Estudo da Fiocruz aponta alto índice de pessoas assintomáticas circulando com Covid-19

Das 1.400 pessoas testadas - em pesquisa da Fiocruz e da Universidade Estadual de Feira de Santana- com RT-PCR, 154 estavam positivas. Todas elas estavam indo trabalhar normalmente

Escrito por André Costa , andre.costa@svm.com.br
Legenda: Pesquisa acompanhou pessoas economicamente ativas, isto é, que estava indo trabalhar normalmente. 154 estavam infectadas.
Foto: Antonio Rodrigues

Por que o uso da máscara de proteção e a manutenção do distanciamento social ainda são tão importantes no combate à pandemia? Especialistas reforçam a tese de que o vírus permanece com alta transmissibilidade e somente com vacinação em massa – o que não tem ocorrido no Brasil – poderíamos avançar gradualmente para a desobrigação dessas medidas de segurança. 

Outro fator que corrobora a manutenção destas medidas não farmacológicas é o alto índice de infectados assintomáticos. Sem manifestar quaisquer sintomas, o paciente infectado acaba se tornando ponto de transmissão do vírus sem saber que está contaminado. Uma pesquisa da Fiocruz e da Universidade Estadual de Feira de Santana (BA), mostrou que o percentual de assintomáticos chegou a 11%. 

Para Fábio Miyajima, pesquisador da Fiocruz Ceará e coordenador geral da Rede de Vigilância Genômica  da Fiocruz no Estado, este percentual é "altíssimo". No entanto, ele pondera que o número deve ser observado com cautela.

"A pesquisa foi realizada entre abril e maio e coincide com o pico da transmissão da segunda onda em todo o Brasil. [À época] a transmissão comunitária estava altíssima. Talvez agora essa taxa [de 11%] esteja menor", considera.

Embora possa existir redução na porcentagem verificada no estudo da Fiocruz Bahia, Miyajima reconhece o alto número de assintomáticos em todo o País e alerta para o risco de transmissão de variantes mais agressivas. "Só vamos achar esses casos se procurarmos. Se não testa, não sabe que tem [o vírus]".

O Brasil está muito aquém de países da Europa. A testagem tem que ser proativa e não reativa. Para identificar os assintomáticos, é preciso incrementação da testagem. 
Fábio Miyajima
Pesquisador da Fiocruz Ceará

O estudo analisou amostras de 1.400 pessoas escolhidas aleatoriamente na cidade de Feira de Santana, na Bahia. Cientistas identificaram que a variante gama, também chamada de P1, está sendo amplamente disseminada por pessoas assintomáticas. No Ceará, essa variante representa mais de 90% dos casos de infecções neste ano, segundo a Fiocruz.  

Das 1.400 pessoas testadas com RT-PCR, 154 estavam positivas. Todas elas estavam indo trabalhar normalmente. 

Transmissão 

Sem sintomas, é natural que a pessoa infectada mantenha suas atividades laborais inalteradas. É desta forma que a pandemia se move e se arrasta por tantos meses no Brasil. "Por isso é importante que todos, sem nenhuma exceção, continuem usando máscaras, álcool em gel e siga o distanciamento social", alerta Fábio. Assim, a chance de um assintomático transmitir o vírus é menor.

A infectologista cearense e professora da faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Monica Façanha, alerta que a sociedade não pode partir do princípio de que se não há sintomas, não há doença. "Muitos não manifestam [sintomas] e ainda assim pode transmitir o vírus".

A analista da rede de vigilância genômica, Ticiane Cavalcante, é um desses casos. Ela testou positivo para a Covid-19 em manifestar sintomas. "A única manifestação foi uma congestão nasal de três dias. Podia ser qualquer coisa, uma alergia, rinite, uma gripe leve. Mas eu estranhei e resolvi fazer o teste".

Poucos dias depois, quando o resultado do teste saiu, e deu positivo, Ticiane conta que "já não sentia mais nenhum sintoma". 

Muitas pessoas associam os sintomas leves a alguma doença mais simples e acabam optando por não realizar a testagem. 
Ticiane Cavalcante
Analista da rede de vigilância genômica

Após dez dias de isolamento social, Ticiane diz ter recebido autorização de três médicos para retornar ao trabalho. "Nos 15º refiz o teste e ainda estava infectada. Com 20 dias, repeti e o exame deu novamente positivo. Se tivesse retornado com 10 dias, estaria suscetível a transmitir o vírus no meu ambiente de trabalho", descreve a analista.

"Meu conselho é que todos continuem usando máscara e mantenham todas as medidas de segurança. O vírus pode estar em qualquer um de nós", conclui.

Carga viral nos assintomáticos 

A infectologista Mônica Façanha avalia que, para este contingente específico de assintomáticos do qual Ticiane fez parte, a carga viral pode ser mais baixa, mas suficiente para contaminação.

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Estudo apontam que pessoas assintomáticas podem ter uma menor carga viral. No entanto, dependendo do tempo que ela se expõe ao outro e se algum deles está sem máscara, pode sim acontecer a contaminação.
Monica Façanha
Infectologista

Fábio se mostra mais reticente. "Pode ser mais baixa, como pode ser alta. Já vimos de tudo desde o início dessa pandemia. Inclusive, mesmo nos casos dos sintomáticos, já pode existir transmissão entre 24 a 48 horas antes do início do surgimento dos sintomas".

Entre eles, no entanto, há o consenso de que as variantes que circulam atualmente no Brasil são mais agressivas quando comparadas ao ano passado.

Variante agressiva

A pesquisa da Fiocruz sequenciou os 122 genomas identificados nos assintomáticos para investigar qual variante havia infectado as pessoas. Foi encontrado apenas a gama e uma variação sua, chamada de P1.1. Essa gama, segundo os cientistas, pode ser mais de 2 vezes mais transmissível do que outras linhagens.

"Esse é outro grande problema. Não sabemos qual cepa o assintomático está infectado. Pode ser que ele esteja com mais agressiva e, assim, a disseminação é ainda mais danosa à sociedade", completou Façanha. 

Miyajima acrescenta que já se sabe, "com 100% de certeza", que a variante gama foi importada do Amazonas. "É necessário melhorar a vigilância epidemiológica das principais portas de entradas (aeroportos, portos, estradas) dos estados para evitar que essas cepas continuem circulando".

A cepa a qual se refere o pesquisador do Ceará - e que foi encontrada nos assintomáticos da pesquisa baiana - tem capacidade de transmissão maior. "A carga viral é 10 vezes maior que a carga viral relacionada a variante comum. Além disso, a transmissão dela é 2,2 maior", descreve Fábio, ao dimensionar a gravidade da variante gama.  

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Imunização e proteção

Para a infectologista cearense, além do uso de máscara e do distanciamento social, é preciso avançar no processo de imunização. Ela sugere uma cobertura de 75% da população para que aja a imunização de rebanho.

No Ceará, foram aplicadas 3.757.881 doses contra a Covid-19, dentre as quais 1.089.344 são referentes a segunda dose. Ou seja, para cada 8 cearenses, um completou o ciclo de imunização. Os dados do Vacinômetro, plataforma da Secretaria da Saúde do Ceará. 

"Só vamos avançar quando tivermos maior disponibilidade da vacina. Ainda há muitos grupos descobertos. Portanto, a orientação é seguir rigorosamente todos os protocolos vigentes", conclui Mônica. Fábio Miyajima compartilha do mesmo pensamento e acrescenta: "Não há nenhum super-humano que esteja imune, as recomendações são válidas para todos nós".

Por mais que não seja do grupo de risco, ou já tenha tido a Covid, ou já tenha se vacinado, as pessoas devem continuar se cuidando. Pessoas sem sintomas pode transmitir essa doença horrível. Se para um o vírus não causa nada, em outros pode ser fulminante. A Covid é extremante contagiosa e continua [o vírus] evoluindo.
Fábio Miyajima
Pesquisador Fiocruz

 

 

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