Romeiros vão a Canindé para pagar promessas
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Diferentes pessoas e histórias de vitória confluem para a cidade, a fim de demonstrar a gratidão ao santo
Canindé. Pelas veredas mais tortuosas da vida, tropeçando às vezes na própria desilusão, os romeiros chegam à cidade de Canindé. Na bagagem, um coração vazio de si, na expectativa de se renovar pelo contato com o divino. Nas mãos trazem um ex-voto, símbolo de gratidão e a memória de uma identidade. Na voz, orações se elevam em direção ao sagrado, em direção daquele que foi tão pobre quanto eles. No olhar, uma saudade imensa e renitente sai pelas bordas dos olhos.
Passos brandos na vasta poeira do tempo trilham caminhos envoltos no mistério, enveredados pela fé sem limites. Corpos crestados, próximos aos mandacarus, pisam quais vultos num solo riscado pela seca, sem mapas, nem mundo ou chão. Assim seguem os romeiros pagadores de promessas, levando sua reverência a São Francisco das Chagas. Não comunicam desalento, nem cansaço, pois são impedidos e amparados pelo santo. Devotos numerosos aí se encontram, peregrinos de todas as raças na meca nordestina da fé, a cidade de Canindé.
Entre o culto regular da Igreja Católica e as práticas da religiosidade popular, místicas, crenças, gestos se unem, irrompem em cada alma sedenta do eterno. Para os romeiros não importa o sacrifício, o que vale mesmo é pagar sua promessa e ficar em dia com o santo. Pode demorar 10, 20, 30 anos, mas um dia ele dá um jeito, vem a Canindé e paga. São peregrinos vindos dos mais diversos pontos do mundo, que chegam ao maior santuário franciscano da América Latina em busca da cura por meio da fé.
Testemunhos da fé
Os romeiros e suas histórias se misturam ao cotidiano da cidade. O casal Francisco da Silva Borges, de 59 anos, e Maria Feitosa Borges, de 52 anos, residem na cidade de Porto Franco, no Maranhão. Fizeram uma promessa para São Francisco há 19 anos e agora vieram pagar. O casal conta que tinha problemas com alcoolismo e se apegaram ao santo dos pobres pedindo a cura e libertação do vício. Agora eles chegam ao santuário de Canindé para pagar suas dívidas.
Olavo Vieira Sousa, de 69 anos, perdeu tudo nas enchentes de 2009 na cidade de Penedo, em Alagoas. Depois de pedir a São Francisco uma graça, veio pagar a promessa. "Na época, perdi minha casa, meus bens e fiquei com uma mão na frente e outra atrás. Agora trabalho de motorista e já estou reconstruindo o que eu tinha aos poucos, graças a meu São Francisco", relata o romeiro.
A graça alcançada pelo casal Vicente de Sousa Felizardo, de 58 anos, e Maria Lúcia Machado Felizardo, de 54 anos, se materializa no ex-voto de uma casa, depositada na Casa dos Milagres, no anexo da Basílica de São Francisco. Moradores de Presidente Dutra, no Maranhão, prometeram fazer uma peregrinação a Canindé se conseguissem realizar o sonho da casa própria. Depois de 20 anos, eles cumprem o prometido.
São depoimentos dessa natureza que ajudam a reforçar a crença no santo dos desvalidos, dos necessitados, daquele que se fez pobre como os mais pobres para ser digno aos olhos de Deus. Com passos firmes, voz cansada, pés rachados pelo contato com a terra batida e o asfalto escaldante, seguem os romeiros em busca do sentido da vida, mediante rezas, confissões e silêncio. Por vezes conduzem uma cruz interior, como imagem da esperança que vence o sofrimento.
Os devotos depositam no santuário suas vidas fragmentadas. Comunicam imagens de si, marcas do abandono social a que muitos estão submetidos. Confiança, só mesmo no santo, que acode e consola os fiéis nos momentos mais difíceis.
Mas a graça também pode ser mais simples. A conquista da pessoa amada e do matrimônio, a aprovação no vestibular, a vitória do time do coração, tudo indiciado pelos vestidos de noiva, fotos de formatura e camisas de times de futebol depositadas na Casa dos Milagres.
Muitos dos romeiros oriundos dos demais Estados nordestinos têm suas vidas marcadas pela fome. Demonstram sofrimento refletido em seus rostos de uma senilidade prematura. Em Canindé, renovam-se e encontram amparo para a fadiga e a desilusão.
A graça que os romeiros rogam a São Francisco deveria ser proporcionada por políticas públicas. Pedem uma casa, a cura de uma doença, melhoria da condição de vida. Enfim, ações que seriam de responsabilidade dos governantes.
Romaria
Para Marcelo João Soares de Oliveira, autor do livro "O Santo vivo dos devotos", a romaria é uma manifestação de intensa fé que dialoga com Deus. É uma convicção íntima na experiência dos peregrinos, que buscam no sagrado a libertação de seus males. Os andantes comunicam-se de forma profunda pelo sacrifício do trajeto e pela fé que os fortalece na travessia de distâncias. Na transparência de seus passos, as situações mais diversas emergem da dor e da fragilidade. Este clamor tem sido ressoado com frequência na América Latina.
Quem visita Canindé como romeiro, procurando no sobrenatural uma esperança e uma razão para sua vida, certamente encontrará no homem do segundo milênio pistas para uma nova vivência: a fraternidade que nasce no meio dos pobres, a paz que é fruto da reconciliação e da tolerância entre classes e nações, a harmonia ecológica que é resultado do respeito e do amor por todas as criaturas.
MAIS INFORMAÇÕES
Santuário de São Francisco das Chagas
Canindé (CE)
(85) 3343.0017 / 3343.0447
Antônio Carlos Alves
Colaborador
Canindé. Pelas veredas mais tortuosas da vida, tropeçando às vezes na própria desilusão, os romeiros chegam à cidade de Canindé. Na bagagem, um coração vazio de si, na expectativa de se renovar pelo contato com o divino. Nas mãos trazem um ex-voto, símbolo de gratidão e a memória de uma identidade. Na voz, orações se elevam em direção ao sagrado, em direção daquele que foi tão pobre quanto eles. No olhar, uma saudade imensa e renitente sai pelas bordas dos olhos.
Passos brandos na vasta poeira do tempo trilham caminhos envoltos no mistério, enveredados pela fé sem limites. Corpos crestados, próximos aos mandacarus, pisam quais vultos num solo riscado pela seca, sem mapas, nem mundo ou chão. Assim seguem os romeiros pagadores de promessas, levando sua reverência a São Francisco das Chagas. Não comunicam desalento, nem cansaço, pois são impedidos e amparados pelo santo. Devotos numerosos aí se encontram, peregrinos de todas as raças na meca nordestina da fé, a cidade de Canindé.
Entre o culto regular da Igreja Católica e as práticas da religiosidade popular, místicas, crenças, gestos se unem, irrompem em cada alma sedenta do eterno. Para os romeiros não importa o sacrifício, o que vale mesmo é pagar sua promessa e ficar em dia com o santo. Pode demorar 10, 20, 30 anos, mas um dia ele dá um jeito, vem a Canindé e paga. São peregrinos vindos dos mais diversos pontos do mundo, que chegam ao maior santuário franciscano da América Latina em busca da cura por meio da fé.
Testemunhos da fé
Os romeiros e suas histórias se misturam ao cotidiano da cidade. O casal Francisco da Silva Borges, de 59 anos, e Maria Feitosa Borges, de 52 anos, residem na cidade de Porto Franco, no Maranhão. Fizeram uma promessa para São Francisco há 19 anos e agora vieram pagar. O casal conta que tinha problemas com alcoolismo e se apegaram ao santo dos pobres pedindo a cura e libertação do vício. Agora eles chegam ao santuário de Canindé para pagar suas dívidas.
Olavo Vieira Sousa, de 69 anos, perdeu tudo nas enchentes de 2009 na cidade de Penedo, em Alagoas. Depois de pedir a São Francisco uma graça, veio pagar a promessa. "Na época, perdi minha casa, meus bens e fiquei com uma mão na frente e outra atrás. Agora trabalho de motorista e já estou reconstruindo o que eu tinha aos poucos, graças a meu São Francisco", relata o romeiro.
A graça alcançada pelo casal Vicente de Sousa Felizardo, de 58 anos, e Maria Lúcia Machado Felizardo, de 54 anos, se materializa no ex-voto de uma casa, depositada na Casa dos Milagres, no anexo da Basílica de São Francisco. Moradores de Presidente Dutra, no Maranhão, prometeram fazer uma peregrinação a Canindé se conseguissem realizar o sonho da casa própria. Depois de 20 anos, eles cumprem o prometido.
São depoimentos dessa natureza que ajudam a reforçar a crença no santo dos desvalidos, dos necessitados, daquele que se fez pobre como os mais pobres para ser digno aos olhos de Deus. Com passos firmes, voz cansada, pés rachados pelo contato com a terra batida e o asfalto escaldante, seguem os romeiros em busca do sentido da vida, mediante rezas, confissões e silêncio. Por vezes conduzem uma cruz interior, como imagem da esperança que vence o sofrimento.
Os devotos depositam no santuário suas vidas fragmentadas. Comunicam imagens de si, marcas do abandono social a que muitos estão submetidos. Confiança, só mesmo no santo, que acode e consola os fiéis nos momentos mais difíceis.
Mas a graça também pode ser mais simples. A conquista da pessoa amada e do matrimônio, a aprovação no vestibular, a vitória do time do coração, tudo indiciado pelos vestidos de noiva, fotos de formatura e camisas de times de futebol depositadas na Casa dos Milagres.
Muitos dos romeiros oriundos dos demais Estados nordestinos têm suas vidas marcadas pela fome. Demonstram sofrimento refletido em seus rostos de uma senilidade prematura. Em Canindé, renovam-se e encontram amparo para a fadiga e a desilusão.
A graça que os romeiros rogam a São Francisco deveria ser proporcionada por políticas públicas. Pedem uma casa, a cura de uma doença, melhoria da condição de vida. Enfim, ações que seriam de responsabilidade dos governantes.
Romaria
Para Marcelo João Soares de Oliveira, autor do livro "O Santo vivo dos devotos", a romaria é uma manifestação de intensa fé que dialoga com Deus. É uma convicção íntima na experiência dos peregrinos, que buscam no sagrado a libertação de seus males. Os andantes comunicam-se de forma profunda pelo sacrifício do trajeto e pela fé que os fortalece na travessia de distâncias. Na transparência de seus passos, as situações mais diversas emergem da dor e da fragilidade. Este clamor tem sido ressoado com frequência na América Latina.
Quem visita Canindé como romeiro, procurando no sobrenatural uma esperança e uma razão para sua vida, certamente encontrará no homem do segundo milênio pistas para uma nova vivência: a fraternidade que nasce no meio dos pobres, a paz que é fruto da reconciliação e da tolerância entre classes e nações, a harmonia ecológica que é resultado do respeito e do amor por todas as criaturas.
MAIS INFORMAÇÕES
Santuário de São Francisco das Chagas
Canindé (CE)
(85) 3343.0017 / 3343.0447
Antônio Carlos Alves
Colaborador