Altas temperaturas como as de Fortaleza podem aumentar mortes por doenças cardiovasculares
Estudo da Fiocruz aponta que idosos e pessoas com comorbidades são as mais vulneráveis às ondas de calor
Redenção, 40 graus. Jaguaribe, 39º e, Fortaleza, 30 graus Celsius. As altas temperaturas têm atingido marcas cada vez mais expressivas nas cidades cearenses. Todo esse calor pode trazer consequências que vão muito além de um simples desconforto.
Pesquisa inédita realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) aponta que o estresse térmico pode aumentar a mortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias.
O que é estresse térmico?
Estresse térmico é uma termologia técnica atribuída pelos pesquisadores para definir o impacto do aumento das temperaturas no corpo humano. Dentre as capitais brasileiras com maior potencial de óbitos por doenças respiratórias, Fortaleza destaca-se ao lado Rio Branco, Vitória, Rio de Janeiro, Campo Grande, Goiânia, Boa Vista, Cuiabá e Palmas.
Para identificar possíveis efeitos e quais temperaturas incidem em maior risco à saúde, o estudo projetou a quantidade de dias por ano em que determinados lugares superam a marca dos 28ºC no indicador WBGT, sigla em inglês referente a temperatura de bulbo úmido – um tipo de medida de temperatura, lida por um termômetro coberto com um pano umedecido sobre o qual o ar é passado.
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Esse indicador (WBGT) de estresse térmico é composto pelas variáveis temperatura, umidade do ar, velocidade do vento e radiação solar, que representa a "exposição a condições climáticas que influenciam a capacidade do corpo de manter a termorregulação".
O estresse térmico no corpo humano ocorre quando há um aumento de temperatura durante um tempo determinado. No período de adaptação de um organismo humano saudável é comum haver dores de cabeça, mal-estar e perda da agilidade nas ações.
A gerente de meteorologia da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), Meiry Sakamoto explica, no entanto, que há diferenças entre as medidas WBGT e os números normalmente informados pelo órgão.
"A sigla em inglês, WBGT, é uma medida de temperatura que reflete as propriedades físicas de um sistema constituído pela evaporação da água no ar. Para entender mais facilmente, é a temperatura que se sente quando a pele está molhada e exposta a movimentação de ar. Já as [medidas] normalmente informadas pela Funceme, são dados da temperatura do ar no ambiente onde está instalado o termômetro".
Apesar da diferença, ambas, quando apresentam altos índices, traduzem igualmente o estresse térmico em que um ser humano é exposto".
Graves riscos à saúde
E "o que acontece se você fica exposto durante sete dias, por exemplo, ao estresse térmico de alto risco?", provoca a doutora em saúde coletiva Ludmila da Silva Viana Jacobson, pesquisadora que integrou o estudo. A coordenadora da pesquisa, Sandra Hacon, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), detalha os danos à saúde.
Com o aumento da temperatura, diz ela, a tendência é que o organismo reaja de alguma forma ao estresse térmico. "Para as pessoas que têm problemas cardiovasculares ou alguma comorbidade, podem levar a situações mais sérias”.
Essas situações mais "sérias" as quais se refere a pesquisadora da Fiocruz, podem ser, inclusive, o aumento da mortalidade em pessoas mais idosas ou com comorbidades.
Os pesquisadores estabeleceram como risco potencial indicadores do WBGT acima de 28°C. O estudo aponta que o número de dias com temperaturas acima desta marca pode ter impactos "associados em desfechos de mortalidade por doenças cardiovasculares para pessoas com idade maior de 45 anos, e por doenças respiratórias para pessoas com idade superior a 60 anos".
Para alguns grupos considerados mais vulneráveis, como gestantes, idosos e pessoas com comorbidades, o estresse térmico pode ser mais danoso. Nas gestantes, por exemplo, pode haver uma oscilação da pressão arterial.
A pediatra e pneumologista Kaline Christi, explica que a variação de temperatura implica em diversas situações reagentes no organismo humano e reforça que além dos idosos, as crianças também estão mais vulneráveis.
"As altas temperaturas aumentam a frequência cardíaca, pois, os polos se dilatam na tentativa de eliminar o suor e refrescar o corpo" e isso, segundo a especialista, pode causar risco às pessoas com alguma comorbidade.
Outros danos desencadeados pelas altas temperaturas podem fazer despertar crise de asma e até problemas renais. A pneumologista alerta que, para evitar ou minimizar os danos causados pelo estresse térmico, sobretudo nos grupos mais vulneráveis, é necessário aumentar a ingestão de água.
"Se puder usar umidificadores de ar, é interessante. Quando precisar sair de casa, que saia bem protegido, com óculos, protetor solar, chapéu ou algo que possa proteger dos raios solares", conclui.
Efeitos do aquecimento global
O estudo da Fiocruz aponta que os atuais – e preocupantes – níveis de emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) em todo o planeta tendem a agravar este cenário e elevar ainda mais as temperaturas, sobretudo nas regiões tropicais.
Ludmila da Silva Viana Jacobson destaca que as capitais do Norte e Nordeste terão mais de 90% dos dias acima desse índice WBGT de 28º. Meiry Sakamoto acrescenta que o Estado já apresenta temperaturas mais elevadas se comparado a décadas anteriores.
"A análise do comportamento das temperaturas máxima, mínima e média no Ceará, mostrou um padrão de aumento dos valores dessas variáveis, na média do período 1994-2015 em relação ao período 1961-1990, da ordem de 0,7 graus Celsius; 0,4 graus Celsius e 0,6 graus Celsius, respectivamente".
Somente neste ano de 2021, diversas cidades como Morada Nova, Jaguaruana, Barro, Jaguaribe e Redenção tiveram registros de temperaturas máximas que ultrapassaram 37 graus Celsius. "Mas, convém observar que foram registros pontuais e não ocorreram de forma contínua ao longo dias", destaca Sakamoto.
Essa temperaturas extremas tendem a ficar mais frequentes no fim do ano. Ainda segundo a gerente de meteorologia da Funceme, "outubro e novembro costumam registrar as maiores temperaturas máximas no Ceará".
Diante de índices tão altos de temperatura que podem trazer graves danos à saúde, a coordenadora da pesquisa da Fiocruz, Sandra Hacon, destaca ser preciso se preparar para o futuro.
“É um alerta da ciência para que os serviços de saúde se preparem. Precisam capacitar os profissionais de saúde, levar a informação, discutir e ter na área de saúde especialização sobre mudança do clima”, conclui Hacon.