Governadores reagem a decreto sobre uso de força policial no País e podem ir ao STF; entenda
Texto disciplina o uso de armas de fogo e instrumentos não letais, abordagens, buscas domiciliares e a atuação dos policiais penais nos presídios
A atualização de normativa que define o uso da força e de instrumentos de menor potencial ofensivo pelas polícias, na última terça-feira (24), ganhou críticas de pelo menos três governadores. Do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), e do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), demonstraram insatisfação nas redes sociais e em entrevistas.
O texto disciplina o uso de armas de fogo e instrumentos não letais, abordagens, buscas domiciliares e a atuação dos policiais penais nos presídios. O documento confere ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) a competência para editar normas complementares, além de financiar, formular, implementar e monitorar ações relacionadas ao tema.
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Os governadores não são obrigados a cumprir as diretrizes. No entanto, os Estados que não fizerem estarão sujeitos a cortes nas verbas do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). Em 2024, o Governo repassou cerca de R$ 1 bilhão aos Estados por meio do FNSP e R$ 2,4 bilhões via Funpen.
Cláudio Castro reagiu de forma mais dura ao que foi estabelecido pelo Governo Federal. Em entrevista ao jornal O Globo, ele declarou que irá buscar ajuda do Supremo Tribunal Federal (STF). "Nós do Rio vamos entrar imediatamente com uma ação no STF para cassar esse absurdo. Por fim, espero que a população cobre dos responsáveis por esse decreto quando bandidos invadirem uma residência, roubarem um carro ou assaltarem um comércio", disse o governador fluminense.
Em publicação no X, o governador de Goiás chamou o texto de "presente de Natal" ao crime organizado e afirmou que a atualização da normativa promove um maior engessamento das forças policiais.
"O decreto impõe aos estados que, caso não sigam as diretrizes do governo do PT para a segurança pública, perderão acesso aos fundos de segurança e penitenciário. Trata-se de uma chantagem explícita contra os estados, que acaba favorecendo a criminalidade", avaliou Caiado.
Seguindo a mesma linha de pensamento, o governador do Distrito Federal classificou a medida como "Interferência total". "Uma pena que o Governo Federal, ou melhor, o presidente Lula não saiba seu espaço. Quem faz segurança pública são os estados", disse Ibaneis Rocha, em entrevista à CNN Brasil.
O que diz o decreto
Conforme o decreto, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o uso de arma de fogo deve ser feito como medida de "último recurso" pelas polícias. Dessa forma, armas só poderão ser usadas quando outros recursos de "menor intensidade não forem suficientes para atingir os objetivos legais pretendidos”.
O texto também prevê que as ações policiais não deverão discriminar pessoas em razão da cor, raça, etnia, orientação sexual, idioma, religião e opinião política.
Em até 90 dias, o Ministério da Justiça vai editar uma portaria para detalhar os procedimentos que deverão ser adotados pelos policiais de todo o País. A pasta também prevê treinamento para os profissionais de segurança pública.
O monitoramento do cumprimento das medidas será feito pelo Comitê Nacional de Monitoramento do Uso da Força, colegiado que será criado para fiscalizar a implementação do decreto.
Repercussão
Essa é mais uma tentativa do Governo Federal de unificar regras e protocolos das forças de segurança. Em maio, o Ministério da Justiça lançou um edital para incentivar o uso de câmeras corporais pelos policiais. O governo também busca apoio à PEC da Segurança Pública, proposta mais ambiciosa de Lula e Lewandowski para a área.
Outro ponto do decreto apontado como relevante por especialistas é o que determina a instituição do Comitê Nacional de Monitoramento do Uso da Força, com participação da sociedade civil. A iniciativa é vista como uma estratégia para neutralizar interesses políticos e partidários estabelecendo métricas padronizadas para o monitoramento nacional.
Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima avalia que o decreto serve para "consolidar um padrão de uso da força que tem dado certo", mas que os resultados práticos ainda dependem de outras medidas do governo, do Congresso e dos Estados.
"Ele consolida uma visão de que o problema existe e ninguém vai tapar o sol com a peneira. Os bons resultados dependem de o Governo negociar qual projeto que será aprovado, se a PEC proposta pelo ministro Ricardo Lewandowski, se a dos governadores. Mas esse decreto é uma linha de base. O ganho político para o Governo é que ele parece ter saído da defensiva, mas não quer dizer que garantiu uma vitória", destacou.