Produção de grãos de sorgo no sertão cearense supera em quase duas vezes a média brasileira
Cultivo de cereal utilizado na alimentação de animais desenvolvido pela Embrapa abre nova oportunidade para produtores rurais em período de chuvas irregulares
Quem é criador de bovinos e ovinos no sertão nordestino conhece muito bem as dificuldades para dar de comer ao rebanho a partir de julho, quando a pastagem nativa fica escassa, após o fim do período chuvoso. É preciso fazer reserva para a segurança alimentar. Nesta semana, veio uma boa notícia para ajudar os produtores rurais.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), por meio da unidade Caprinos e Ovinos, em Sobral, na zona Norte do Ceará, em parceria com o Centro Nacional de Pesquisa Milho e Sorgo, em Minas Gerais, desenvolveu um cultivo de sorgo granífero que alcançou mais de 5 mil quilos de produtividade de grãos por hectare, um resultado considerado surpreendente pelos técnicos.
A produtividade média brasileira de sorgo granífero oscila entre 2.600 e 2.800 quilos por hectare. Já no sertão cearense, a cultura tem produtividade em torno de 2.500.
Os experimentos foram realizados na unidade de Sobral e começaram há cinco anos. “Já fizemos testes em áreas de três hectares em parceria com produtores e os resultados foram semelhantes aos obtidos em talhões reduzidos de estudo”, pontuou o pesquisador de Melhoramento Genético Vegetal da Embrapa Caprinos e Ovinos, Fernando Guedes. O próximo passo é a obtenção de registro da cultivar para comercialização do grão.
“Esse resultado comprova o potencial do sorgo granífero e representa mais uma possibilidade de renda para os produtores locais”, pontuou o pesquisador. “Outra vantagem é a tolerância que a cultura apresenta em relação a período de seca”.
Sorgo forrageiro
A variedade de sorgo granífero ainda é cultivada de forma tímida no sertão cearense. Os produtores preferem produzir o sorgo forrageiro ou silageiro, que é destinado para formação de silos (após colheita e trituração de folhas e galhos é encoberto com lona plástica no campo) reserva alimentar para os animais durante o segundo semestre.
Mais de 95% do cultivo é do sorgo forrageiro, mas mediante a alta produtividade obtida, Guedes acredita que o criador vai migar para a nova cultivar com o decorrer do tempo. “O produtor acredita naquilo que vê, que dá resultado”, argumentou. “Além da alta produtividade é uma cultura resistente a veranicos de dez, doze dias (estiagem no período chuvoso), que são comuns no Semiárido”.
Um comparativo apresentado por Guedes mostra a vantagem econômica da nova cultivar. Uma saca de 60kg de milho em grão custa atualmente cerca de R$ 100,00. A mesma quantidade de sorgo granífero tem custo médio de R$ 70,00.
Em um hectare, haveria uma produção de 80 sacas de 60 kg de sorgo granífero e uma renda de R$ 5.600. Reduzindo desse total, despesas de produção estimadas em R$ 3 mil, o produtor teria uma economia de R$ 2.600. “É um valor muito significativo, que viabiliza a atividade agropecuária”, defendeu Guedes.
O produtor rural, Carlos Vieira, observa, entretanto, que há uma resistência na maior parte do sertão cearense em cultivar sorgo granífero. “A maioria, mais de 95% só planta, sorgo forrageiro, que apresenta maior volume de vegetal e não tem o ataque dos pássaros, que são atraídos para comer os grãos em desenvolvimento no plantio”, explicou. “A nossa cultura é o plantio do (sorgo) forrageiro”.
Fernando Guedes explicou que o sorgo granífero pode ser utilizado para alimentar o gado em substituição ou complementar ao grão de milho; pode ser vendido para as granjas – criatórios de aves e de suínos; ser encilhada ou fornecida aos animais de forma fresca.
Estratégia
A conscientização de que era preciso guardar de comer para alimentar os animais no período seco (agosto a dezembro) só ocorreu em maior escala no início da década passada, quando o sertão cearense sofreu um ciclo de seis anos de estiagem e de morte de animais a partir de 2012.
“A dor ensinou aos produtores que era preciso ter reserva alimentar e foi sofrendo que houve o aprendizado”, observou o agrônomo, José Teixeira Neto. “Antes de 2010, menos de cinco por cento faziam silagem, hoje são mais de 90% que têm silos em suas propriedades”.
De acordo com a unidade de pesquisa, “o experimento utilizou 47 genótipos híbridos – que mostraram bom potencial nas safras de 2018 e 2019 para se tornarem cultivares no futuro - de sorgo granífero”. Foram selecionados 19 genótipos, que foram considerados aptos para produção de grãos no Semiárido.
Fernando Guedes lembrou que a Embrapa já tem várias cultivares de sorgo granífero lançadas no mercado, com característica de alta tolerância à seca e boa produtividade.
Guedes ressaltou, entretanto, que “no experimento mais recente foram observados genótipos que atingiram produtividade acima de cinco mil quilos de grãos por hectare, que é uma média bastante elevada”.
Um indicador de que os resultados obtidos com a produtividade são promissores é a análise de viabilidade econômica. A partir de 2800 kg/ha de sorgo, em uma safra, já se alcançam os custos fixos da cultura.
“Acima de quatro mil quilos por hectare, já é possível para o produtor obter lucro”, pontuou Guedes. “Esse dado comprova o potencial do sorgo como cultura que pode ser utilizada pelos produtores rurais para produção de grãos”.
A produtividade na Argentina é superior a 4.500 kg/ha, país que figura entre os grandes produtores e apresenta os maiores rendimentos médios de grãos de sorgo no mundo.
O agrônomo e pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo (MG), Cícero Menezes, que liderou a pesquisa, foi taxativo: “o resultado apresentado nos testes em Sobral é surpreendente”.
Menezes defende “a continuidade da pesquisa em híbridos de maior produtividade, de preferência em áreas experimentais maiores, realizando unidades de observação e dias de campo para apresentar os resultados aos produtores locais”.
Vantagem
O sorgo é um grão que pode complementar a produção do milho, que é tradicional entre os agricultores para alimentação animal, em áreas de carência no Sertão nordestino, por apresentar tolerância a períodos de estiagem.
A produção de silagem é uma estratégia de reserva de alimento para período seco a partir da formação de silos no campo. “O sorgo apresenta alto valor nutricional, podendo compor rações com qualidade e menor custo do que aquelas baseadas em outros insumos, como o milho”, destacou Guedes.
Entre os criadores, o sorgo forrageiro ou silageiro é bastante conhecido e passou a ser uma das primeiras opções para produção de silagem. Já o sorgo granífero ainda é pouco cultivado no interior cearense. A tradição é o plantio de milho.
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Para o pesquisador da Embrapa, o sorgo granífero tem também o papel de suprir essa lacuna, ou seja, o produtor rural produzir o próprio grão para a formação de ração, destinada “para alimentação de ruminantes, avicultura ou suinocultura”.
Em uma região que predomina a irregularidade de chuvas, o sorgo se apresenta como boa alternativa porquanto é mais tolerante à estiagem do que o milho.
“Em comparação ao milho, o sorgo precisa de menos água para produzir grãos. Além disso, a planta pode hibernar em momento de estresse e, quando a chuva volta, ela retorna ao seu processo normal de fotossíntese”, explicou Menezes.
Saiba mais
- A pesquisa já indica que o sorgo tem bom potencial para ser produzido no Semiárido brasileiro, mas a cultura ainda é restrita, quando se comparação com outras regiões de expansão da fronteira agrícola.
- O Centro-Oeste e o Sudeste respondem por 90% da produção nacional do cereal, atualmente, e o cultivo é feito em grandes áreas.
- No Nordeste, exceto a região entre as divisas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), “o sorgo é plantado por produtores menores, onde ainda existe uma grande tradição no plantio de milho, por falta de assistência técnica e de divulgação da cultura”, avalia o pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo.