajudá-la e pediu uma corrida por aplicativo para deixar mãe e filho em casa.

CRIME SE REPETIU NA SEMANA SEGUINTE

Com o sucesso da empreitada criminosa, a quadrilha sentiu confiança para agir novamente. No dia 5 de abril de 2023 ocorreu o segundo sequestro. Mais uma vez na Praia de Iracema. 

A vítima, também com identidade preservada, chegava para trabalhar, por volta das 8h. Quando já havia saído do veículo e ia acionar o alarme, Ana (nome fictício) foi surpreendida por um homem já dizendo: "tenha calma que não vou fazer nada com você. Você conhece o Álvaro Weyne?".

Respondeu que não e foi obrigada a colocar o endereço no GPS e conduzir o carro. Pararam na Rua Professor Paulo Lopes, onde outro homem esperava para entrar no veículo. 

Teve a carteira roubada, com cartões, documentos e quase R$ 200, em espécie.

Ana continuou a dirigir até o 'Alto do Bode' e depois rumo ao Bom Jardim, novamente. A vítima escutou quando disseram: "vamos deixar ela no mesmo canto que deixamos a outra", dando a entender que aquele não era o primeiro sequestro deles. No mesmo ponto em que Clarice e o filho foram deixados, teve fim o segundo rapto.

INVESTIGAÇÃO

A Polícia Civil do Ceará tem conhecimento de outras duas ações da mesma quadrilha, nos dias 18 e 24 de abril de 2023. Em todas as ocasiões, mulheres, rendidas, sob ameaça de arma de fogo, obrigada a dirigir o carro e liberadas horas depois.

A vítima do terceiro rapto chegou a ser colocada dentro do próprio porta-malas.

Todas elas reconheceram os suspeitos quando foram presos. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), Vitor era quem abordava as vítimas.

Policiais da Delegacia Antissequestro (DAS) passaram a investigar os crimes e prenderam o suspeito em flagrante, quando ele estava prestes a agir novamente, na Praia de Iracema.

Com ele foi apreendido um simulacro de pistola e uma motocicleta com placa clonada. A outra prisão veio em seguida.

Conforme a PCCE, a DAS continua as investigações para descobrir os demais envolvidos no esquema criminoso. Há suspeita de, pelo menos, mais três homens envolvidos no grupo.

A Secretaria alerta que populares que tiverem informações que possam contribuir com as investigações devem repassar para o número 181. "O sigilo e o anonimato são garantidos", diz a Pasta.